quinta-feira, 1 de abril de 2021

Diz-me a verdade a mentir



É oficial.
Só me mente quem eu quero.
Só me traz más novas quem eu escolho.
É assim que vou vogando pela casa grande da Alice, sem esperar tristeza que me vergue ou júbilo que me desassossegue.
Cá por perto, o branco coelho vigia as minhas horas e os meus famintos olhos e por aí, pelas esquinas dos caminhos, becos, ruelas, ruas e avenidas, as notícias tombam como papel pardo sob chuva oblíqua.
Leio as que quero.
Rasgo as que me magoam.
Não é sempre assim que se escolhem as epifanias?
Nem só acredito no que vejo.
Mas vejo tanto em que não queria acreditar.
E misturo os pincéis da realidade com o véu etéreo do poema em que me revejo e que insiste em não me deixar.
Dizem-me que as crianças são reis nesta peça de frémitos crescidos.
Contam-me que há magos que enlouqueceram no brilho da luz boreal que os cega.
Sussurram-me que vamos sair melhores e mais inteiros destes tempos de cólera.
Segredam-me que os bons ventos irão calar o peso das ogivas.
Gritam-me, com o mais doce dos olhares, que deixará de haver perigo nos afagos dos adultos.
*
É por isso que hoje, dizem, é o dia das mentiras.
As que se podem dizer.
Mesmo que com o melhor tom da nossa voz verdadeira.
As que cabem na palma da nossa vontade de largar tudo e voltar para a cidadela de Alice, ao encontro da flauta do louco Chapeleiro, esse que nunca deixou de viver dentro de mim.
Fujo da verdade?
Talvez.
Mas não é a verdade a mais pura das mentiras?

 

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