quarta-feira, 30 de abril de 2008

XIX



(...)
Regresso, pois, à primeira linha,
à verdade que remexe entre as minhas mãos.
Talvez os olhos
estivessem apenas desatentos sobre o livro;
talvez as histórias
se repitam mesmo,
como as tardes passadas no terraço,
longe
de casa.
Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém.

(...)


(À Ana XIX, porque tenho boa memória e boas memórias)

Perto de ti



Se eu para ti sou uma estranha
Que o coração perdeu
É ao ver-te que eu pergunto:
Se já foste como eu?

terça-feira, 29 de abril de 2008

Oferta de "TERNURA" entre Passiflora e Beijaflor


«Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o
olhar extático da aurora.»

Vinícius de Moraes

Xadrez Baralhado




Hoje decidi...
Quero ensinar-vos a jogar xadrez.
Não volto atrás na minha decisão.
Vejamos, então:

Lançamos um dardo ao tétrico planeta
E acertamos numa ponta do hemisfério
Está escolhido o Reino da nossa historieta
O espaço ideal para um jogo tão sério

Encaminhamos-nos para o ermo castelo
Onde não vivem gigantes nem anões
Apenas um monarca, El-Rei Dom Carmelo
Dono de cabeleira farta e de bravos brazões

Ocupando o trono direito desta Nação
Jaz, mui bela, a Rainha Dona Serafina
Dama de ouros, coração de puro latão
Que nada mais faz do que pentear a crina

Da torre mais alta desta fortaleza
Sobressaem, ameaçadores, três altivos canhões
Que protegem a loucura com braveza
E enfeitam as cidades com trovões

Na real estrebaria preparam-se as montadas
São cavalos bem treinados para o combate
Á direito, Sansão, o garanhão das mil pegadas
à esquerda, Ísis, uma especialista no cheque-mate

Na abadia, no ermo vale deste povoado
Vive o Bispo, rodeado de irmãs e abades
Cobra o dízimo do pobre de pé rapado
E passa o improvável serão com Sua Majestade

Lá fora, perto da urze, junto da terra,
Estão, dolentes, os peões de brega batida
Cansados de tanto luto e de tanta guerra
E já sem qualquer poder de investida

De repente, sem avisar, entro eu no jogo,
E ali baralho as peças, misturo as cores,
Deito água salgada e benta sobre o fogo,
E nos parapeitos das torres planto flores

Monto os peões nos cavalos (e solto-os ao vento)
Separo o rei da rainha (e despenteio-a toda)
E coloco o bispo na torre (fechado a sete chaves)

Por fim, apago o branco-negro do teclado do xadrez
E varro os excessos e as tristezas da nossa tez

No fundo, jogo jogado,
Mundo trocado...


Sonho ao fim de uma tarde


Acabei de acordar porque estou doente, e não dormi de noite, nem tão pouco de manhã.
Certamente preocupada, com o facto de nada ter escrito hoje no blogue, acordei a sonhar este diálogo (absurdo?) entre um homem e uma mulher:


Mulher: Eu escolho-te a ti. A mulher (possivelmente queria dizer: a que existe em mim) escolhe Deus!

Homem: E Eu?

Mulher: Tu escolhes-te sempre a ti...
Desculpem mas o diálogo teve tanta força que me acordou,
por isso o deixo aqui.

O outro Gui


Perguntei a um sábio,
a diferença que havia
entre amor e amizade,
ele me disse essa verdade...

O Amor é mais sensível,
a Amizade mais segura.
O Amor nos dá asas,
a Amizade o chão.

No Amor há mais carinho,
na Amizade compreensão.
O Amor é plantado
e com carinho cultivado,
a Amizade vem faceira,
e com troca de alegria e tristeza,
torna-se uma grande e querida companheira.

Mas quando o Amor é sincero
ele vem com um grande amigo,
e quando a Amizade é concreta,
ela é cheia de amor e carinho.

Quando se tem um amigo
ou uma grande paixão,
ambos sentimentos coexistem
dentro do seu coração.



Parece singelo mas foi ele, o mestre William, que o escreveu.

Ele que nasceu e morreu no mesmo dia - 23 de Abril.
É de mestre esta pontaria.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Sem Tema


Meu coração é um portico partido
Dando excessivamente sobre o mar.
Vejo em minha alma as velas vãs passar
E cada vela passa num sentido.

Um soslaio de sombras e ruido
Na transparente solidão do ar
Evoca estrellas sobre a noite estar
Em affastados ceus o portico ido...

E em palmares de Antilhas entrevistas
Atravez de, com mãos eis apartados
Os sonhos, cortinados de amethystas,
Imperfeito o sabor compensando
O grande espaço entre os tropheus alçados
Ao centro do triumpho em ruído e bando...


(Extraído de poemas esotéricos de Fernando Pessoa,
no original de 12.02.1915, e que estava na posse de João Gaspar Simões)

In "Mensagem - Poemas Esotéricos" numa edição critica coordenada por
José Augusto Seabra, da Fundação Eng. A. Almeida)

domingo, 27 de abril de 2008

A CRÍTICA




Tenho um livro que leio frequentemente cujo nome é "O Futuro Está Aberto", que no essencial se resume a uma conversa, que se chama o diálogo de Altenberg e cujos protagonistas são Karl R. Popper e Konrad Lorenz, moderados por um grande jornalista vienenese da época, Franz Kreuzer.


