sábado, 31 de maio de 2008

Sunset



- Fala mais alto.
- Não quero.

- Fala mais alto. Quero sentir-te.
- Não posso. Não quero.

- Quando falas baixo, sinto-me encurralada.
- Porquê?

- Porque começo a sentir-te mais do que desejaria.
- Quanto mais?

- Fala mais alto, por favor.
- Quanto?

- Metade deste oceano.
- Tu é que quiseste ficar.

- Tu quiseste partir.
- Sim.

- Sim, o quê?
- Sim, eu quis partir.

- Que horas são aí?
- Quase nove.

- É noite?
- Quase.

- Diz-me o que vês da tua janela?
- não estou à janela.

- Diz-me o que vês.
- A minha mesa.

- É castanha?
- De vidro. Com pés castanhos. Em madeira.

- Diz-me o que está em cima da mesa.
- Um copo. Com água. Um cinzeiro. A tua carta
que chegou ontem. A nossa fotografia do meu
último dia em Paris. Que horas são aí?

- Seis. Seis da manhã.
- O envelope da carta. Com a tinta borrada pela
base do copo. O «Los Angeles Times» de ontem.
Não, de anteotem. Uma revista. As chaves do carro.

- Que revista?
- Um catálogo de telemóveis.

- Que revista?
- Uma embalagem de batatas fritas por abrir. Ou-
tra embalagem, igual aberta.Um CD das Hole.
Dois CDs da Von Otter. A caixa de singles do
Eminem.

- Que revista?
- Playboy.

- São mais belas do que eu?
- Não.

- Mas estás com elas?
- E tu com quem estás?

- Com o cão.
- Já lhe deste um nome?

- Porqe és tão obcecado com os nomes?
- Porque sem eles o mundo não faz sentido.

- Ou tu não lhe encontras sentido?
- Não é a mesma coisa?

- Diz o meu nome.
- E um bloco de apontamentos aberto numa página
onde está escrito: "desde que cheguei falei
com cinco pessoas, aliás quatro: A empregada
da agência imobiliária; a miúda da caixa do
supermercado(esta conta a dobrar porque já
lá fui duas vezes; homem do apartamento do
lado que acha que eu sou brasileiro e diz
hello, samba; e a vendedora de bilhetes do ci-
nema onde fui ver uma reposição do Red River.
The Last Picture Show."

- Diz o meu nome.
- É o que está aqui no fim da carta.

- Tens medo de dizer o meu nome. Tens medo que
o nome apague o oceano. De repente, posso es-
tar na mesma terra que tu e procurar-te. As-
sombrar-te.
- Eu não fugi por medo de ti.
- Mas fugiste.
- Fugi da tua terra. Não fugi de ti.

- Eu sou a minha terra.
- Eu sou da terra onde estou.

- Pensei que eu era a tua terra.
- Pensei que a terra não pertence a ninguém. A
terra a quem a trabalha é, no fundo, uma ou-
tra maneira de perpetuar a servidão. Foi o que
me disseste, uma vez.

- A terra deixa-se possuir. Às vezes. Quando
partes, nem sempre vais em safaris, pois não?
- O quê?

- Ah, falhaste a citação.
- Merda, falhei mesmo. Pede desculpa à Meryl
Streep. Ou peço eu. As luzes de Sunset Boule-
vard estão acesas, lá ao fundo. Vinte quiló-
metros ao fundo.

- Já não estás a olhar para a mesa?
- Não. E tu já não estás na cama?

- Estou a ver os telhados e as chaminés.
- As nuvens estão avermelhadas. O calor vai con-
tinuar. Nunca vai acabar. Agora a minha terra
é esta.

- Quem está a passar lá ao fundo?
- O fantasma do Cary Grant. O descapotável de
james Dean. Um holograma do Gene kelly e da
Cyd Charisse. Ah, como se chamava o filme?

- Brigadoon.
- Porque é que nunca me lembro do nome?

- Porque o vimos no dia em que fiz 29 anos.
Deste-me a mão no princípio e, a certa altura,
segredaste-me que não suportarias tanta har-
monia. Eu senti-me tão magoada. E Disse-to.
- Não tinha razão?

- Não. Mesmo que tivesses. Saímos do cinema zan
gados.
- Desculpa.

