segunda-feira, 31 de agosto de 2009

No derradeiro suspiro de Agosto



A MÃO AO ASSINAR ESTE PAPEL

A mão ao assinar este papel arrasou uma cidade;
cinco dedos soberanos lançaram a sua taxa sobre a respiração; duplicaram o globo dos mortos e reduziram a metade um país;
estes cinco reis levaram a morte a um rei.

A mão soberana chega até um ombro descaído
e as articulações dos dedos ficaram imobilizadas pelo gesso;
uma pena de ganso serviu para pôr fim à morte
que pôs fim às palavras.

A mão ao assinar o tratado fez nascer a febre,
e cresceu a fome, e todas as pragas vieram;
maior se torna a mão que estende o seu domínio
sobre o homem por ter escrito um nome.

Os cinco reis contam os mortos mas não acalmam
a ferida que está cicatrizada, nem acariciam a fronte;
há mãos que governam a piedade como outras o céu;
mas nenhuma delas tem lágrimas para derramar.

DYLAN THOMAS( tradução: Fernando Guimarães)

domingo, 30 de agosto de 2009

As palavras que nunca te direi


passagem por uma paisagem,
lugar do onde, do ontem, do quando,
quantas palavras ficaram faltando
na boca cheia de imagens.
o outro é aquele que ficou à margem,
no espanto de um pronome,
no corpo de uma brisa suave;
o outro é como uma fome
pluma à deriva, à distância, ou quase.

estranho em sua própria viagem,
garrafa com uma mensagem,
olhar durando numa flor,
sem nome, secreta, selvagem.

Desterro, água bebida num trem,
peça incompleta, festa adiada, vertigem,
a cabeça sempre em alguém,
eu outro, eu todos, ninguém.


Rodrigo Garcia Lopes
(Paraná- BR)

Por ofício



Os que têm por ofício lavar as ruas
(madrugam, Deus ajuda-os)
encontram nas pedras, um dia após outro, rastos de sangue
E também os lavam:
é o seu ofício
E depressa -
não se dê o caso de os primeiros transeuntes os espezinharem


José Manuel Arango
(versão de L.P. - original reproduzido em La poesia del siglo XX em Colombia, edição de Ramón Cote Baraibar, Visor, Madrid, 2006, p. 276).
In http://arspoetica-lp.blogspot.com/2009/06/jose-manuel-arango.html

sábado, 29 de agosto de 2009

Allo, allo, é obra prima...




Por esta altura, o realizador Quentin Tarantino dispensa já apresentações, tal o culto que foi atingindo a cada filme que escrevia e dirigia.
Por esta altura, será também fácil distinguir um filme de Tarantino dos restantes.
E este "Inglorious Basterds", ame-se ou odeie-se, é um filme de Tarantino, do princípio ao fim. Auto-indulgente, politicamente (e historicamente) incorrecto, apostado em reinventar géneros, repleto de referências cinéfilas e musicais certeiras, e de diálogos deliciosos que fazem - por si só - magia e criam conjuntamente com planos bem medidos uma tensão esmagadora no espectador.
E claro, acima de tudo, nunca se levando demasiado a sério, e lá está, nunca negando certos prazeres que noutros contextos pareceriam disparatados... e pretenciosos, mas aqui, não se sabe bem porquê, caem que nem ginjas.
Eis a magia de um filme "à Tarantino" a funcionar pela sexta vez consecutiva.
Do elenco "multinacional", repleto de algumas estrelas (que aqui têm a hipótese de mostrarem um lado mais solto), há que destacar sem dúvida o até agora desconhecido Christoph Waltz, que rouba atenções num papel de um Coronel das SS, destinado a figurar como uma das personagens mais icónicas dos últimos anos. Vem OSCAR pela certa...
"Basterds" dificilmente converterá detractores, satisfará os puristas, e quem esperava (mais) um filme de guerra convencional, mas para quem sempre esperou e desesperou por um filme sobre a 2ª Guerra Mundial que se desviasse mais do campo de batalha, para variar, este será "O" filme a ver, e a reter para o futuro.

Bravo, Sr. Tarantino. Esta pode até não ser a sua obra-prima, mas andará lá bem perto...

