segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Em terra firme

Que terra é esta?
Que doido feiticeiro deixa nos montes soalheiros, 
oliveiras, vinhas e sobreiros,
nos vales espalha, prazenteiro, o frio nevoeiro,
Mas dá as gentes que deles sobem a visão divina do dia verdadeiro?
 
(Foto e texto de MAP)

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Quase Natal

“entre mim e o meu silêncio há gritos de cores estrondosas
e magias recortadas dos sonhos que acontecem naturalmente.
eu sou a cama onde me deito, todas as noites diferente,
eu sou o sorriso estridente dos pássaros no céu todo,
eu sou o mar, o oceano velho a abrir a boca numa
gruta que assusta as crianças e os homens que conhecem o mundo.
eu sou o que não devia ser e rio, rio,
rio, porque sou puro, porque sou um pouco de alegria,
(…)
porque minha é esta esperança e esta vontade
de nascer em cada manhã, em cada rosto, em cada
fósforo acesso, em cada estrela. rio, rio, rio, porque meu
é o amor e o luto e a fome e todas as coisas
que fazem esta vida que não entendo e persigo.
eu sou um homem vivo a sentir cada pedra,
eu sou um homem vivo a sentir cada montanha,
eu sou um homem vivo a sentir cada grão de areia.
desordenadamente, eu sou alguém que é eu sem o saber,
entre mim e o meu silêncio há um desentendimento
esculpido nas flores e nas nuvens, rio, rio, rio,
eu sou a vida e o sol a iluminar-me.”

José Luís Peixoto, A Criança em Ruínas

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Os meus auditores

No dia em que, emocionalmente, dei a última aula a um grupo magnífico do cej. Recebi mais do que dei. E tenho consciência que dei muito! Ficaram as rosas e algumas lágrimas pelo chão e a certeza de que nunca me apartarei deles, agora noutro cargo, menos científico, mas com muita criatividade para explorar! Porque sei que vão ser GENTE!
Decisão do Desembargador José Luiz Palma Bisson, do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferida num Recurso de Agravo de Instrumento ajuizado contra despacho de um Magistrado da cidade de Marília (SP), que negou os benefícios da Justiça Gratuita a um menor, filho de um marceneiro que morreu depois de ser atropelado por uma motocicleta. O menor ajuizou uma ação de indenização contra o causador do acidente pedindo pensão de um salário mínimo mais danos morais decorrentes do falecimento do pai.
Por não ter condições financeiras para pagar custas do processo o menor pediu a gratuidade prevista na Lei 1060/50. O Juiz, no entanto, negou-lhe o direito dizendo não ter apresentado prova de pobreza e, também, por estar representado no processo por "advogado particular". A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a partir do voto do Desembargador Palma Bisson é daquelas que merecem ser comentadas, guardadas e relidas diariamente por todos os que militam no Judiciário.

Transcrevo a íntegra do voto:

“É o relatório.
Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro - ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia. Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna.
Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai - por Deus ainda vivente e trabalhador - legada, olha-me agora. É uma plaina manual feita por ele em paubrasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.
Desde esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos. São os marceneiros nesta Terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.
O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante.
Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.
Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular. O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do causídico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d'água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou.
Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos preconceitos...
Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir.
Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.
É como marceneiro que voto.
JOSÉ LUIZ PALMA BISSON - "Relator Sorteado”

domingo, 14 de dezembro de 2014

o mar em falta


"Quando a liquida ilusão
lhe sustentava o sonho
cruzava, fantasma irreal, oceanos à bolina.

Faltou-lhe o mar.
Pasmado o vento
sobram-lhe, pesadas e concretas, pegadas errantes
no areal molhado.

Espera, encalhado, 
uma maré de ressurreição..."
MAP (palavra e imagem)