Além desta conversa, este livro contém os textos de um simpósio sobre Popper, ocorrrido em 24 a 26 de Maio de 1983, em Viena, com os seguintes temas:

1º dia -Ciência e hipótese.
2º dia- Os três mundos.
3º dia- A Sociedade Aberta.

Deste livro, eu vou deixar aqui hoje dois pequenos apontamentos sobre a crítica, o que ela deve ser e a importância da mesma no desenvolvimento da cultura humana.


Lorenz:...A linguagem continua a ser algo de natural. Muitos pensadores eminentes agarram-se ainda à convicção de que deve haver algo de inexplicado e ipso facto de extranatural. Nessa medida sou um monista, se quiseres. Apesar de reconhcer a minha não compreensão do problema do corpo-espírito. A ideia, porém, de que tudo o que o meu pobre cérebro não entende se deve encontrar fora da natureza, como por exemplo lês subcutaneamente no Mistério Inexplicado de Erwin Chargaff, não a posso partilhar.


Popper: Eis-nos de volta a um tema importante, o da importância da crítica. Através da linguagem, tornamos as teorias criticáveis. E é isso que é colossal. Tens toda a razão, estou inteiramente de acordo contigo, de que existem dois grandes períodos na evolução: A vida e o homem. E o homem - o homem é sobretudo linguagem. O que é que torna possível a evolução cultural? A crítica. A língua torna possível a crítica, e através da crítica desenvolvemos depois a cultura.


Lorenz: Com a linguagem surgiu uma comunidade, uma comunidade que jamais existira antes, do saber e, logo, do querer.


Popper: Enquanto não retirámos as nossas teorias de nós próprios, estávamos identificados com elas, e por consequência não as podíamos criticar. O galo não é capaz de distinguir o seu Eu das suas expectações, das suas teorias.


Lorenz: O galo destrói todo aquele que o queira criticar - e nós não o fazemos.


Popper: O galo não sabe criticar as suas teorias. Nós podemos falar, por exemplo, sobre se somos egoístas ou não. (...) Aliás, acrescentei a esses três estádios...um quarto, ou seja a função argumentativa da linguagem. Podemos discutir se uma frase é verdadeira ou não....


Já na parte que no referido livro que diz respeito ao Simpósio é colcocada por Wallner a Popper uma questão.


Wallner: Havia ainda uma outra questão a pôr, mas não sei se quer tratá-la agora. Uma das críticas que ocasionamente se ouvem face aos seus princípios metafísicos é a de que estes se orientam segundo o chamado senso comum, o que seria pois uma fundamentação biológica.


Popper: Nada a fazer! (risos na assistência) Eu sou pela liberdade de pensamento. Cada um deve dizer o que considera útil. E a crítica não deve consisitir em observações de carácter geral como, por exemplo: trata-se de um ordem de ideias biológica ou não-sei-que-mais; antes deve ser concreta, e dizer: porque é que isso não é aceitável? Mas esta crítica concreta é muito rara. Normalmente deparamos com críticas deste tipo: isto é dogmático. De que serve isso? apenas podemos responder: por favor, meu amigo, critique! E então ele responde: já critiquei, já afirmei que era dogmático. Mas isto não é crítica. A crítica deve tentar mostrar a razão por que uma teoria ou uma opinião não é aceitável, isto é, não é aceitável o seu conteúdo. Dogmático é o indivíduo que não aprofunda essa crítica em detalhe. De um modo geral, as críticas que ouvimos são totalmente desinteressantes. É aflitivo. Uma crítica interessante é sempre extremamente louvável.

Fogo do Olimpo


Noticia o "Público" de hoje o seguinte:

O presidente do Comité Olímpico de Portugal classifica como"oportunistas" os que defendem um boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, devido às questões do Tibete e dos direitos humanos na China, considerando que uma decisão dessas não beneficiaria o povo chinês.

"Um boicote aos Jogos vai prejudicar naturalmente a República Popular da China, mas vai também prejudicar o povo chinês, já que o país fecha-se ainda mais e a população não terá oportunidade de conviver com outras realidades, nem de verificar que a realidade que lhe dizem não é exactamente igual à que se vive fora das suas fronteiras", disse Vicente Moura.
******************
Um leitor que dá pelo nome de Romeu, do Porto, deixou escrito, em comentário à notícia, isto:
******************
"Em 1936 o Comité Olímpico, demonstrando um total desprezo ou autismo relativo à realidade circundante, não cancelou os jogos em Berlim.
Igualmente alguns falaram em boicotar mas nenhum avançou pois era crença de que os jogos trariam maior abertura ao regime de Hitler...
Pois não só não trouxeram, apenas criaram uma fachada durante os jogos, como fortaleceram a legitimidade do regime Nazi o que acabaria por culminar na II Guerra Mundial, como é sabido então.
"Aqueles que não conhecem ou ignoram a História estão condenados a repeti-la".
Vamos cair no mesmo erro novamente? Isto é uma OPORTUNIDADE de corrigirmos, embora parcial e tardiamente, erros do passado.
Não é só o Tibete que está em causa é todo um regime chinês, é Tiananmen... O Tibete é mais a gota de água que fez transbordar o copo".
********************
Hoje sou Romeu.

sábado, 26 de abril de 2008

Deslumbrantes e tremendos como o sol


«Deslumbrante e tremendo quão velozmente me mataria o amanhecer,
Se eu não pudesse, agora e sempre, oferecer ao mundo o amanhecer de mim.

Nós também nos elevamos deslumbrantes e tremendos como o sol,
Descobrimos o nosso próprio Ser, ó alma minha, no meio da calma e da
frescura do dia que vem.