- Caminhando lado a lado, os ombros raspando um
no outro, eu a acender um cigarro contra o
vento, tu a olhares para os passos de uma es-
pectadora, à nossa frente, com uma saia preta
plissada e uns sapatos rosa-salmão.
- Desculpa.

- Lembras-te de quando fizeste 29 anos?
- Parece o princípio de um dos teus poemas. Fa-
zem-me falta os teus poemas.

- Na América não há poemas?
- Diz-me um que seja europeu.

- Agora?
- Agora. Inventa-o.

- Começa como?
- O meu sol esconde-se.

- O meu sol esconde-se/ Na linha da tua monta-
nha./Esta nuvem já passou por ti/ Pela pai-
sagem que tu escreves / No mar branco dos meus
olhos./ Quando voltares traz / Uma caixa de
areia / E um pensamento de sal.
- Desculpa.

- Vou-me embora. Diz-me um poema para eu desligar.
- Começa como?

- Não sei.
- Diz.

- Fala mais alto. Não sei. Don't call the tiger.
- Don't call the tiger / Say something to the
last cloud / Going through the evening. /Say
the words of the forgotten song / Coming from
the desert / Thinking another thought of rain.
/I own this land / The sun told me so / And
went looking for you. / Be kind to the light
/Close your eyes but be kind.

- Sim.
- Fala mais alto.

- Lembras-te do telhado com a janela de corti-
nas azuis?
- E do gato.

- O gato está à janela.
- Sou eu.

- Diz o meu nome.
- Desliga quando eu o disser.

Texto de João Lopes.

Que Graça 2

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Que graça...


Aos nossos 14, 15 anos.

Eis que chega a doce Dulcineia depois de convencida pela sua amiga Carmen



Saída de casa da Dulcineia há muitas Luas atrás.



Contratempos da viagem com o escudeiro do seu amado D. Quixote.



Chegada fulgurante da Donzela Dulcineia.



Oferta de rosas brancas, pelos seus saudosos amigos.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

A caminho do Oeste

Eva Negra aguarda o grupo na sua casa do oeste

Os filhos de F.S. brincam a caminho do Oeste

Os filhos de F.S. encontram os maracujás de P.M.


Os cavalos do Gui e do César descansam na orla da casa do oeste


E.N. prepara a casa do oeste com as melhores flores do seu recanto


P.M. vem à janela da casa do oeste saber onde está a sua pedra preciosa

Dulcineia acaricia um dos filhos da F.S.


A casa do oeste vista de longe - e a barca parte rumo a tantas paragens, plena de memórias e de reencontros...

Em tempo: Luz verde para ti, E.N.



(Annie Lennox - Into the West)

Dom Quixote - o da bela Mancha

To dream the impossible dream
Sonhar o sonho impossível
To fight the unbeatable foe
Combater o inimigo imbatível
To bear with unbearable sorrow
Suportar a dor insuportável
To run where the brave dare not go.
Correr por onde os corajosos não se atrevem a ir
To right the unrightable wrong
Corrigir o incorrigível erro
To love pure and chaste from afar
Ser muito melhor do que se é
To try when your arms are too weary
Tentar quando seus braços estiverem exaustos
To reach the unreachable star
Alcançar a incansável estrela.

This is my quest, to follow that star,
Esta é a minha busca, seguir esta estrela
No matter how hopeless,
Não importa quão sem esperança,
no matter how far
não importa quão distante.
To fight for the right
Lutar pelo certo
without question or pause
sem pergunta ou descanso.

To be willing to march
Estar disposto a marchar
into hell for a heavenly cause
para o inferno por uma causa divina
And I know if I'll only be true
E eu sei que se somente for sincero
to this glorious quest
para esta busca gloriosa

That my heart will lie peaceful and calm
meu coração ficará em paz e em calma
when I'm laid to my rest
quando eu me deitar para meu descanso.
And the world will be better for this
E o mundo será melhor por isso:
that one man scorned and covered with scars
que um homem desprezado e coberto de cicatrizes
Still strove with his last ounce of courage
ainda lute com o que resta de sua coragem
To fight the unbeatable foe
para combater o inimigo imbatível
To reach the unreachable star
Para alcançar a incansável estrela.

A propósito de mulheres.



Discurso convencional masculino, editado no feminino.
Por uma questão de humor....

