quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O poder do cão - pó, cinzas e ternuras

 

Cru.
Exangue.
Ensanguentado e poeirento como a vida.
Aquela de que se foge mas que nunca foge de nós.
Misturando géneros e estereotipos como o do velho cowboy «macho» ou o da saga de Abel e Caim.
Phil olha para as montanhas como se visse silhuetas de cães raivosos.
Mais ninguém os vê.
Talvez só Bronco Henry.
Que ficou para trás da sua memória e do seu corpo de varão.
Rose desafia a tempestade e casa-se com o infortúnio ao lado de um homem dócil.
E um menino rapaz a caminho da adultícia confessa o indecifrável na primeira fase que abre o filme:
«Quando meu pai faleceu, eu só queria a felicidade da minha mãe. Que tipo de homem eu seria se não ajudasse minha mãe?»
Afinal, o ataque dos cães é inevitável.
Como se a ternura que o cowboy sádico sentia pelo seu amor de ontem fosse o rastilho para a fúria dos inocentes.
(...)
Cru.
Como se fosse veludo ao nosso olhar.
A mesma realizadora de O PIANO, Jane Campion constrói uma obra gigante - cheia de lezírias e trigo loiro - que vai levar o 1º Oscar para as mãos enormes e acres de Benedict Cumberbatch (entre ele e Andrew Garfiled, mon coeur balance!).
Como se fosse em Montana.
Mas afinal é na Nova Zelândia, o país mais ao contrário do nosso. Tanto, mas tanto a lembrar um Paul Thomas Anderson, o mais dos magnólicos poetas da imagem.
Mora este filme na Netflix.
E iluminou hoje a minha noite.
Cheia de sombras e de poeira.
De suor pagão e presságios bíblicos.
Não choveram sapos.
Mas ladraram cães.
Aqueles que só Phil vê.

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