A minha voz persegue o que os meus olhos não alcançam,
Com a minha língua rodeio mundos e mundos.

O meu discurso é gémeo da minha visão, incapaz de se medir a si próprio,
Provoca-me sempre, e sarcasticamente diz:
Walt, se conténs tanto, porque é que então não lhe dás saída?

Vem agora que não me deixarei atormentar, tu acreditas demasiado na
articulação,
Não sabes, ó discurso como se juntam os rebentos debaixo de ti?

Aguardando na penumbra, protegido pela geada,
O húmus cede aos meus gritos proféticos,
Eu fundamento as causas e equilibro-as por fim,
O meu saber são as minhas partes vivas, ele está em harmonia com o sentido
de todas as coisas,
A felicidade (que todos aqueles que me ouvem, homens e mulheres, vão hoje
mesmo procurá-la).

Recuso-me a revelar e meu mérito supremo, recuso-me a extrair de mim o
que realmente sou,
Rodeia os mundos, mas nunca tentes rodear-me,
Reclamo o melhor de ti, o mais delicado, olhando-te simplesmente.

Escrever e falar não me põem à prova,
No rosto levo a prova decisiva e tudo o resto,
Com um simples murmúrio dos meus lábios desconcerto em absoluto todos
os cépticos.»

Walt Whitman "Canto de Mim Mesmo", Canto xxv


Guernica




Hoje foi o dia do breu em Guernica.
Componham este puzzle e reencontrem o Pablo.

Tudo sobre a minha mãe



No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.
Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me?
-Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;
Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;
Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...
Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.

E deixo as rosas.
Boa noite.
Eu vou com as aves.

(Eugénio de Andrade, Os Amantes sem Dinheiro)

Em tempo:
Salvé as tuas 68 luas e verões, mais do que primaveras.
Estou aqui...

sexta-feira, 25 de abril de 2008

25 de Abril Sempre!!!!!!!!


Sentei-me no jardim, na terra aquecida pelo solarengo dia que se vivia.
Estava no meio das flores e do chilrear dos pássaros.
Gentilmente toquei as ásperas pedras quentes que estavam a meu lado.
Olhos do mundo.
Perto delas estava um cravo
Fraco e débil
Saudoso do lar
Uma qualquer espingarda de Abril
Uma qualquer arma da revolução...
A Liberdade
O espírito perdeu-se
ou Evoluiu
o cravo vermelho foi esquecido
Mas naquele dia e nos outros eu era livre
Mesmo se nem sempre o valorizei.
Contudo
o cravo de Portugal
ou Portugal num cravo
jaziam no chão...
Propósitos perdidos
Ideais corrompidos.
A Liberdade não era a mesma
Coisas que não deviam ser esquecidas estavam perdidas.
Olhei o Céu e as Árvores e pedi conselhos.
Então num virar da ampulheta
Olhei à minha volta e vi cravos vermelhos
Até onde o olhar alcançava
E quem sabe mais além.
A Liberdade de Abril
do Abril da Liberdade
subsistia.
Estava de novo viva.
Empunhada pelos jovens.
Então peguei na mais bela das pedras que estava ao meu lado
E tentei vergá-la mas não fui capaz.
Era Portuguesa e livre.
Tal como eu
Tal como nós.

25 de Abril Sempre!!!!!!!!
Escrito Pelo Maracujá I.

PAZ


G, PM, EN, FS, D, R, E, PP (...), que nunca caiam as pontes entre nós, ok?

Irmandade (gota a gota)


Sou homem:
duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.


(Octavio Paz)

Neste dia vinte e cinco, vejo corpos pelo chão, desamores e mal-entendidos na minha magnólia - no fundo, estamos todos, os anónimos e os outros, a precisar um pouco de pitadas de vento norte e de estrelas vadias e errantes que só podem transportar mensagens de paz e concórdia.

Sou o dito "ingénuo", já sabem...

O Tempo e o Vento



Vento de Abril: Porque nos atormentas cinzento e velho tempo?
Porque nos escondes com a escuridão? Porque nos amordaças a boca e o pensamento?

Tempo Velho: Não te conheço. Não falo com desconhecidos. O vento que eu fui já morreu. O tempo não tem medo, cor, dança ou poesia…

Vento de Abril: Deixa-te embalar suavemente na minha agitação primaveril e vais ver que o meu vento vai fazer de ti um tempo novo.

Tempo Velho: Não. Não quero perder-me de mim mesmo. Nem estar décadas à procura, à espera do que serás.

Vento de Abril. Não sabes o que dizes. Serei sempre novo. Os deuses estão comigo. As flores desabrocharam. Os homens ensaiam canções. A poesia está a sair a rua.

Tempo Velho: Não conheces os homens, nem o seu vazio. Não conheces o povo inculto. Nem o poder ambicioso, conspirativo e sem escrúpulos.

Vento de Abril: Com tempo resolverei essas contingências. Agora, Lisboa já cheira a cravos e laranjas maduras. A esperança voa nas asas das gaivotas. As marés rebentam as lágrimas dos exilados. As flores já cantam a liberdade.

Tempo Velho: Já oiço o povo em algazarra. Aproxima-se o teu tempo. Neste momento deixaste de ser Vento e passaste a ser o Tempo Novo.

Tempo Novo: Retira-te.

Tempo Velho: Assim seja. Um dia falaremos sobre a tragédia da incompetência cultural... Eu sei que nada será como foi. Mas nada será como sonhas.