Ultimatum Futurista - Às Gerações Portuguesas do Sec. XXI



Acabemos com este maelstrom de chá morno!
Mandem descascar batatas simbólicas a quem disser que não há tempo para a criação!
Transformem em bonecos de palha todos os pessimistas e desiludidos!
Despejem caixotes de lixo à porta dos que sofrem da impotência de criar!
Rejeitem o sentimento de insuficiência da nossa época!
Cultivem o amor do perigo, o hábito da energia e da ousadia!
Virem contra a parede todos os alcoviteiros e invejosos do dinamismo!
Declarem guerra aos rotineiros e aos cultores do hipnotismo!
Livrem-se da choldra provinciana e da safardanagem intelectual!
Defendam a fé da profissão contra atmosferas de tédio ou qualquer resignação!
Façam com que educar não signifique burocratizar!
Sujeitem a operação cirúrgica todos os reumatismos espirituais!
Mandem para a sucata todas as ideias e opiniões fixas!
Mostrem que a geração portuguesa do século XXI dispõe de toda a força criadora e construtiva!
Atirem-se independentes prá sublime brutalidade da vida!
Dispensem todas as teorias passadistas!
Criem o espírito de aventura e matem todos os sentimentos passivos!
Desencadeiem uma guerra sem tréguas contra todos os "botas de elástico"!
Coloquem as vossas vidas sob a influência de astros divertidos!
Desafiem e desrespeitem todos os astros sérios deste mundo!
Incendeiem os vossos cérebros com um projecto futurista!
Criem a vossa experiência e sereis os maiores!
Morram todos os derrotismos! Morram! PIM!

José de Almada Negreiros.

O profano e o sagrado


Mulheres.
De Caravaggio (a 2ª) e de Murillo (a 1ª).
Em busca de um peregrino.
À cata de um sorriso roubado...


Ao V.


" Poema a Minha Mãe Morta
que não conheci "
Eliezer Demenezes


A tua mão pálida e ausente
tracejando bênçãos sobre meus sonhos aflitos.

Onde estás que apenas te suponho?
Na raiz dos meus pensamentos
Na força obscura dos meus desejos melhores
És talvez esse vôo desgarrado de esperanças,
que há em mim.
És talvez esse veleiro em mar alto à procura de náufragos,
que há em mim.

Na minha vida és como uma ficção ou a lenda de um milagre.
Algo que ficou intangível e suspenso.
Entretanto,
eu guardo na boca a impressão do teu seio
e o gosto do teu leite e do teu sangue.
As palavras, a ternura, os devaneios teus
que se fundiram no silêncio
repousaram na minha carne, certamente.
A tua face esta voltada para mim em mim mesmo,
e talvez só agora que a reconheci
eu possa me chamar de teu filho.


( Antologia da Nova Poesia Brasileira
J.G . de Araujo Jorge - 1a ed. 1948 )

quarta-feira, 28 de maio de 2008

De olhos postos no Céu



O Universo visto pelo telescópio Hubble.
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Estou, nesta noite cálida, deliciadamene estendido
sobre a relva,
de olhos postos no Céu, e reparo, com alegria,
que as dimensões do infinito não me perturbam.
(O infinito!
Essa incomensurável distância de meio metro
que vai desde o meu cérebro aos dedos com que escrevo!)

O que me perturba é que o todo posssa caber na parte,
que o tridimensional caibba no adimensional, e não
o esgote.
O que me perturba é que tudo caiba dentro de mim,
de mim, pobre de mim, que sou parte do todo,
E em mim continuaria a caber se me cortassem
braços e pernas
porque eu não sou braço nem sou perna.

Se eu tivesse a memória das pedras
que logo entram em queda assim que se largam
no espaço
sem que nunca nenhuma se tivesse esquecido de cair;
se eu tivesse a memória da luz
que mal começa, na sua origem, logo se propaga,
sem que nenhuma se esquecesse de propagar;
os meus olhos reviveriam os dinossáurios que
caminharam sobre a Terra,
os meus ouvidos lembrar-se-iam dos rugidos dos
oceanos que engoliram continentes,
a minha pele lembrar-se-ia da temperatura das
geleiras que galgaram sobre a Terra.

