sábado, 29 de fevereiro de 2020

a minha lente


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

A cor da tua pele

Sei de cor as tuas cores.
Mesmo que nunca chegues a amanhecer.



Um juiz

1. Sempre quis ser JUIZ.
Cada um é para o que nasce, dizem, pois então.
E, POR ISSO, tendo a raciocinar sobre a essência de ser JUIZ.
Apesar da especialização temática que tende a ser uma realidade no nosso mundo jurídico, a essência do Magistrado, labore em que Tribunal seja, tem sempre de ser a mesma.
Temos de nos reger pelo supremo princípio da plenitude da nossa consciência, não sendo os sinais exteriores de respeito, as cinzentas ou azuis gravatas, que legitimam a nossa acção (e se eles também interessam é porque existem exemplos de compostura pedagógica a seguir pois o povo em nome de quem exercemos a nossa missão isso espera de nós), mas aqueles que nos fazem convencer de que não é o magistrado de calças de ganga que temos de evitar mas o magistrado de cabeça de ganga...
Fala-se em falta de meios para bem exercer a Magistratura – é um alibi que não nos pode desresponsabilizar. Pior que a falta de meios, é a falta de fins, é não ter o fim certo na hora certa quando se opta por uma profissão que nos irá, em princípio, acompanhar ao longo de toda a nossa vida activa.
Por esse motivo, na minha primeira aula como docente no CEJ, lia sempre aos auditores uma história passada com o Padre Anchieta, no Brasil, e que nos faz parar e reflectir sobre a pressa com que vivemos e a ligeireza com que fazemos opções na vida, sem atentar no lado essencial da vida, aquela que brota de dentro de nós e que nos faz supremos habitantes deste planeta de fogo em era apocalíptica.
Assim rezava a historieta:
«O referido sacerdote tinha pressa de chegar a uma aldeia e, assim, pediu aos carregadores índios para andarem depressa. Ao terceiro dia pararam e o padre perguntou-lhes porque é que não andavam, sabendo como ele precisava de chegar à aldeia. Eles responderam: “É que temos andado depressa de mais e a nossa alma ficou para trás. Temos de ficar aqui à espera que ela chegue e entre outra vez no nosso corpo para podermos continuar”.
Com este pressuposto, avanço para a idealização do que devia ser o bom e optimizante ensino da arte e ofício da judicatura e da magistratura do MP, assente que ninguém nasce ensinado e que urge passar por uma Escola de excelência, como é e sempre foi o CEJ, para treinar competências, recepcionar conceitos, praticar a mundividência do Direito vivido a postas largas pelas ruas e casarios da cidade.
Também um JUIZ é um Homem e, por isso, nada do que é humano lhe é estranho – apenas um ser normal a exercer uma profissão invulgar!
Acredito que neste CEJ os futuros magistrados deste país desfrutam de uma visão do Direito muito mais flexível e integrada da que tem sido normal nos cursos jurídicos.
Defendo um ensino que cultive a auto-aprendizagem do auditor, dotando-o de uma visão pluralista da sociedade e preocupando-se com uma abordagem multidimensional do sistema jurídico e multidisciplinar no que se refere às outras áreas de conhecimento, tudo com o objectivo de formar juristas capazes de pensar séria, global e criticamente o Direito.
Como diria alguém , «de um modelo de formação discente que, enfim, trate de impedir um perfil de aluno proclive ao automatismo, ao isolamento teórico, a uma ortodoxa rigidez interpretativa e, até mesmo, a um desvairado e irracional subjetivismo, origem de profissionais deficientes e, em determinadas ocasiões, carentes de um mínimo sentido de ponderada razoabilidade acerca dos princípios e valores que ao Direito importam».
Entendo que a formação das carreiras jurídicas deve ser uma questão de Estado, o que pressupõe uma actividade contínua e permanente e a construção de pontes eficazes entre as várias carreiras - pretende-se que nas carreiras jurídicas se saiba fazer, se saiba aprender a estar, se criem competências e se optimizem serviços, de forma a que tenhamos Magistrados, Advogados, Solicitadores e Funcionários Judiciais tecnicamente competentes, culturalmente esclarecidos e socialmente empenhados.
2. Naveguei durante muitos anos na Área de formação de magistrados no Direito da Família e das Crianças.
Confesso a minha paixão por este ramo.
Por ela voguei pelo CEJ de outrora, ensinando centenas de auditores a arte e ofício de bem cuidar, juridicamente, de uma criança e de uma família.
Sempre preferi jurisdições com rostos, com gente dentro (e daí não desprezar as potencialidades das águas da Jurisdição Penal, onde naveguei em águas da 2ª instância).
Mas o meu coração tomba para os afectos.
Eu diria que, para se ser um bom Magistrado na Área de Família e Crianças, a receita poderá ser razoavelmente esta que me chegou durante o meu CEJ:
Ingredientes:
500 gramas de conhecimentos jurídicos
500 gramas de conhecimento das etapas de desenvolvimento de uma criança
500 gramas de bom senso
350 gramas de capacidade de ouvir
300 gramas de ponderação
Uma pitada de distanciamento em relação às situações
Disponibilidade q.b.
Indicações prévias:
Todos os ingredientes são insubstituíveis.
Não podem ser usados quaisquer outros parecidos, mas de qualidade inferior.