Tempo Novo: Velhos do Restelo!!! Caminharei com a força da Rua e a sabedoria dos Filósofos.

Poema Vinte e Cinco (ode a uma gaivota operária)



Senhores Barões da terra
Preparai vossa mortalha
Porque desfrutais da terra
E a terra é de quem trabalha
Bem como os frutos que encerra[…]

O café vos deu o ouro
Com que encheis vosso tesouro
A cana vos deu a prata
Que reluz em vosso armário
O cacau vos deu o cobre
Que atirais no chão do pobre
O algodão vos deu o chumbo
Com que matais o operário

Em toda parte, nos campos
Junta-se a nossa outra voz
Escutai, Senhor dos campos
Nós já não somos mais sós.

Queremos bonança e paz
Para cuidar da lavoura
Ceifar o capim que dá
Colher o milho que doura,
Queremos que a terra possa
Ser tão nossa quanto vossa
Porque a terra não tem dono

Senhores Donos da Terra
Queremos plantar no outono
Para ter na primavera
Amor em vez de abandono
Fartura em vez de miséria


(Vinicius de Moraes)


quinta-feira, 24 de abril de 2008

A Voz do Mar



Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades.

Sophia Exílio.

Chamo-te


Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só de Teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que não quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o Teu reino antes do tempo venha
E se derrame sobre a Terra
Em Primavera feroz precipitado.



(Sophia)

Liberdade


Estamos à espera.
Expectantes. Em correria...
Não esqueceremos o dia de amanhã...
Essa manhã clara, como disse Sophia...

Até Já (de dia ou de noite)




Nós ignoramos, sem religião,
Ao rasgarmos caminho, a fé perdida,
Se te vemos ao fim desta avenida
Ou essa horrível aniquilação!...

Cesário Verde

Galeria. Retrato n.º 3. Carlinho, Besouro.





Nasceu quieto.
Branco.
Calado.
Olhos sem luz.
Tudo presságios.
Maus.
Outros, seus pares, aprendiam a escrever, a contar e a ler.
Ele rimava besouros com garrafas.
Flores com campos.
Meninas com sorrisos.
Os outros aprendiam Equações Matemáticas, Geografia, Biologia.
Ele metia besouros nas garrafas.
Amava os campos.
Sabia as flores que atraíam os besouros.
Contava os besouros no fim da jornada.
E histórias épicas sobre a apanha dos besouros.
De largo sorriso, oferecia os besouros e as flores às preferidas do seu coração.
Foi muitas vezes escondido pelos pais, nos dias festivos.
Não viu nenhum irmão casar-se, ou baptizar-se.
Nesses dias, deambulava sozinho e com fome.
Comia flores, engarrafava besouros.
Bebia a água das fontes.
Um dia, já homem foi trabalhar.
Nas obras.
Passou um besouro.
Foi atrás dele.
A prancha não era o campo.
A planura ficava lá muito em baixo.
Esqueceu-se das alturas.
Voou por ali abaixo feito besouro.
Acabou no fundo do andaime.
A cara esborrachada na garrafa.
E os besouros aflitos, a rodá-lo...

Diálogo de olhares



Estás bem aí em cima, Laura?
Está descansado - nunca estive tão bem, Tomás!

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Arrepiante

Meu Deus...e há quem ria.
Aliás o título do video é, ele próprio, um insulto.
Pobres crianças... e o animal é quem menos culpa tem em tudo.
Será que não houve consequências nefastas disto? O animal estava hipnotizado? (se é que é possível isso...perdoem não sou veterinário nem me interesso assim tanto por tais animais) mas...que isto dói, dói.
Pelo menos a mim.

Amor, sem trégua nem egoísmo.





«- Caguei-me - repetiu, e desta vez desfez-se em lágrimas.
(...)
- Não digas às crianças - pediu, a olhar-me da cama com o olho que ainda via.
- Não digo a ninguém - tranquilizei-o. - Direi que está a descansar.
- Não digas à Claire.
- Não digo a ninguém. não se preocupe com isso. Podia ter acontecido a qualquer pessoa. Esqueça o assunto e descanse o mais que puder.
Corri as persanas para obscurecer o quarto, saí e fechei a porta.
(...)
Voltei em bicos de pés ao quarto onde ele dormia, ainda a respirar, ainda vivo, ainda comigo - mais um revés desencadeado por aquele homem que eu conhecera interminavelmente como meu pai. Senti-me péssimo por causa da sua heróica e vã luta para se limpar antes de eu chegar à casa de banho, e da vergonha inerente, e da desgraça que ele próprio se considerava. No entanto, agora que terminara e o meu pai dormia profundamente, pensei que não podia ter pedido nada mais para mim próprio antes de ele morrer: isto também estava certo e era assim que devia ser.
Limpamos a merda do nosso pai porque ela tem de ser limpa, mas na esteira desse limpar tudo quanto nos resta para sentir é sentido como nunca antes foi. Também não era a primeira vez que compreendia isto: depois de contornarmos a repugnância, ignorarmos a náusea e mergulharmos para além dessas fobias fortificadas como tabus resta uma tremenda quantidade de vida para acarinharmos.
(...)
Agora que o trabalho estava feito, não poderia ser mais claro para mim o motivo por que isto estava certo e como devia ser. O património era, então, isso. E não porque limpar a porcaria fosse simbólico de qualquer outra coisa, porque não era; antes por não ser nada menos nem nada mais do que a realidade vivida que era.»