Mas não esqueci tudo.
Guardei a memória da treva, do medo espavorido
do homem da caverna
que me fazia gritar quando era menino e me
apagavam a luz;
guardei a memória da fome,
da fome de todos os bichos de todas as eras,
que me fez estender os lábios sôfregos para mamar
qundo cheguei ao mundo;
guardei a memória do amor,
dessa segunda fome de todos os bichos de todas
as eras,
que me fez desejar a mulher do próximo e
do distante;
guardei a memória do infinito,
daquele tempo sem tempo, origem de todos os
tempos,
em que assisti, disperso, fragmenado, pulverizado,
à formação do Universo.

Tudo se passou defronte de partes de mim.
E aqui estou eu feito carne para o demonstrar,
porque os átomos da minha carne não foram
fabricados de propósito para mim.
Já cá estavam
Estão.
E estarão.


António Gedeão Poema da Eterna presença Poemas Póstumos

Cheira a morte, sabe a vida



Nesta casa choram-se os vivos.
Nesta antecâmara da vida, contam-se os mortos.
Acidentados. Enlouquecidos. Suicidados. Torturados.
Ali ninguém cheira a formol.
Todos sabem ao perfume da vida vivida depressa demais.
Perto de uma normalidade abrupta, de uma ancestral disfuncionalidade...
Vivem da morte. E a morte com eles convive em amena camaradagem... até ao próximo velório.
Em recordação da melhor série que HBO alguma vez produziu - Six Feet Under.
A ver e rever vezes - ou mortes - sem conta.

Abro mão das primaveras...



Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.


(Pablo Neruda)

terça-feira, 27 de maio de 2008

A mão que se fecha




Mais um que o letal e traiçoeiro caranguejo leva.
Para sempre.
Fica entre nós o eterno legado das telas que cobriu de som e imagem.
Fica entre nós, Sidney - porque um morto amado nunca mais acaba de morrer...

Embriaga-te (Sem cessar).





Devemos andar sempe bêbados.
Tudo se resume nisto: é a única solução.
Para não sentires o tremendo fardo do tempo que te despedaça os
ombros e te verga para a terra, deves embriagar-te sem cessar.
Mas com quê?
Com vinho, com poesia ou com a virtude, a teu gosto.
Mas embriaga-te.
E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas
duma vala, na solidão morna do teu quarto, tu acordares com a
embriaguez já atenuada ou desaparecida, pergunta ao vento, à
onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que se passou, a tudo
o que gemeu, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que
fala, pergunta-lhes que horas são.
"São horas de te embriagares!"
Para não seres como os escravos martirizados do Tempo,
Embriaga-te, embriaga-te sem cessar!
Com vinho, com poesia, ou com a virtude, a teu gosto.


Charles Baudelaire

Negro barco (meu queixume)



De manhã, que medo, que me achasses feia!

Acordei, tremendo, deitada n'areia

Mas logo os teus olhos disseram que não,

E o sol penetrou no meu coração.[Bis]

Vi depois, numa rocha, uma cruz,

E o teu barco negro dançava na luz

Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas

Dizem as velhas da praia, que não voltas: São loucas! São loucas!

Eu sei, meu amor,

Que nem chegaste a partir,

Pois tudo, em meu redor,

Me diz qu'estás sempre comigo.[Bis]

No vento que lança areia nos vidros;

Na água que canta, no fogo mortiço;

No calor do leito, nos bancos vazios;

Dentro do meu peito, estás sempre comigo.

(David Mourão-Ferreira)

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Aurora moonrise

Eterna Cannes

O cinema voltou a premiar os melhores em Cannes.
O palmarés é este:

PALMA DE OURO - "Entre Les Murs" (Entre Paredes) de Laurent Cantet
GRANDE PRÉMIO - "Gomorra" (Camorra) de Matteo Garrone
PREMIO ESPECIAL DO 61º FESTIVAL - Catherine Deneuve por "Un Conte de Noëll" (Um Conto de Natal), de Arnaud Desplechin e Clint Eastwood por The Exchange (A Troca)
REALIZAÇÃO - "Üç Maymun" (Três Macacos) de Nuri Bilge Ceylan
INTERPRETAÇÃO MASCULINA - Benicio Del Toro por "Che"
INTERPRETAÇÃO FEMININA - Sandra Corvelone por "Linha de Passe"
ARGUMENTO - Jean-Pierre e Luc Dardenne por "Le Silence de Lorna" (O Silêncio de Lorna)
PRÉMIO DO JURI - "Il Divo" de Paolo Sorrentino

Memória de elefante

Chocolate amargo ou... como não se esquece uma desfeita tantos anos passados!

