sábado, 30 de agosto de 2008

Um homem iluminado

Pintura de Van Gogh, Campo de Bolbos.



Um homem parte
Madrugada fora
Rumo à Cidade.

Leva os pés em botas pesadas
E as costas numa trouxa em monge.

O caminho que atravessa a distância
Arrasta-se
Sombrio e penoso.

Súbito
Ilumina-se o homem
Pelo sol que se levanta
Nas franjas da madrugada.
E cada raio de sol que se acende
É uma cor que pinta a caminhada.

Animado pelas cores do sol levante
O homem não atravessa as colinas da paisagem.
O caminho faz-se uma pintura de Van Gogh
Em rectângulos de tulipas regulares.

Caminha agora
O homem
Por etapas de tulipas
De cores ordenadas.
E se a chuva vier
O homem há-de caminhar por cima de caminhos tulipas
E por dentro de cores arco-íris.

Assim ele se ilumine…

Estações da vida



Um homem tinha quatro filhos.

Ele queria que seus filhos aprendessem a não julgar as coisas de modo apressado, por isso, ele mandou cada um numa viagem, para observar uma PEREIRA que estava plantada num local distante.
O primeiro filho foi lá no Inverno, o segundo na Primavera, o terceiro no Verão e o quarto, mais jovem, no Outono.
Quando todos eles voltaram, ele reuniu-os e pediu que cada um descrevesse o que tinha visto.
O primeiro filho disse que a árvore era feia, torta e retorcida.
O segundo filho disse que não, que ela era recoberta de botões verdes e cheia de promessas.
O terceiro filho discordou:
Disse que ela estava coberta de flores, que tinham um cheiro tão doce e era tão bonita, que ele arriscaria dizer que era a coisa mais graciosa que jamais tinha visto.
O último filho discordou de todos eles; ele disse que a árvore estava carregada e arqueada, cheia de frutas, vida e promessas...
O homem então explicou-lhes que todos estavam certos, porque haviam visto apenas uma estação da vida da árvore...
Ele disse que não se pode julgar uma árvore, ou uma pessoa, apenas por uma estação, que a essência de quem eles são, o prazer, a alegria e o amor que vêm daquela vida podem apenas ser medidos no final, quando todas as estações estiverem completas.

No fundo, se desistirmos, quando for Inverno, perderemos a promessa da Primavera, a beleza do Verão e a expectativa do Outono.

Eu, por mim, sempre amei os Outonos...

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Te Deum



Um rei, que não acreditava na bondade de DEUS, tinha um servo que em todas as situações lhe dizia: Meu rei, não desanime porque tudo que Deus faz é perfeito, Ele não erra!
Um dia eles saíram para caçar e uma fera atacou o rei.
O seu servo conseguiu matar o animal, mas não pôde evitar que sua majestade perdesse um dedo da mão.
Furioso e sem mostrar gratidão por ter sido salvo, o nobre disse:
- Deus é bom? Se Ele fosse bom eu não teria sido atacado e perdido o meu dedo.
O servo apenas respondeu:
- Meu Rei, apesar de todas essas coisas, só posso dizer-lhe que Deus é bom; e ele sabe o porquê de todas as coisas... O que Deus faz é perfeito. Ele nunca erra!
Indignado com a resposta, o rei mandou prender o seu servo.
Tempos depois, saiu para uma outra caçada e foi capturado por selvagens que faziam sacrifícios humanos.
Já no altar, prontos para sacrificar o nobre, os selvagens perceberam que a vítima não tinha um dos dedos e soltaram-no: ele não era perfeito para ser oferecido aos deuses.
Ao voltar para o palácio, mandou soltar o seu servo e recebeu-o muito afetuosamente.
- Meu caro, Deus foi realmente bom comigo! Escapei de ser sacrificado pelos selvagens, justamente por não ter um dedo! Mas tenho uma dúvida: Se Deus é tão bom, por que permitiu que você, que tanto o defende, fosse preso?
- Meu rei, se eu tivesse ido com o senhor nessa caçada, teria sido sacrificado em seu lugar, pois não me falta dedo algum. Por isso, lembre-se: tudo o que Deus faz é perfeito!

Os velhos a sombra e os álamos


Partem os velhos em passo incerto
Pelo caminho que à casa vai.
Tropeçam nas sombras horizontais
Dos álamos que ladeiam a caminhada.