O mais sentido e emocionante trecho do Livro de Philip Roth "Património"

Tomás e Laura


Caía a noite no Guincho.
À hora marcada, Tomás compareceu no lugar combinado, dizendo nos Plátanos que o cinema esperava por si.
E lá serviu um vinho da Toscânia e verteu-o nos cálices de um cristal encantado guardado na memória destes incautos amantes.
Não se via vivalma nas ruas da cidadela e eles apenas tinham como companhia as mudas pedras das calçadas e dos vetustos edifícios e um vento inesquecível capaz de trazer aromas e notícias de outras paixões.
Os canais da urbe serviam de cenário idílico para este jantar, dando o tom musical para esta valsa dançada por tanto amor e com a garra insuspeita das garças coloridas que emergiam do interior deste homem e desta mulher.
Ele sentou-se à mesa, com uma delicadeza inusitada. Ela já ali tinha colocado a massa especial capaz de coroar este momento - uma massa cozinhada, em lume de eterna chama, com espinafres de um verde de hera de italianas paragens.
Laura dizia-se boa cozinheira. Como aperitivo, resolveu revelar-lhe como cozinhara aquela massa. Aos amantes, tudo se conta, até as traições.
Para os confeccionar, ela principiara por levar ao lume um tacho com bastante água temperada com sal e, quando esta levantou fervura, introduziu seis cannelloni, deixando-os cozer durante 15 minutos, não mais para não quebrarem.
Retirou os cannelloni e passou-os, com volúpia, por água fria. Escolheu, com critério e com o coração, os espinafres e lavou-os em água fria corrente, misturada com as suas lágrimas de alegria que caíam sem aviso. Cozeu-os em pouca água temperada com sal durante 10 minutos, escorreu-os no término da cozedura, espremeu-os e picou-os com todo o carinho do mundo.
Após derreteu poucas lágrimas de margarina e polvilhou outro tanto de farinha; quando à superfície apareceu uma espuma esbranquiçada, regou com gotas de leite e deixou ferver, mexendo sempre, com toda a paciência e até engrossar. Temperou com sal, pimenta e noz moscada. Paulatinamente. Serenamente.
Já fora do lume, ela incorporou no molho a carne cozinhada e os espinafres, aí rectificando os temperos com a alma na mão.
Deitou, então, o recheio dentro de um saco pasteleiro munido de um bico e recheou os cannelloni, colocando-os lado a lado num tabuleiro untado com margarina.
Tudo isto enquanto as cotovias prosseguiam o seu encantado cântico noctívago.
Cobriu os cannelloni com um molho de tomate previamente confeccionado, polvilhou com queijo ralado e levou a forno médio durante o resto do tempo do mundo, aquele que sobrava de tanta impaciência, durante os quais se foi maquilhando com as cores do jurista pintor.
Estava chegada a hora de servir esta receita. Feita com os cheiros dos amores-perfeitos que despontavam do seu coração. E daquele mar sossegado e cúmplice que testemunhava este encontro.
Em surdina.
Sem burburinho.
Em tom de quieta maré.
Eles, já sentados na mesa feita da pedra daquela praia que os albergava, olharam-se olhos nos olhos e soltaram um beijo perfumado, envolvido na brisa desta noite.
No ar, ouviu-se o som de um violoncelo.
Beberam um outro vinho, desta vez napolitano, tinto de morrer, e começaram a tragar aquela massa feita com a paixão dos bons momentos, com o ouro das pétalas de esperança que cresciam nos doces e quentes caracóis de um e de outro.
Nessa altura, ele deu-lhe um nome. Próprio. Só dela. Soube-lhe, então, os sinais particulares, os gestos, a língua. Só de lhe olhar nas íris, só de lhe sentir o cheiro, só de lhe provar o tempero.
Como resposta, ela acariciou-lhe os cabelos e sussurrou o nome dele.
Ao acaso.
Como uma balada.
- Não me deixes deixar-te, Tomás!
E enquanto a massa ainda esfriava no prato dele, este homem disse-lhe com o pincel na voz.
- Nunca, Laura, meu amor!

terça-feira, 22 de abril de 2008

Moderato Cantabile 2


Porque o primeiro é muito bonito.

Crianças


Alguém os procura ?

Tanta gente a gemer porque não pode ter filhos (seja a gerar ou a parir), tanta gente a ressentir-se com as taxas de natalidade...adoptem....e não escolham crianças abaixo de 1 ano, brancas e saudáveis.
E não me digam nada. Eu nunca disse que queria filhos ou adoptar. Conheço gente que adoptou (incluindo um casal que adoptou 3 irmãos) e sei que muita gente espera demasiado porque a criança idealizada (branca, saudável e menor de 1 ano) não está disponivel no IKEA....hipocrisias....se querem e não podem (seja lá pelo que for) adoptem....
Eu fá-lo-ia, se quisesse muito ter filhos.

Não levem a mal.