Cântico Negro



"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio

domingo, 25 de maio de 2008

Os suspeitos do costume



Parabéns, Vânia.
Com estas novas regras eurovisivas, não vamos a lado nenhum!
Nem com os votos dos emigrantes...
Bem-vindos a uma Europa politizada e de vizinhanças mais do que suspeitas, assente que o Festival em causa só acaba por favorecer as emigrações ilegais!

Assinam:

Gui e César (em C.)

sábado, 24 de maio de 2008

Filhos das Estrelas





«- Nada dura para sempe, George - disse Eric. - Se as estrelas brilhassem para sempre, não estaríamos aqui.
É dentro das suas barrigas que as estrelas transformam pequenas partículas em partículas maiores. É isso que uma reacção de fusão nuclear faz: funde e une pequenas partículas e constrói átomos grandes a partir de átomos pequenos. Esta fusão liberta uma energia enorme e é isso que faz as estrelas brilhar. Quase todos os elementos de que tu e eu somos compostos foram criados dentro das estrelas que existiram muito antes de a terra ser criada. Por isso, pode dizer-se que somos todos filhos das estrelas. Quando explodiram há muito tempo, essas estrelas lançaram para o espaço sideral todos esses átomos grandes que criaram. O mesmo irá acontecer à estrela que estás a ver agora. Irá explodir no final da sua vida, quando não houver mais partículas pequenas disponíveis para se fundirem em partículas maiores. A explosão irá enviar para o espaço sideral todos os átomos grandes que a estrela criou na barriga.
A estrela do outro lado da janela parecia zangada. A cor amarelada estava a ficar avermelhada enquanto a estrela crescia cada vez mais, ficando tão grande que quase não se via mais através da janela. George teve a sensação de que a estrela ia explodir a qualquer momento. Eric carregou no comnado e a janela afastou-se imediatamente da estrela cada vez mais vermelha.
- É ou não é espantoso!? - exclamou Eric. - De início a bola encolhe e nasce uma estrela, e depois a estrela cresce cada vez mais! E agora está quase a explodir! Agora é que não podes tirar os óculos.
George continuou a olhar fascinado para a estrela. De repente, muito depois de ter alcançado um tamanho que ninguém poderia ter imaginado, deu-se a mais poderosa explosão que George já tinha visto. A estrela rebentou, lançando para o espaço sideral enormes quantidades de luz e gás rubro, bem como todos os átomos que tinha criado. Depois da explosão, George reparou que tudo o que restara da estrela era uma nuvem nova e bela, cheia de cores extraordinárias e novos materiais.
- Oooo-ahhhh!- Exclamou. Era como estar a assistir ao mais incrível espectáculo de fogo-de-artifício.
- Sabes - disse Eric-, com o tempo, a nuvem colorida que estás a ver irá misturar-se com outras nuvens provenientes de estrelas distantes que também explodiram. Enquanto arrefecem todos os gases destas nuvens vão misturar-se numa nuvem maior onde voltarão a nascer estrelas.»

"A Chave Secreta Para o Universo" Lucy e Stephen Hawking

Brotherhood


"Irmãos e Irmãs" .
A minha série favorita actual.
Família disfuncional, histérica, intensa, desbragada emocionalmente, descompensada, tipo tribo, tipo clã...
Impressões digitais impostas uns aos outros, são elos desmedidos de uma força tal que move montanhas e afasta temporais.
O afecto desmedido de quem, em si, é tão diferente do outro, comove-me até ao infinito.
Bem escrita, coreografada, imagem de todos nós num espelho implacável que nos reflecte, mesmo contra a nossa vontade.
Aquele sangue sabe-me a tanto...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Ai Se Sêsse


Transcrevo aqui um comentário da Eva Negra, num dos últimos posts.
Pela sua oportunidade e beleza, merece este destaque.
Obrigado, C.


E a propósito da incomensurável beleza e fascínio do acto genuíno de criação e dos criadores, deixo-vos aqui um poema belíssimo, de um poeta popular brasileiro, conhecido por Zé da Luz,oficialmente Severino de Andrade e Silva, poema que foi resposta espontânea a alguém que dizia que para se falar de amor era necessário usar um português erudito



Ai Se Sêsse



"Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dois se impariásse,
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pró ceú nós assubisse?
Mas porém se acontecesse que São Pêdo
não abrisse as portas do céu
e fosse te dizê quarqué tulice?
E se eu me arriminasse
e tu comigo insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caisse
e o céu furado arriasse
e as virge tõdas fugisse!!!"