(André Gonçalves)


Sublinho por baixo.
O coronel Landa é de gritos - fabulosa criação de Waltz.
E que boa surpresa uma Melanie Laurent.
E tanta referência ao Cinema que amo e venero (e que ele também ama)
Icónica q. b esta fita...


O melhor: O talento inesgotável de Tarantino e as suas opções certeiras que tanto farão inveja a muito jovem realizador.

O pior: Pode ser confundido como um filme de guerra sério. E a tradução para português- uma lástima!

A rainha sueca

Foste uma das quatro filhas de Adão
Por quem os sinos dobraram,
No dia em que reservaste um quarto na pousada da sexta felicidade
Foste difamada, Joana d'Arc de um tempo sem cruzadas,
Indiscretamente,
A flor do teu cacto brilhou num Arco do Triunfo,
Sob o signo de Capricórnio
À meia luz,
Gelaste os sentidos de quem ousou amar-te com esse sorriso nórdico,
Aqueceste Casablanca, no dia em que o Stromboli vomitou lava
Misteriosa como Anastácia, tocaste sonatas de outono no teu crepúsuculo
Encantada como Helena, viajaste no Expresso do Oriente, com lugar marcado
Persistente como Golda, criaste um imério de camélias
quando, melancolicamente, choveu na Primavera
E as águias e os caranguejos decidiram acordar da sua doce letargia...
Do fundo do coração, volta depressa...
(Ingrid Bergman nasceu e morreu no mesmo dia 29 de Agosto)

Magnólias # 5 / O Pombo correio


O Pombo correio quando jovem foi carteiro, na meia idade foi atleta olímpico, quando velho inventou as mensagens de telemóvel.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A um foro com nome de menino (Opus)


Os retratos estão voltados sobre a mesa,
os risos dos catraios ainda se fazem ouvir.
A água feliz deste canto continua a inundar-me
e o pranto e a mágoa sempre aqui me trataram por "tu".
Nesta hora em que me aparto do recanto dos mais pequenos,
onde as causas se fazem grandes,
para uma outra barca de espantos e de sons (talvez) mais suaves,
fica a sensação
de trigo moído
de terra fresca
de magnólias acabadas de colher...
Se os ventos me dizem que já não sou deste mar
porque razão continuo a pensar que nada deste canto nunca me virá a ser estranho?!

Vou... com as aves!
Obrigado pelo regaço...

À Helena, à Nèlia, ao Zé Luís, ao Bernardo, à Paula, à Fernanda, à Cristina, à São, ao Mário, ao Ventura, à Ana Paula, à Maria Helena, à Ana, à Maria Miguel, à Aurora, ao Serrado, à Amélia, ao Ricardo, à D. Amélia das limpezas, aos vigilantes...
À Raquel, aos Zés Carlos e à Helena que aí vem para o meu barco,

Para que continuem a tratar dos "nossos" meninos e meninas,
porque a hora das garças é sempre a presente!

Magnólias # 4 / O Narciso

Salvador Dali: A Metamorfose de Narciso

Foi o Narciso quem inventou os espelhos.

(Salvé César, é uma resposta possível.)

Magnólias # 3 - O pombo


Quem olha, quem imagina,
São duas metades uma
Por detrás da pele fina.
Só que a pele dos espelhos
Em matéria de retina,
Despida a pessoalidade,
Enxerga o que se lhe ensina.

José Jeremias
(lido no blog Meus Poemas favoritos)

Dedico este post à Passiflora Maré que me irá corrigir o lapso zoológico...

Ainda a memória


E agora
já é ontem,
o ainda agora
cinza rapsódia
fundo soturno das
imagens encantadas.

Roubar do infinito
as palavras ditas
pretensão do sim.

Meus desejos,
ilusões deste mundo
que reza a solidão.

As letras das canções
que se separam e se
juntam,
numa insuportável,
interminável serenata
em despedida

Pode você enxergar
tudo que se foi
e ouvir?

Lembre-se daquele telhado
no subúrbio, atravessado
pelo trem da memória.

Jacob Pinheiro Goldeberg

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Memória


Não ter memória é o máximo da solidão. Possuir memórias não compartilhadas, diferentes do grupo do qual se está participando, é como estar numa ilha cercado de impressões alheias por todos os lados. Fica-se a olhar o mar, pronto para acenar ao primeiro navio que o atravesse.