Devem, além do mais, ser usados com muito cuidado, conforme o destinatário em concreto da receita. Por isso, todas as receitas são únicas e irrepetíveis (o interesse superior da cada criança).
Modo de preparação
Colocam-se numa taça os 500 gramas de conhecimentos jurídicos. É o ingrediente base, sem ele nada se faz.
De seguida juntam-se os 500 gramas de conhecimento das etapas de desenvolvimento de uma criança e os 500 gramas de bom senso e mistura-se muito bem, até ficar uma massa única.
Juntam-se, de forma lenta e paciente, 350 gramas de capacidade para ouvir.
Adiciona-se uma pitada de distanciamento em relação à situação e mexe-se bem.
Deixa-se repousar e levedar o resultado durante o tempo necessário.
Ponderação q.b..
Sem certezas, mas com convicções bem fundamentadas, vai ao forno cheio de esperança.
Deve-se espreitar de vez em quando, para ter a certeza que a temperatura é a indicada (revisão das medidas).
Alterando-a, se estiver a queimar.
Não há tempo certo para a cozedura. Depende das circunstâncias. Do saber do cozinheiro. Da seriedade e do cuidado que se pôs em cada um dos pormenores.
Retira-se do forno com cuidado e esperança.
Aviso Muito Importante:
Avisa-se desde já que nem sempre a receita resulta. Ela não é infalível.
É essencial ter-se presente que é humano errar, falhar, arrepender.
Infelizmente, nem todas as histórias podem acabar com um seguro “e foram felizes para sempre”
Existem “alguns sucessos, mas também muitas dificuldades e limitações: ninguém pode desejar tratar tudo” .
As dúvidas e incertezas da justeza das decisões fazem da actual Justiça da Família e das Crianças uma casa mais humana, aproximando-a dos que chegam, também inseguros, aos tribunais.
3. Um ex-auditor escreveu-me isto:
A vida, todos o sabemos, é uma simples viagem: há os que se julgam o centro do Mundo e que não se dão conta, sequer, de que apenas embarcaram numa viagem. Há outros que não têm vida para fazer mais do que, simplesmente, passar. Há depois os génios e lutadores de vida inteira de quem Bertold Brecht dizia serem, afinal, os imprescindíveis. Há, finalmente, os que, não tendo coragem e o desprendimento destes últimos, aceitam as regras do jogo, empenhando-se, porém, em contribuir para melhorar os pedaços de vida com que se vão cruzando pelo caminho.
Andam pelos tribunais todas estas qualidades de gente.
Há um punhado de génios e lutadores, seguramente enganados no caminho, que, mais tarde ou mais cedo, rumarão a outras paragens;
Há também os que se julgam senhores do mundo, julgando poder dispor da sua vida e da dos outros.
Há os que não têm tempo (ou vontade) para fazer mais do que passar sem serem vistos.
E há os outros – os que vieram por genuína vocação. Estes, ou aprenderam a cercar e a fechar, e cercaram-se e fecharam-se, até que se vão embora deixando apenas um mundo mais estreito; ou, aprendendo os obstáculos, aprenderam também a arte de os superar, e quando, no final, se vão embora, vão tranquilos por terem deixado alguns pequenos mundos, um bocadinho que seja, melhor!»
Este o meu desejo – que os magistrados desta Área urgentemente se abram aos outros, abandonem preconceitos e mentes quadradas e pensem que afinal, por vezes, como diria o mais conhecido dos principezinhos, “não há dúvida que as pessoas grandes são mesmo muitíssimo esquisitas”, competindo-nos, a nós, aplicadores destas leis, e na sábia palavra de Pablo Neruda, “enterrar a tristeza e os seus ossos roedores debaixo da Primavera de uma macieira”, não se tolerando seja o que for que roube aos meninos os sonhos que só eles sabem ter!
Porque acredito que o futuro não será feito através das descobertas da Ciência mas depende essencialmente da descoberta dos mecanismos dos afectos, tal como recentemente sentenciou António Alçada Batista.
Com o respeito pela humana vida e pelos direitos fundamentais de cada homem e de cada criança, quase-homem, invocados na convicção, na voz, na pena, na intenção, na vocação e na prática de cada um de nós, obreiro da esperança.
Ainda a tempo de apanhar a alma das coisas...
Ainda a tempo de constatar a diferença entre uma mãe que teve 16 filhos e outra que, afinal, teve um filho 16 vezes…
O mundo das crianças que pedem uma chance de existência no futuro, que nos pedem um manto mágico de protecção, próprio dos super-heróis, não é especial. É outro mundo. Entre os dois existem apenas algumas secretas passagens, inacessíveis a quem já não tem palmo e meio de altura.
A infância é um mundo que gostávamos de ter, que não podemos ter. É um mundo deixado para trás, um mundo que nos deixou para trás.
Resignemo-nos.
Já não somos o Calvin. Já não temos o tigre Hobbes. Tornámo-nos o pai e a mãe, somos os alienígenas. Desconcertados, esquecidos. Incompreendidos, incompreensíveis.
Acreditem que o mundo estranho não é o deles, é o nosso!
“Vocês dizem:
é cansativo estar com crianças.
E não há dúvida que têm razão.
Depois acrescentam:
Porque temos de nos pôr ao nível delas,
Porque temos de nos baixar, inclinar,
Curvar, tornar pequenos.
Mas aí vocês estão enganados.
O que mais cansa não é isso,
O que mais cansa é sermos obrigados a elevarmo-nos
Até à altura dos seus sentimentos.
A esticarmo-nos, a alongarmo-nos,
A ficar nos bicos dos pés.
Para não as magoar”.
Paulo Guerra