A um rato muito especial



Consta que faz hoje anos o Rato mais famoso do Mundo - Mickey Mouse.
As minhas homenagens a um dos faróis do meu imaginário infantil e que vai deixando tantas saudades nos tempos que correm em que outros heróis mais efémeros e plásticos tomam conta das horas das nossas crianças.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

A estética e a surpresa dos costumes





O fascínio pela estética destas imagens inspirou-me a partilhá-las com os magnólicos.
Ficam aqui...

Amor (antigo)


A jovem deusa passa
Com véus discretos sobre a virgindade;
Olha e não olha, como a mocidade;
E um jovem deus pressente aquela graça.

Depois, a vide do desejo enlaça
Numa só volta a dupla divindade;
E os jovens deuses abrem-se à verdade,
Sedentos de beber na mesma taça.

É um vinho amargo que lhes cresta a boca;
Um condão vago que os desperta e toca
De humana e dolorosa consciência:

E abraçam-se de novo, já sem asas.
Homens apenas. Vivos como brasas,
A queimar o que resta da inocência.

Miguel Torga

O nosso (sonhado) prefácio

E assim começa a vida... com gentileza!

quarta-feira, 21 de maio de 2008

As máscaras da morte




«- Esta noite estás com um ar meditabundo - disse o meu pai, procurando conversa.
- É capaz de ser a humidade que dilata o cérebro. É o que diz o Barceló.
- Há-de ser mais qualquer coisa. Estás preocupado com alguma coisa, Daniel?
- Não. Estava só a pensar.
- Em quê?
- Na guerra.
O meu pai assentiu com ar sombrio e sorveu a sua sopa em silêncio. Era um homem reservado e, embora vivesse no passado, quase nunca o mencionava. Eu tinha crescido na convicção de que aquela lenta procissão do pós-guerra, um mundo de quietude, miséria e rancores velados, era tão natural como a água da torneira, e que aquela tristeza muda que sangrava pelas paredes da cidade ferida era o verdadeiro rosto da sua alma. Uma das armadilhas da infância é que não é preciso compreender para sentir.
Na altura em que a razão é capaz de compreender o sucedido, as feridas no coração já são demasiado profundas. Naquela noite primitiva de Verão, caminhando por aquele anoitecer escuro e traiçoeiro de Barcelona, não conseguia apagar do pensamento o relato de Clara à volta do desaparecimento do pai. No meu mundo, a morte era uma mão anónima e incompreensível, um vendedor a domicílio que levava mães, mendigos ou vizinhos nonagenários como se se tratasse de uma lotaria do inferno. A ideia de que a morte pudesse caminhar ao meu lado, com rosto humano e coração envenenado de ódio, envergando uniforme ou gabardina, que fizesse bicha no cinema, risse nos bares ou levasse as crianças a passear no parque da Ciudadela de manhã e à tarde fizesse desaparecer alguém nas masmorras do castelo de Montjuïc, ou numa vala comum sem nome nem cerimonial, não me entrava na cabeça. Dando voltas àqilo, ocorreu-me que talvez aquele universo de cartão-pedra que eu dava por bom não fosse mais que uma decoração. Naquele anos roubados, o fim da infância, como os comboios espanhóis, chegava quando chegava.»

Trecho De "A Sombra do Vento" de Carlos Ruiz Zafón

Meu rosário, meu recanto...




O verão deixa-me os olhos mais lentos sobre os livros.
As tardes vão-se repetindo no terraço, onde as palavras
são pequenos lugares de memória. Estou divorciada dos
outros pelo tempo destas entrelinhas - longe de casa,
tenho sonhos que não conto a ninguém, viro devagar
a primeira página: em fevereiro, eles ainda faziam amor
à sexta-feira. De manhã, ela torrava pão e espremia
laranjas numa cozinha fria. Havia mais toalhas para lavar
ao domingo, cabelos curtos colados teimosamente ao espelho.
Às vezes, chovia e ambos liam o jornal, dentro do carro,
antes de se despedirem. Às vezes, repartiam sofregamente
a infância, postais antigos, o silêncio - nada
aconteceu entretanto. Regresso, pois, à primeira linha,
à verdade que remexe entre as minhas mãos.
Talvez os olhos
estivessem apenas desatentos sobre o livro;
talvez as histórias
se repitam mesmo, como as tardes passadas no terraço, longe
de casa.
Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém.
********************************************
Maria do Rosário Pedreira - A Casa e o Cheiro dos Livros
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À R. pelo canto chão alentejano e pelos postais antigos que ainda fores capaz de encontrar.
E pela primavera que hoje completas.