José Roldão –in Memórias da infância dos outros
Roubado a um blog magnífico da minha querida Mestra Amélia dos olhos doces

Magnólias # 2 A pêga



A pêga traz a beleza nas penas e o estigma no nome.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O Vento que passa


Às vezes ouço o vento passar e, só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.
Fernando Pessoa.

Magnólias # 1 A Cuca


A Cuca é uma mãe que dá todos os filhos para adopção.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Suite et fin




Enfrentei todos os meus medos
e decifrei todos os sinais:
fumo branco, ave negra, semáforo verde.
E ali, perto do nada em que me quis tornar,
soletrei o alfabeto da chuva,
na oração mais que perfeita do meu poema inacabado,
na orla divina da frase certa, na hora errada, no momento de ouro que soube a fel.
"Suite et fin", enfim...

Em família


Chegou com a alegria desajeitada de uma camponesa
de quatro anos. Tem o olhar ríspido e coquette
da minha mãe de 75 anos aos quatro.
E quando essa mãe morreu, tentou
ser tão sensata que a sua cabeça
se inclinava enquanto dizia: «quando eu
morrer, hei-de chorar imenso, sabes.»

Não precisa de pai a não ser para as bonecas.
Como é que hei-de fazer, pergunto. «Sentares-te aqui
na cadeira, e leres o jornal,», disse ela. Brinca à vida,
uma horinha, e depois a outra coisa.
Ela ensina-me o que é a poesia: de um nevão
seguir apenas um floco. Com ela aquilo que quero
é sempre possível: que seja hoje.·



Herman de Coninck (poeta de expressão neerlandesa-1944-1997)

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Neste dia mataram Frederico Garcia Llorca


Se le vio, caminando entre fusiles
por una calle larga,
salir al campo frio,
aun con estrellas, de la madrugada.
Mataron a Federico
cuando la luz asomaba.
El peloton de verdugos
no oso mirarle a la cara.
Todos cerraron los ojos;
rezaron: ni Dios te salva!
Muerto cayo Federico
sangre en la frente y plomo en las entrañas
que fue en Granada el crimen
sabed - pobre Granada! - en su Granada!
Se les vio caminar...
Labrad, amigos,
de piedra y sueno, en el Alhambra,
un tumulo al poeta,
sobre una fuente donde llora el agua,
y eternamente diga:
el crimen fué en Granada! en su Granada!


Antonio Machado

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A bela do dia




Para a minha «irmã» I., no dia do seu natal, por ser quem é, pela empatia de uma vida inteira e pelas 3 princesas que nos deu...

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Segredo



"Vou-lhe dizer um grande segredo, meu caro. Não espere o juízo final. Ele realiza-se todos os dias."

"La Chute" - Albert Camus

Quanta bruma quente tem Agosto



Tarde turquesa
Quarenta graus
Talvez porque você não esteja
tudo lateja
Tarde sem nuvem
Cincoenta graus
Talvez por sua ausência
tudo derreta
Noite sem ninguém
Nada se mexe
Eu sonho nosso amor a sério
E você em outro hemisfério
Enquanto tudo derrete
Enquanto tudo derrete
Enquanto tudo parece
Derreter



Adriana Calcanhoto

NB- A foto foi roubada na net. Ignoro de que par e de que gente...