Lá vão os velhos com suas sombras
A fazer quadrículas nas horizontais.
Tropeçam as sombras umas nas outras
Na caminhada que à casa vai.

A casa ao fundo
Sombra de velha
Dois olhos janela uma porta boca
Dentro parede em lençol dente
Fora telhado em cocuruto.

Lá vão os velhos em passo sombra
De alma grande
E vida incerta…
(Foto de pintura de Van Gogh, Avenida de Álamos no Outono)

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Babel (invertida)

Português
Escuridão mundial - No dia 17 de Setembro de 2008, das 21:50 às 22:00 horas, propõe-se apagar todas as luzes e se possível todos os aparelhos eléctricos, para o nosso planeta poder 'respirar'.
Se a resposta for massiva, a poupança energética pode ser brutal.
Só 10 minutos, para ver o que acontece.
Sim, estaremos 10 minutos às escuras, podemos acender uma vela e simplesmente ficar a olhar para ela, estaremos a respirar nós e o planeta.
Lembrem-se que a união faz a força e a Internet pode ter muito poder e podemos mesmo fazer algo em grande. Passa a notícia, se tiveres amigos a viver noutros países envia-lhes.
Árabe
ظلام العالم : على 17 سبتمبر 2008 من الساعة 21:50 الى 22:00ويقترح حذف جميع الانوار واذا امكن جميع الاجهزه الكهرباءيه ، ويمكن لكوكبنا 'تنفس'. اذا كان الجواب هاءله ، ويمكن الاقتصاد في استهلاك الطاقة وحشية. خلال 10 دقائق فقط ، ونرى ما سيحصل. نعم ، نحن على 10 دقائق في الظلام ، ونحن على ضوء شمعة وببساطة
ان النظر اليها ، ونحن نتنفس وكوكبنا. نتذكر ان الاتحاد هو القوام وشبكة الانترنت يمكن ان تكون بالغة القوة ويمكن حتى تفعل شيئا كبيرا. التحركات الاخبار .
Francês
Darkness monde - Le 17 Septembre 2008 de 21:50 à 22:00 heuresPropose de supprimer toutes les lumières et, si possible, tous les appareils électriques, à notre planète peut 'respirer'. Si la réponse est massive, les économies d'énergie peuvent être brutales. Seulement 10 minutes, et de voir ce qui se passe. Oui, nous sommes 10 minutes dans le noir, on allume une bougie et simplement Être regarder, que nous respirons et de notre planète. N'oubliez pas que l'union fait la force et l'Internet peuvent être très électricité et peut Même faire quelque chose de grand. Déplace l'actualité.
Grego
Σκοταδι κοσµο - Στις 17 Σεπ του 2008 απο 21:50 εως 22:00 ωρες Προτεινει να διαγραψει ολα τα φωτα και αν ειναι δυνατον, ολες τις ηλεκτρικες συσκευες, να πλανητη µας µπορει να «αναπνεει». Εαν η απαντηση ειναι µαζικη, η εξοικονοµηση ενεργειας µπορει να ειναι κτηνωδης. Μονο 10 λεπτα, και να δουµε τι συµßαινει. Ναι, ειµαστε 10 λεπτα στο σκοταδι, θα αναψει ενα κερι και απλα Να εξεταζουµε, που αναπνεουµε και τον πλανητη µας. Θυµηθειτε οτι η ενωση ειναι η δυναµη και το Internet µπορει να ειναι πολυ δυναµη και µπορουν να Ακοµη κανουµε κατι µεγαλο. Μετακινησεις την ειδηση, αν εχετε φιλους να ζουν σε αλλες χωρες να στειλουν τους και τους.
Russo
Ночь на Земле - 17 сентября 2008 года с 21:50 до 22:00 часов отключите все огни, и, по возможности, все электроприборы, чтобы наша планета могла спокойно 'подышать' хоть 10 минут.В случае массового участия, этот проект приведет к огромному сбередению энергии по всему земному шару. Всего только 10 минут, и вы увидите как важен будет результат.За эти 10 минут можно просто посидеть в темноте, зажечь свечу и посидеть при ее свете. А за это время наша планета успеет спокойно отдышаться. Помните, что совместное действие - это мощь, а Интернет - это великая сила, вместе мы можем добиться очень многого. Сообщи о нас другим!!!
Holandês
Darkness wereld - Op 17 September 2008 van 21:50 tot 22:00 uurStelt voor om alle lichten en zo mogelijk alle elektrische apparaten, om onze planeet kan 'ademen'.Indien het antwoord is enorm, de energiebesparing kan worden wreder. Slechts 10 minuten, en zie wat er gebeurt. Ja, we zijn 10 minuten in het donker, we licht van een kaars en gewoon Wordt kijken, we inademen en onze planeet. Vergeet niet dat de unie is kracht en het internet kan zeer macht en kan Zelfs iets te groot.
aND SO oN...

