quinta-feira, 5 de abril de 2012

Passagem

“Analisemos agora a amizade. De facto, trata-se de uma certa excelência, ou algo de estreitamente ligado à excelência; além disso, é do que mais necessário há para a vida. Pois ninguém há-de querer viver sem amigos, mesmo tendo em conta os restantes bens. E até os ricos, os que têm posição e poder, têm uma necessidade extrema de amigos (…).
Contudo, uma amizade que tem como fim em vista o que cada um é em si próprio existe apenas entre homens de bem, porque os ordinários não podem sentir prazer nenhum uns com os outros, a não ser que possam obter uma qualquer vantagem. E só a amizade entre os bons é capaz de resistir à calúnia. Na verdade, não é fácil acreditar no que se diz sobre um amigo que foi posto à prova por nós próprios durante longo tempo. Na amizade entre boas pessoas há confiança mútua (…).
Agora, parece que não é possível ser-se amigo de muitas pessoas, pelo menos no sentido pleno da amizade, do mesmo modo que não é possível amar ao mesmo tempo muitas pessoas (tal parece que, na verdade seria excessivo; e o amor costuma nascer naturalmente em relação a uma única pessoa), porque não é possível agradar de modo totalmente satisfatório a muitos ao mesmo tempo, nem eventualmente até para as pessoas de bem. Por outro lado, para se criar uma amizade tem de se ter experiência conjunta de dificuldades e ganhar confiança mútua, o que é muito difícil (…).”
Aristóteles, Ética a Nicómaco, tradução do grego de António C. Caeiro,Quetzal Editores, Lisboa