La Passionaria, um gato e Garcia Llorca


FEDERICO GARCIA LORCA (1898 – 1936)

Em 13 de Julho de 1936 o poeta foi de Madrid para Granada, para fugir ao ambiente de agitação que aí se vivia, após diversos incidentes, entre os quais o assassínio do deputado Calvo Sotelo, chefe dos monárquicos e das forças conservadoras que pretendiam derrubar a República.
Em 18 de Julho o general Franco fez pelo rádio um apelo ao Movimento Nacional contra o governo republicano.
Nesse dia Sevilha caiu em poder do general Queipo de Llano, chefe da rebelião militar da Andaluzia, e em 20 de Julho Granada ficou dominada pelos Nacionalistas, instaurando-se um clima de terror.
Entre os presos estava Manuel Fernandez-Montesinos, marido de Concha, irmã de Federico, alcaide socialista de Granada.
Após diversos incidentes, que demonstraram que a situação era de grande perigo para a família Garcia Lorca, em 9 de Agosto Federico foi refugiar-se em casa do poeta Luis Rosales, pois dois irmãos deste eram membros importantes da Falange de Granada, pelo que ele supunha que aí estaria protegido.
Na madrugada de 16 de Agosto, Montesinos foi fuzilado no cemitério de Granada, com mais vinte e nove republicanos.
Ao sabê-lo, Garcia Lorca sentiu o desgosto da sua irmã e ficou ainda mais preocupado com a sua própria vida. Além disto o poeta já fora procurado em sua casa pelas autoridades nacionalistas que impunham o terror em Granada. Segundo Iam Gibson, na sua imprescindível biografia, Concha, a irmã do poeta, perante a ameaça das autoridades de prender o pai ou executá-lo de imediato, revelou o lugar onde Federico se escondera, supondo-o defendido por estar em casa da família Rosales.
Federico foi então preso pelos Franquistas, na tarde de 16 de Agosto, e fuzilado na madrugada de 18 seguinte, num campo (a seu pedido: “levem-me para o meio das flores”, terá dito ele momentos antes ... ) dos arredores de Granada.
O seu corpo nunca foi encontrado.
LA CASADA INFIEL
Por Federico García Lorca
Y yo que me la lleve al río
creyendo que era mozuela,
pero tenía marido.
Fue la noche de Santiago
y casi por compromiso.
Se apagaron los faroles
y se encendieron los grillos.
En las últimas esquinas
toque sus pechos dormidos,
y se me abrieron de pronto
como ramos de jacintos.
El almidón de su enagua
me sonaba en el oído
como una pieza de seda
rasgada por diez cuchillos.
Sin luz de plata en sus copas
los árboles han crecido
y un horizonte de perros
ladra muy lejos del río.
*
Pasadas las zarzamoras,
los juncos y los espinos,
bajo su mata de pelo
hice un hoyo sobre el limo.
Yo me quité la corbata.
Ella se quito el vestido.
Yo, el cinturón con revólver.
Ella, sus cuatro corpiños.
Ni nardos ni caracolas
tienen el cutis tan fino,
ni los cristales con luna
relumbran con ese brillo.
Sus muslos se me escapaban
como peces sorprendidos,
la mitad llenos de lumbre,
la mitad llenos de frío.
Aquella noche corrí
el mejor de los caminos,
montado en potra de nácar
sin bridas y sin estribos.
No quiero decir, por hombre,
las cosas que ella me dijo.
La luz del entendimiento
me hace ser muy comedido.
Sucia de besos y arena,
yo me la llevé del río.
Con el aire se batían
las espadas de los lirios.
*
Me porté como quien soy.
Como un gitano legítimo.
Le regalé un costurero
grande, de raso pajizo,
y no quise enamorarme
porque teniendo marido
me dijo que era mozuela
cuando la llevaba al río.

In CANCIONERO GITANO

À Guida, passionaria do samba, mulher de corpo e alma inteira, pelos nossos encontros e intermitências (e pela saudade do seu gato Garcia Llorca que lhe acomodou a solidão)


Bela, Frágil e Perigosa.



O planeta azul.
Um ponto azul no Espaço.
(lembrando Carl Sagan).

"Por um instante, a terra dá a noção de como somos insignificantes, frágeis e felizes por termos um lugar que nos permite aproveitar o céu, as árvores e a água".
Jim Lovell, tripulante da Apolo, 8, em 1968.



Na borda da caldeira, no parque natural de Yellowstone.
Yellowstone é o maior vulcão activo do mundo.
Este super vulcão com uma caldeira constituída por quase todo o parque (9000 quilómetros quadrados) tem uma erupçãp gigantesca em cada 600 mil anos, a última foi há 630 mil anos...




Nós não herdamos a terra dos nossos antepassados, pedimos emprestada aos nossos filhos.
Provérbio Índio.

Celebremos hoje a terra.
Hoje é o dia da sua celebração mundial.

Ma plus belle histoire de amour c'est vous...


Du plus loin, que me revienne,
L'ombre de mes amours anciennes,
Du plus loin, du premier rendez-vous,
Du temps des premières peines,
Lors, j'avais quinze ans, à peine,
Cœur tout blanc, et griffes aux genoux,
Que ce furent, j'étais précoce,
De tendres amours de gosse,
Ou les morsures d'un amour fou,
Du plus loin qu'il m'en souvienne,
Si depuis, j'ai dit "je t'aime",
Ma plus belle histoire d'amour, c'est vous...

C'est vrai, je ne fus pas sage,
Et j'ai tourné bien des pages,
Sans les lire, blanches, et puis rien dessus,
C'est vrai, je ne fus pas sage,
Et mes guerriers de passage,
A peine vus, déjà disparus,
Mais à travers leur visage,
C'était déjà votre image,
C'était vous déjà et le cœur nu,
Je refaisais mes bagages,
Et poursuivais mon mirage,
Ma plus belle histoire d'amour, c'est vous...