Liberdade voaça


Um bando de pombos parte
Em voo da praça
Pelos telhados vermelhos
Entre chaminés e torres sineiras.

Transpostas as colinas verdes
Que dão cor à toalha água
Os pombos
Arrebatados
Em asas liberdade
Sobrevoam rápidos e coordenados
A toalha transparente
Que a cidade trespassa.

Mais ao longe
Asas em periscópio
Retornam a voar à praça.

Na praça
Poisam, repoisam e esvoaçam
Alegria tanta e liberdade tamanha
Que também a praça esvoaça
Animada pela voaça de um bando de pombos!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Fim ou princípio?

As balas disparam-se mais vezes do que era costume.
Os records de natação e de atletismo tombam como tordos.
Os vetos presidenciais são, de súbito, mais sensatos.
A ausência de outros vetos presidenciais é perigosa pois o "big brother" vigia, vigia, vigia...

Fim de Verão.
Princípio de um novo tempo?

Aquela que tem o olhar na janela


Estou na janela verde de minha casa.

Ao longe
O navio no mar transparece
O linho no seu porão
O azul do mar levanta-se sombra
Do azul das flores do linho.

Vejo o campo de flores azuis do linho
Estende-se azul e palha ao infinito.
Entre o verde janela e o infinito
Há um flutuar ondulado
Que em sussurro se abandona ao azul céu.

Eu estou no meio do campo
Num vestido de puro linho
E o meu vestido passa por dentro dos caules floridos
E a minha pele arranha-se
No trigueiro roçagar das fibras vegetais.
Sinto a frescura do vento matinal
Sacudir o orvalho dos caules coloridos
Sinto ser flor azul e verde janela.

Estou na janela verde de minha casa.
Não sou o mar
Nem sou o céu
Não sou azul flor
Nem verde janela

Sou aquela que tem o olhar na janela...

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

25 de Agosto de 1988








Faz hoje 20 anos, Lisboa acordou em sobressalto, ao som das sirenes dos carros de bombeiros.
O Chiado Estava a arder. Prédios inteiros foram destruídos pelas chamas, que lavraram durante cerca de oito horas pelas ruas do Carmo, Garrett, Nova do Almada, Ivens e Crucifixo, chegando também à Rua do Ouro, Calçada do Sacramento e outras artérias da Baixa.
O incêndio destruiu 18 prédios, fez dois mortos, 73 feridos, desalojou entre 200 a 300 pessoas e deixou desempregados cerca de dois mil trabalhadores.
A pior tragédia que assolou a cidade desde o terramoto de 1755 deixou para sempre marcas no coração da cidade, hoje completamente renovada.




domingo, 24 de agosto de 2008

O diabo à solta

Atravessaste o corredor daquele bruto hospital, já (muito) ausente do mundo que te rodeava.
Faz hoje um ano, meu Pai.
Nesse dia, o diabo andou mesmo à solta.
Dorme bem.
Até amanhã, à hora em que te beijarei a fronte.

O Diabo e a Diaba













As lendas, crenças e superstições populares fazem parte do
imaginário ou subconsciente colectivo das populações de norte
a sul de Portugal. Uma dessas superstições bem enraizadas nas
populações do Norte de Portugal é a de que o diabo anda à solta
na noite de 23 para 24 de Agosto de cada ano.
Perde-se na memória dos tempos a existência, na sacristia do
Convento Dominicano de S. Gonçalo de Amarante, de um casal de
diabos, a quem o povo no referido dia 24 de Agosto depositava
oferendas na cabeça do diabo e da diaba.
Em virtude das vicissitudes que sofreu ao longo dos tempos, este
casal de diabos faz na noite de 23 para 24 de Agosto uma viagem
pela cidade de Amarante comemorativa de uma sua chegada, muito
desejada, após forçado exílio na cidade de Londres.
Actualmente, o referido casal de diabos encontra-se despojado do
seu poiso sagrado, no Convento de S. Gonçalo de Amarante, e tem
um poiso cultural no Museu Amadeo de Souza-Cardoso.

