domingo, 17 de abril de 2011

Tentação

Eu não resistirei à tentação,
não quero que de mim possas perder-te,
que só na fonte fria da razão
renasça a minha sede de beber-te.

Eu não resistirei à tentação
de quanto adivinhei nesta amargura:
um sim que só assalta quem diz não,
um corpo que entrevi na selva escura.

Resistirei a te chamar paixão,
a te perder nos versos, nas palavras:
mas não resistirei à tentação
de te dizer que o céu é o que rasa

a luz que nos teus olhos eu perdi
e que na terra toda não mais vi.

Luis Filipe Castro Mendes, in "Os Amantes Obscuros"

5 comentários:

  1. Passou mais de um mês e a ausência física não conseguiu superar esta sensação de que estás aqui.

    Este poema de Ana Luisa Amaral, dedicado ao seu pai, parece-me dizer tudo acrca do que é a perda mas também a relação... a presença...

    "Na noite em que a lua foi pisada pela primeira vez,
    ainda a preto e branco a sua imagem,
    escafandros brancos, o reflexo do sol nas lentes baças,
    a escada que descia, o pó sem gravidade que a bota levantou,
    tão branco e mágico,
    nessa magia de duas da manhã, hora local, daqui,
    estavas comigo.

    Comemos sopa às quatro da manhã,
    e eu vejo ainda aquela sala, a mesa lá ao fundo,
    o sofá grande, e eu de onze anos a sentir-me grande,
    porque assim me fazias e falavas.
    A lua a ser pisada: humana condição
    pela primeira vez.

    No dia em que as ciências em exame mais longo se faziam,
    eu sem saber o grau das equações, que incógnitas havia
    a resolver, era Verão e o sol do lado esquerdo,
    à esquerda da imagem tripartida à minha frente,
    teimando-me a ignorância,
    nessa angústia menor de três da tarde,
    sabia-te sentado atrás de mim, na carteira de trás,
    à espera, atravessado de nervos e ternura.
    Passei. E eu vejo ainda o teu sorriso,
    o pó sem gravidade no olhar, e eu, quinze anos
    a sentir-me grande, porque assim me parecia.
    Uma galáxia à solta pelo corpo e o calor do sol
    tão transparente.

    No dia em que o meu corpo se atravessou de nova dor,
    quase rasgado a meio, a luz do sol entrando
    pela janela antiga, os tectos altos, brancos,
    batas como escafandros,
    nesse dia tão longo em que o sol caminhou até ao fim,
    para do fim nascer, estiveste sempre lá.

    Vejo-te ainda encostado à ombreira dessa porta alta,
    a voz dos escafandros tentando sossegar-te,
    e tu, a soluçar baixinho, retalhado entre amor
    e alegria.

    Na noite em que a lua te deixou,
    em que deixaste de sentir a sua luz, o mais trémulo toque,
    tudo o que assim nos faz: frágil, imensa, humana condição,
    na noite dos fantasmas e escafandros cinzentos,
    eu não estava contigo.

    A que sabia a sopa que comemos?
    Que escada de Jacob?”

    Ana Luísa Amaral, Entre dois rios e outras noites, Campo das Letras, 2007

    ResponderEliminar
  2. Presença

    É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas
    teu perfil exacto e que, apenas , levemente,o vento
    das horas ponha um trêmito em teus cabelos...
    É preciso que a tua ausência resvale
    sutilmente , no ar,machucado,
    as folhas de alecrim desde há muito guardadas
    não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
    Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
    e respirar.te, azul e luminoso, no ar.
    É preciso a saudade para eu sentir
    como sinto- em mim- a presença misteriosa da vida
    Mas quando surges és tão outra e múltipla imprevista
    que nunca te pareces com o teu retrato...
    E eu tenho de fechar os meus olhos para te ver

    Mário Quintana


    E eu aqui nesta minha saudade ...
    espero que as horas e os dias passem depressa
    para te voltar a mimar meu doce tesouro azul.

    Tenho nome de Flor

    ResponderEliminar
  3. Esta Magnólia é um belo poema :-)

    ResponderEliminar