Pronto-a-vestir esquizofrénico


Era uma vez uma mulher que todos os dias testemunhava duas situações extremas: a alegria por um nascimento e a tristeza por uma morte. Era esse o seu truque para dar mais valor à vida. Por isso, todos os dias, vestia duas roupas diferentes.
De manhã, os vizinhos viam-na a sair de casa em elegantes tailleurs e vestidos brancos e à tarde, apenas usava roupa preta, como se carregasse um luto.
Tinha dois guarda-roupas e o seu closet estava organizado por duas cores, dois tempos, dois olhares sobre a vida.
Apesar de conhecer muitas pessoas, graças a uma vida social intensa, não teria todos os dias a alegria de visitar o bebé recém-nascido e a oportunidade de participar no triste momento do último adeus, no seu círculo familiar e de amigos.
Assim, observava a alegria e a tristeza alheias, fingindo partilhar esses sentimentos.
A visita à maternidade (tentava variar ao máximo, entre clínicas privadas e hospitais públicos, para não chamar a atenção) determinava a primeira roupa do dia.
Se a cor do luto era o preto, qual seria a do nascimento? O branco parecia-lhe a mais adequada, pelo universo promissor de tudo o que começa. E combinava tão bem com as batas das enfermeiras, o cheiro a novidade, os choros dos pulmões que trabalhavam e as fraldas por estrear.
À tarde e já vestida de preto, frequentava os cemitérios da cidade, de que guardava os rostos inconsoláveis, as árvores solitárias, as flores verdadeiras e algumas falsas tristezas. Percorria os vários anúncios em quadradinhos pretos e brancos na secção de necrologia. Escolhia um morto e apresentava-se no seu funeral como antiga colega de liceu ou prima em quarto grau.
Na maternidade fazia-se passar por tia de um bebé recém-nascido. Testemunhava alegrias e tristezas que não eram suas em dois extremos da cidade, em duas moradas separadas por muitos quilómetros de vida e com dois estados de alma opostos.
Houve um dia em que escolheu um funeral às 11 da manhã e apareceu de branco.
O erro manteve-se ao longo do dia, pois foi para a maternidade de luto.
Nesse dia, percebeu que a maternidade anuncia o começo de um fim e que o cemitério pode muito bem ser o princípio de uma nova vida.

A partir de então, decidiu vestir-se sempre de preto e branco.
Lançou uma moda logo copiada pelas amigas. Embora não soubessem explicar porquê, achavam o novo guarda-roupa dela de uma perturbante elegância.
Parecia ter alma e combinava tão bem com as contradições da vida.

MARIA JOÃO FREITAS


texto originalmente publicado na revista nós do jornal i de 1 de Agosto, a convite do seu editor Pedro Rolo Duarte

domingo, 16 de agosto de 2009

Na corrente


« J'ai un projet, devenir fou »
Charles Bukowski


e saberemos o que são as ilhas e o mar

eu sei que em breve
numa noite
em algum quarto
os meus dedos
tocarão
num suave
lindo
cabelo

músicas que nenhuma rádio
alguma vez passou

todas elas tristeza, arrastadas
pela corrente.

versão de manuel a. domingos

É Fácil e Belo





Tenho plantas,
flores,
jardim.
Tenho
fotos antigas,
fotos de hoje,
postais antigos,
relógios de bolso, etc.
Tenho livros de ontem
e de hoje
com imensa poesia
e muita prosa
mas hoje
por facilidade e comodidade
resolvi postar os nus que amei,
em homenagem ao GUI.

sábado, 15 de agosto de 2009

Rangoon não acredita em lágrimas




E não há quem a liberte - a Aung San Suu Kyi - deste jugo infernal?

Ode à treva




A paisagem não vale a pena.
Pesa dizê-lo assim tão duramente,
mas o que posso fazer contra os mascarados
que penetraram os altos muros
e agora coabitam os aposentos desolados?
Já não vale a pena a manhã.
Os embuçados chegaram em surdina
e foram destroçando todos os pilares,
todas as primaveras, as lúcidas esperanças,
vultos tão horrendos que paralisaram o dia.
A noite não significa mais nada.
As casas dormem e não significam nada.
O vento cortou-se em mil fatias de desespero.
Que dimensão canta além da treva,
a face repousada, os olhos claros?

Afonso Henriques Neto

Para o Cesar


Meu mais que tudo....amigo, irmão, camarada, companheiro. O mar é nosso.

Um abraço e um beijo.

Pronto.Volto por segundos3
















Como disse antes...nada fica feito com uma demão...





Paciência.... Até breve.

Pronto. Volto por segundos 2
















Quase nada fica feito com uma demão...

Pronto. Volto por segundos
















Não tenho plantas, flores, passarinhos, tampas de caixas de bolachas e de chocolates do seculo passado, nem videos arrebatadores. Regresso aos meus nus...sempre queridos e sempre desejáveis. E, sobretudo, bonitos. Estive em férias, regressei para trabalho e volto a ir em férias.





Respirem...vão estar algum tempo sem saber de mim o que será um alívio para a maioria. Beijos e Abraços. Gui

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

No coração das ondas