Regresso a Howards End




De volta ao começo,
perto das fitas que me preenchem os vazios e os espaços em branco,
regresso intacto, incólume,
ao recanto do meu canto nono,
à paz dos marinheiros de água-doce,
esperando mais escolhos, mais sinais, mais cinzentos, mais magnólias no meu regaço...

Interrogação

"Saber muito das mulheres é ser capaz de expulsar delas sete
demónios; o resto é não saber nada." Agustina Bessa-Luís



E saber muito dos homens ... ?

Diamante


Foto de Sebastião Salgado


Um Hindu chegou aos arredores de uma aldeia e aconhegou-se para dormir, debaixo de uma árvore. Mais ou menos por essa altura, chegou a correr um habitante da aldeia que lhe disse, quase sem fôlego:
- Aquela pedra! Eu quero aquela pedra.
- Mas que pedra? - pergunta-lhe o Hindu.
- Ontem à noite, eu vi Shiva num sonho, e ele disse-me para eu vir aos arredores da aldeia, ao pôr-do-sol, que aí estaria um Hindu que me daria uma pedra muito grande e preciosa que me faria rico para sempre.
Então, o Hindu mexeu na sua trouxa, tirou uma pedra e disse:
- Provavelmente é desta que ele te falou, encontrei-a num trilho da floresta, há alguns dias, podes levá-la!
E acabando de falar entregou a pedra. O homem olhou maravilhado para a pedra. Era um diamante e, talvez, o maior jamais visto. Pegou, pois, no diamante e foi-se embora. Mas, durante a noite, o homem virava-se e revirava-se na cama, sem conseguir dormir. Ao romper do dia foi ver novamente o Hindu, acordou-o e disse-lhe:
- Eu quero que me dês a riqueza que tornou possível desfazeres-te de um diamante tão grande, com tanta facilidade!

Conto e lendas orientais.

sábado, 23 de agosto de 2008

View from the Dresden city Hall Tower



Richard Peter Sen

Sibila



«Quando aparecer o Anticristo, ele terá
exactamente a mesma aparência que Cristo.
Nessa época, haverá muita fome e o Anticristo
irá de terra em terra, dando pão aos pobres
E ganhará, assim, muitos simpatizantes.»

Lenda Siciliana.



"Porém, sobre a sibila desceu o poderoso espírito de vaticínio.

Os seus olhos sombrios começaram a arder, estendeu as mãos

para o céu e a sua voz alterou-se de modo que não parecia ser

a voz dela, tinha uma tal sonoridade e força que poderia ser ou-

vida no mundo inteiro. E ela proferiu estas palavras, que pare-

cia estar a ler por entre as estrelas:



«No alto do Capitólio será adorado o inovador do mundo,

O Cristo ou o Anticristo, mas não o Homem fraco.»



E ao dizer isto afastou-se por entre aqueles homens aterrori-

zados, desceu lentamente a encosta da montanha e desapareceu.

Mas no dia seguinte, Augusto mandou proibir expressamente

que o povo erigisse um templo em sua honra, no Capitólio. Em

vez disso, mandou construir nesse mesmo lugar um santuário

em honra do Deus-Menino, recém-nascido, e deu-lhe o nome de

«o altar do céu», Ara coeli."




Selma Lagerlöf, abertura e trecho de "Os Milagres do Anticristo"






They're Coming!
























Helmut Newton

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Subida da Montanha



Deambula-se pela montanha
Com a liberdade de uma águia
E a instintiva sabedoria de
Uma cabra montês.

Onde, no solitário deambular,
Não se desejar ter asas
Nem ser equilibrista
A montanha está vencida.

As pessoas e as pedras


Pequena sabedoria.
Eu sabia pouco de tudo. Ainda hoje sei muito pouco de tudo,
o que me causa embaraço quando vejo a tremenda bagagem de
conhecimentos que têm as pessoas. Se ouvirmos tudo o que se diz
nos autocarros, nas praias, nas repartições, ao fim do dia podía-
mos escrever uma enciclopédia em vinte volumes e até ter êxito
com ela. Não há nada de mais aceitável do que a pequena sabe-
doria, os amores confessáveis e as histórias de doenças.