Sur la longue route,
Qui menait vers vous,
Sur la longue route,
J'allais le cœur fou,
Le vent de décembre,
Me gelait au cou,
Qu'importait décembre,
Si c'était pour vous,
Elle fut longue la route,
Mais je l'ai faite, la route,
Celle-là, qui menait jusqu'à vous,
Et je ne suis pas parjure,
Si ce soir, je vous jure,
Que, pour vous, je l'eus faite à genoux,
Il en eut fallu bien d'autres,
Que quelques mauvais apôtres,
Que l'hiver ou la neige à mon cou,
Pour que je perde patience,
Et j'ai calmé ma violence,
Ma plus belle histoire d'amour, c'est vous...

Les temps d'hiver et d'automne,
De nuit, de jour, et personne,
Vous n'étiez jamais au rendez-vous,
Et de vous, perdant courage,
Soudain, me prenait la rage,
Mon Dieu, que j'avais besoin de vous,
Que le Diable vous emporte,
D'autres m'ont ouvert leur porte,
Heureuse, je m'en allais loin de vous,
Oui, je vous fus infidèle,
Mais vous revenais quand même,
Ma plus belle histoire d'amour, c'est vous...

J'ai pleuré mes larmes,
Mais qu'il me fut doux,
Oh, qu'il me fut doux,
Ce premier sourire de vous,
Et pour une larme,
Qui venait de vous,
J'ai pleuré d'amour,
Vous souvenez-vous ?
Ce fut, un soir, en septembre,
Vous étiez venus m'attendre,
Ici même, vous en souvenez-vous ?
A vous regarder sourire,
A vous aimer, sans rien dire,
C'est là que j'ai compris, tout à coup,
J'avais fini mon voyage,
Et j'ai posé mes bagages,
Vous étiez venus au rendez-vous,
Qu'importe ce qu'on peut en dire,
Je tenais à vous le dire,
Ce soir je vous remercie de vous,
Qu'importe ce qu'on peut en dire,
Je suis venue pour vous dire,
Ma plus belle histoire d'amour, c'est vous

(Barbara)

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Um sol em forma de criança







Desculpem por não ser um "Menino do Bairro Negro" na voz original.
Mas não encontrei. Esta voz profunda pareceu-me bem.



O Melhor do Mundo são as Crianças.

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre,
bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor,
quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

Pela voz de um anjo


A bala certeira parte de uma voz de cristal.
Para nos atingir em pleno e nunca mais de nós sair...
Sangra. E não sara.
É bonito demais.
Mesmo.



domingo, 20 de abril de 2008

Na linguagem dos rituais




Excessos, ritos e assinaturas.
Aqui fica a minha assinatura.
Pelo meio fica o nome próprio Maria, e a inquietação e a Dor.
O Onze sabe do que falo. Nem a água faltou.

Clave



Canto-te uma nova canção em ,
balada que não aprendi em sol,
trazida por alguém do lado de ,
que me viu chegar de marcha à ,
e que nem sequer deu sinal de si:
foi nessa altura que sentiste de mim !

À P.S.F., pelos nossos excessos

Jogo a dois (moderato cantabile)


Eu, sabendo que te amo,
E como as coisas do amor são difíceis,
Preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez uma hipótese
de entendimento.É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.

(Nuno Júdice)
Post Scriptum:
“Uma pessoa é um mistério, duas, com um abismo pelo meio, uma prodigiosa contradição.(…) Afinal, não sabemos como procurar, nem onde encontrar, nem, afinal, sabemos o que procurar. Somos assim, tão perdidos, que nos agarramos sem sequer poder tocar.(…)”
(Pedro Paixão)

Não partas nunca mais



E partiu...
Sem me dizer o nome,
Levando-me o perfume
De tantas noites mais...

sábado, 19 de abril de 2008

As "caneleiras" do meu jardim - definição do seu aroma







Envio-vos fotos das árvores mais aromáticas do meu jardim.
Num dia de sol quente, o seu aroma é capaz de incendiar a virgem mais contida e assumida deste planeta.
Como, por razões óbvias, não posso mandar-vos o aroma, aqui fica a sua definição no feminino e no masculino.



Definição feminina

Imaginem o aroma de um limão meio maduro meio verde, com casca fina e rija. Mistura-se um pouco de aroma de pau de canela trazida do oriente pelas primeiras naus portuguesas. Estando a mistura neste ponto, junta-se um pouco de sal e essência de homem quando a mulher o deseja. Deixa-se ficar tomando o sol de uma tarde de fim de primavera, quando se instala a solidão. E quando você desejar meter o nariz no meio das flores, o perfume acontece.

Definição masculina

Imaginem o aroma de uma laranja verde com casca luzidia, tão fina, como a pele de uma mulher jovem. Misture o aroma de umas quantas bagas de vinha virgem, um pouco de gelo e três gotas de Moscatel do Douro Superior. Quando tiver imaginado este aroma, junta-se um pouco do aroma de mel de urze selvagem. Deixa-se ficar tomando o calor tórrido do primeiro beijo entre um homem e uma mulher apaixonados. Quando você desejar comer essas flores, o perfume está lá.

A janela


Dois homens, ambos gravemente doentes, estavam no mesmo quarto de hospital.
Um deles podia-se sentar na sua cama durante uma hora, todas as tardes, para que os fluídos circulassem nos seus pulmões.
A sua cama estava junto da única janela do quarto.
O outro homem tinha que ficar sempre deitado de costas.

Os homens conversavam horas e horas. Falavam das suas mulheres, famílias, das suas casas, dos seus empregos...

E todas as tardes, quando o homem da cama perto da janela se sentava, passava o tempo a descrever ao seu companheiro de quarto todas as coisas que conseguia ver do lado de fora da janela.

