quarta-feira, 2 de julho de 2008

Cabeça de água.


1. Um toro de lidia é como um rio
na cheia. Quando se abre a porta,
que a custo o comporta, e o touro
estoura na praça, traz o touro a cabeça
alta, da cheia, que é como o rio
na cheia, traz a cabeça de água.
Tem então o touro o mesmo atropelar
cego da água, mesmo murro de montanha
dentro de sua água: a mesma pedra
dentro da água de sua montanha como o rio,
na cheia, tem de pedra a cabeça de água.

2. Um toro de lídia é ainda um rio
na cheia. Quando no centro da praça,
que ele ocupa toda e invade o touro
afinal pára, pode o toureiro navegá-lo
como água; e pode então mesmo fazê-lo
navegar, assim como, passada a cabeça
da cheia, a cheia pode ser navegada.
Tem então o touro os mesmos redemoinhos
da cheia, mas neles é possível embarcar
até mesmo fazer com que ele embarque:
que é que se diz do touro que o toureiro
leva e traz, faz ir e vir, como puxado.

Poema El toro de lidia.
João Cabral de Melo e Neto (1962)



4 comentários:

  1. Eu adoro a foto e o texto está lindo. A foto então...é telúrica.

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  2. Bonito o poema.

    Bj.
    C(EN)

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  3. João Cabral de Melo e Neto, um dos meus poetas preferidos e um dos mais brilhantes que conheço.
    Que saudades que eu tinha de cá vir...
    Um beijão Passiflora!

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  4. Durante dias estranhei a ausência de comentários. Este é dos mais belos textos de João Cabral de Melo Neto e um enorme texto do universo da língua portuguesa. Este texto mastiga-se cada palavra para assimilar toda a sua intensidade, vezes sem fim.
    A foto escolhida tem a intensidade, ou para lá caminha, do texto. Brilhante.
    Parabéns a quem nos permite aceder a tão elevado nível da nossa literatura.
    Obrigado

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