Uma girafa do meu tamanho e outra que come estrelas







No meio de uma pradaria africana, entre dois grupos de girafas que se cruzaram, duas passaram distraidamente uma pela outra. De repente, metros adiante, estancaram.
Seus longos pescoços giraram cento e oitenta graus, os olhos cravaram-se. Seus corações bateram forte e descompassadamente. Num átomo de segundo, compreenderam ter encontrado a metade da girafa que lhes faltava.
A partir daquele momento mágico, Giravaldo e Girafélia, sempre de pescoços dados, passaram a trotear juntos pela mata.
Seus cérebros girafáticos projetaram uma feliz vida em comum. Entre outras coisas, um casal de girafinhas passou a fazer parte de seus planos.
Tudo caminhava bem, quando certo dia um grupo de caçadores, invadindo a pradaria, levou diversas girafas para países longínquos, entre elas Girafélia.
Sem a companheira, Giravaldo entrou em depressão e deu-se à bebida, tornou-se um giralcoólico.
Somente com muita dedicação a A.G.A. – Associação das Girafas Alcoólatras – conseguiu reverter o seu quadro. No entanto, a tristeza jamais abandonaria o desditoso girafo.
Por seu lado, Girafélia, num grande circo, fazia uma série de números: subia e descia escadas, rodava bolas pelo pescoço e outros tantos que lhe ensinaram.
Anos se passaram.
Girafélia, agora já velha, deixara de fazer o exigido.
Em seu giro pelo continente africano, como algo descartável e sem valia alguma, a velha Girafélia foi deixada numa reserva ecológica pelos homens do circo.
Meses antes, Giravaldo tivera o mesmo destino.
Encontraram-se.
Seus olhos cansados cravaram-se, reconheceram-se.
Os seus corações voltaram a bater, não com o mesmo ímpeto de outrora, agora mais devagarinho.
Mas, de toda a forma, a vida acabou por lhes proporcionar a tão ensejada união.
Ao alcance de um pescoço...

terça-feira, 20 de maio de 2008

Poesia nos USA

Desculpem ir em inglês...
O Captain! My Captain!
O Captain! my Captain! our fearful trip is done, The ship has weather'd every rack, the prize we sought is won, The port is near, the bells I hear, the people all exulting, While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring; But O heart! heart! heart!O the bleeding drops of red,Where on the deck my Captain lies, Fallen cold and dead.
O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;Rise up--for you the flag is flung--for you the bugle trills,For you bouquets and ribbon'd wreaths--for you the shores a-crowding,For you they call, the swayingmass, their eager faces turning;Here Captain! dear father!This arm beneath your head!It is some dream that on the deck,You've fallen cold and dead.
My Captain does not answer, his lips are pale and still, My father does not feel my arm, he has no pulse nor will, The ship is anchor'd safe and sound, its voyage closed and done, From fearful trip the victor ship comes in with object won; Exult O shores, and ring O bells!But I with mournful tread,Walk the deck my Captain lies, Fallen cold and dead.


O Design dos colos.










A Cadeira é o meu objecto, de mobiliário, de culto.
Fascinam-me as cadeiras ou colos, como gosto de chamar-lhes.
Deixo-vos alguns dos meus colos preferidos, entre outros, que por falta de espaço não posso mostrar-vos.
Alguns dos exibidos enchem-me a casa. Outros com o tempo e a melhoria, sempre esperada, da "finança",talvez a venham a encher.
Por causa dos colos deixo aqui o tributo por ordem de apresentação a:
- Ludwig Mies Van der Rohe, com a Bed Day e a Chaise Barcelona e respctivo poisa pés;
- Le Corbusier, com a chaise long, LC4 e a chaise basculant, model n.º B 301,c, de 1928;
- Óscar Nimeyer, chaise long;
- Eero Aarnio, com ball chair;
- Charles & Ray Eames, com La Chaise, e a cadeira model n.º 670 e model n.º 671.