O homem da cama do lado começou a viver à espera desses períodos de uma hora, em que o seu mundo era alargado e animado por toda a actividade e cor do mundo do lado de fora da janela.
Ouviu dizer que a janela dava para um parque com um lindo lago. Patos e cisnes chapinhavam na água enquanto as crianças brincavam com os seus barquinhos. Jovens namorados caminhavam de braços dados por entre as flores de todas as cores do arco-íris.

Árvores velhas e enormes acariciavam a paisagem e uma ténue vista da silhueta da cidade podia ser vislumbrada no horizonte.
Enquanto o homem da cama perto da janela descrevia isto tudo com extraordinário pormenor, o homem no outro lado do quarto fechava os seus olhos e imaginava as pitorescas cenas.
Um dia, o homem perto da janela descreveu um desfile que ia passar: embora o outro homem não conseguisse ouvir a banda, conseguia vê-la e ouvi-la na sua mente, enquanto o outro a retratava através de palavras bastante descritivas...
Dias e semanas passaram.

Uma manhã, a enfermeira chegou ao quarto trazendo água para os seus banhos, e encontrou o corpo sem vida do homem perto da janela que tinha falecido, calmamente, enquanto dormia.

Logo que lhe pareceu apropriado, o outro homem perguntou se podia ser colocado na cama perto da janela. A enfermeira disse logo que sim e fez a troca.
Depois de se certificar de que o homem estava bem instalado, a enfermeira deixou o quarto.

Lentamente, e cheio de dores, o homem ergueu-se, apoiado no cotovelo, para contemplar o mundo lá fora. Fez um grande esforço e lentamente olhou para o lado de fora da janela que dava, afinal... para uma parede de tijolo!
O homem perguntou à enfermeira o que teria feito com que o seu falecido companheiro de quarto lhe tivesse descrito coisas tão maravilhosas do lado de fora da janela.

Ficou então a saber que o homem que falecera era... cego!

Um farol chamado Armando

Hoje rumei à urbe do Tejo.
Para homenagear um homem ímpar.
Que mostra obra. Depois de um marasmo completo em que foi encontrar esta sua fábrica.
Fui lá - e já regressei ao Mondego - para dizer "presente" a um homem especial que me ensinou a falar em nome dos que não têm voz.
Foi ele que me serviu de farol há 20 anos num limoeiro encantado.
Foi ele que me serviu de âncora há 10 anos quando para lá voltei, sem remorsos, noutras vestes, noutras cores...
Para ele, a luz que de mim brota... e que Portugal, pequeno condado de intrigas palacianas, o mereça!

sexta-feira, 18 de abril de 2008

CARMEN



Um trecho da ópera Carmen



Eis que vos ofereço uma Habanera da Grande Callas.

Jonnas (GUI), és um provocador.
Sempre soubeste que a ópera da minha paixão é a Carmen de Georges Bizet.
Pela grande e impossível história de amor e pela tragédia que se adivinha e acontece.
Mas, também, porque os personagens são excessivos, nunca fazem as coisas pela metade.
E tanto assim é que eu enquanto membro do 11, escolhi exactamente o nome de baptismo de Carmen.

Deixa-me partir




Mãe, eu quero ir-me embora
– a vida não é nada daquilo que disseste quando os meus seios começaram a crescer.
O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram
– se é que me deram flores, já não tenho a certeza,
mas tu deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora
– os meus sonhos estão cheios de pedras e de terra;
e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais que a escuridão por cima.
Ainda por cima, matei todos os sonhos que tiveste para mim
– tenho a casa vazia, deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora
– nenhum sorriso abre caminho no meu rosto
e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha,
mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique
– as lágrimas impedem-me de caminhar
e eu tenho de ir-me embora, tu sabes,
a tinta com que escrevo é o sangue de uma ferida
que se foi encostando ao meu peito
como uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem nunca me amou
e perdi tudo, até o medo de morrer.
A esta hora as ruas estão desertas
e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse,
mas essa voz, tu sabes, não é a tua
– a última canção sobre o meu corpo já foi há muito tempo
e desde então os dias foram sempre tão compridos,
e o amor tão parco,
e a solidão tão grande,
e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã,
mas desta vez,
tu sabes,
não as verei murchar.


De "O Canto do Vento nos Ciprestes" - Maria do Rosário Pedreira

Pedras Parideiras - O tempo medido em muitos milhões de anos



O aviso. A consciência da raridade do fenómeno. A responsabilização da cidadania pelo único.



A pedra em vias da parir . A Parideira.



A parideira e as paridas ( encraves ou jogas).

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Na aldeia de Castanheira, concelho de Arouca, na serra da Freita, perto da chamada frecha da Mizarela, há pedras a parir pedra.
O povo da região chama-lhes as pedras parideiras.
Na Castanheira, a pedra-mãe, é o granito. "As jogas (ou encraves) são as pedras paridas".
Este é o mais conhecido fenómeno geológico de Arouca, fenómeno geológico raríssimo que só existirá neste local e numa região da Ucrânia.
Trata-se de um pequeno afloramento de granito com abundantes nódulos discóides e biconvexos de biotite, que se libertam da rocha-mãe por termoclastia, acumulando-se no solo.
Os nódulos, de 1 a 12 cm de diâmetro, têm a mesma composição mineralógica do granito, pois embora constituídos exteriormente apenas por biotite (mica preta), possuem um núcleo de quartzo e feldspato potássico.
Através da erosão do granito, esses nódulos de biotite afloram paulatinamente à superfície da rocha, desprendem-se e vão-se acumulando no solo.