Pessoas.
Gosto das pessoas como elas são e dá-me imenso prazer - cada
vez mais - ser agradável e gostar de quem não vale grande coisa.
De outra forma sentir-me-ia muito só neste mundo.

Agustina Bessa - Luís, Dicionário Imperfeito.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Jardim










As flores
As árvores
Os pássaros
As abelhas
As suas cores
Odores
Sussurros
E cantos
Fazem o meu jardim!
Fazem a minha Primavera!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Treze Maneiras De (Não) Colher Uma Rosa*



I
Colocam-se as mãos à volta da rosa,
sem lhe tocar,
para lhe roubar a forma,
das pétalas ao pé.

II
Toca-se na rosa com a boca,
até nossos lábios serem pétalas.

III
Aspira-se-lhe o perfume intensamente,
até substituir o sangue
em nossas veias por inteiro.

IV
Fecham-se os olhos,
e, como num sonho,
levamos a rosa para dentro
do nosso coração.

V
Embrulha-se a rosa no nosso olhar,
atada com os fios do vento.

VI
Atrai-se a rosa a um encontro,
num lugar secreto da nossa alma,
e não se deixa mais sair de lá.

VII
Olha-se a rosa fixamente,
e com o fio de aço do nosso olhar,
corta-se-lhe o pé.

VIII
Tira-se todo o jardim à volta da rosa,
para que ela venha até nós,
ferida de solidão.

IX
Captura-se-lhe a chama
quando a sua cor se confunde
com o poente ou o raiar da manhã.

X
Deixa-se que o crepitar da rosa
entre em nossa alma,
misturado com o sussurrar de uma seara.

XI
Faz-se-lhe uma emboscada
quando o vento da tarde
transporta o seu perfume
dum lado para o outro.

XII
Esperamos pacientemente
que se dilua no orvalho que a cobre toda,
e bebemo-la depois,
gota a gota.

XIII
Deixamos a rosa, livre, intacta,
para a podermos colher,
uma e outra vez,
com a avidez dos nossos sentidos.

ANTÓNIO SIMÕES
*Glosa do título de Wallace Stevens,
"Treze Maneiras de Olhar um Melro"

A Pantera


(No Jardin des Plantes, Paris)

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.

Rainer Maria Rilke

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Imagens fugitivas.



Evadir-me, esquecer-me, regressar
À fescura das coisas vegetais,
Ao verde flutuante dos pinhais
Percorridos de seivas virginais
E ao grande vento límpido do mar.

As imagens transbordam fugitivas
E estamos nus em frente às coisas vivas.
Que presença jamais pode cumprir
O impulso que há em nós, interminável,
De tudo ser e em cada flor florir?

Sophia de Mello Breyner Andresen, Dia do Mar

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Galeria. Retrato n.º 5. Ana



Evocação de memórias.
Curtos flashes.
Olhares de rua.
Olhares nas telas.
Um frente a frente
Lá muito atrás.
A memória a revolver-se activa
A reinventar-se
A reinscrever-se.
Os fios a entretecerem-se.

Vejo-a!
Uma Eva de aparência
Doce
Pacífica
Peremptória.

Rejeitando um paraíso de porcelana
Redondo
Ilusório
Cabalístico.

Rejeitando um paraíso
Onde o pecado não foi concebido.
E a humanidade
Não escolheu a liberdade.

Uma Eva que vê
Com os seus olhos
A génese das religiões
O inicio da tempestade
Que deslumbrou o Homem
Em mágicas sem transgressão.

Uma Eva que vê o embuste
Na leitura das linhas da mão
Nas histórias contadas
Sem a clareza das razões
Nos homens jogados fantoches
Contra o muro das lamentações!

A imensa tempestade
Que não pára.
Não dá trégua.
É a Visão da visão
Que teima em semear
Entre os homens
A auto-destruição.

A Ana de olhos brancos
E cabelos dourados
Ama a transgressão
Íntima
Silenciosa.
Os frutos suculentos
Carnudos.
A transparência dos afectos.

Ela sabe
Que não há povos escolhidos
Paraísos perdidos
Animais preteridos
Frutos banidos!

A Ana guarda-se
Resguarda-se
Intimiza-se
A reinventar os caminhos
Que nos deram a liberdade

Que nos fazem Humanidade…

domingo, 17 de agosto de 2008

A Língua lambe (À memória de Carlos Drummond de Andrade)



A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.

Douro





A majestade deste rio de ouro não precisa de legendas.
As imagens já aninham a alma!