segunda-feira, 31 de março de 2008

Certas Mortes, só em certas cidades (que o diga a Bond Girl de Casino Royal)






«Porém, aquele dia que começara de uma forma tão fogosa e festiva transformou-se miticamente. Donde viera aquela branda vibração subitamente tão suave e significativa, como se fosse um murmúrio das altas esferas, e que brincava com as suas têmporas e os seus ouvidos? Nuvenzinhas brancas dispostas em bandos no céu pareciam rebanhos divinos a pastar. Um vento mais forte levantou-se e então passaram os cavalos de Poseidon empinando-se e entre eles novilhos pertencentes ao deus dos caracóis azulados que corriam berrando com os cornos baixos. Entre as rochas de uma praia distante, as ondas saltitavam como cabras. Um mundo divinamente desfigurado, onde reinava o deus Pã, envolvia o homem fascinado e o seu coração fantasiava suaves fábulas»

In " A Morte em Veneza" de Thomas Mann

Volta


Porque há sempre algo que não dominamos, nem podemos nunca dominar, estive ausente uns dias...questões de saúde (não graves, se lhes interessa) quase superadas.

E constato, com alegria, que a Magnólia foi regada de forma sublime nestes últimos 4 ou 5 dias.

Um obrigado aos colaboradores e a todos os comentadores.
Um Abraço e Beijos meus.

Histórias (contadas e recontadas)

Reproduzo aqui, a pedido de várias pessoas, o post que o César publicou dois dias depois de dar dar início à Magnólia, oferecendo agora o vídeo da canção.
Trata-se da canção do grupo FEIST "La même histoire" e que encerra o superlativo filme "Paris je t'aime", realizado por 18 nomes, tantos quantos os bairros escolhidos de Paris.
A mensagem é una - estamos todos na mesma dança, vivemos todos a mesma história, mudem as línguas, os costumes, os deuses, os fusos horários, as cores ou as intolerâncias...

Procurem o filme e cheirem-no - sabe a magnólia!
Ouçam esta sonata dos tempos modernos - cheira a todos nós!

(...)
Life’s a dance
We all have to do
What does the music require
People are moving together
Close as the flames in a fire
...
Feel the beat
Music and rhyme
While there is time
We all go round and round
Partners are lost and found
Looking for one more chance
All I know is
We’re all in the dance!
...
Night and day
The music plays on
We all part of the show
While we can hold on to someone
We know life won’t let us go
...
Quel este donc ce lien entre nous
Cette chose indéfinissable?
Oú vont ces destins qui se nouent
Pour nous rendre inséparables?
...
O que é então que nos separa
Senão aquilo que por acaso nos reúne?
Para quê tantas idas e vindas
Neste caminho infinito?
...
On est toujours dans la même histoire
We’re all in the dance
Vivemos todos, no fundo, a mesma história…

(da C.)

domingo, 30 de março de 2008

O vento que embala as minhas asas

É assim que eu sonho os seus últimos dias.
Numa serena e arenosa praia sem nome.
Rodeada dos felizes restos da sua vida, tão grande, tão nossa...


As suas asas serão as minhas...

(da C.)

Dúvida

O que estarão ambos a ver?
Não sei.
Partilham a mesma expressão.
Partilharão a mesma emoção?!

Mãos

Mãos que anseiam
tocar
comer
liberdade
atenção
amor
cuidar.

Brincar de viver

De regresso a casa, depois de a velar mais uma noite, deixo a minha alma pender.
E ouço as antigas canções que sempre me tocaram, querendo tornar-me de novo pequena, só para ela, só por ela...
Esta é uma delas...
(C.)

sábado, 29 de março de 2008

A MAGNÓLIA


A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem a forma
o meu esplendor.

Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária, e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.

A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade.

um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.

Luiza Neto Jorge,
citada em "Rosa Do Mundo 2001 Poemas Para O Futuro"
Ed. Assírio & Alvim

Para o César e a Flor dos seus segredos

I

Só as tuas mãos trazem os frutos.
Só elas despem a mágoa
destes olhos, choupos meus,
carregados de sombra e rasos de água.

Só elas são
estrelas penduradas nos meus dedos.

- Ó mãos da minha alma,
flores abertas aos meus segredos.

II

Cantas. E fica a vida suspensa.
É como se um rio cantasse:
em redor é tudo teu;

mas quando cessa o teu canto
o silêncio é todo meu.

III

Quando em silêncio passas entre as folhas,
uma ave renasce da sua morte
e agita as asas de repente;

tremem maduras todas as espigas
como se o próprio dia as inclinasse,
e gravemente, comedidas,
param as fontes a beber-te a face.

IV

Somos como árvores
só quando o desejo é morto.

Só então nos lembramos
que dezembro traz em si a primavera.

Só então, belos e despidos,
ficamos longamente à sua espera.

V

Nos teus dedos nasceram horizontes
e aves verdes vieram desvairadas
beber neles julgando serem fontes.

VI

Não canto porque sonho.
Canto porque és real.
Canto o teu olhar maduro,
o teu sorriso puro,
a tua graça animal.

Canto porque sou homem.
Se não cantasse
seria o mesmo bicho sadio
embriagado de alegria
da tua vinha sem vinho.

Canto porque o amor apetece.
Porque o feno amadurece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
por vê-los nus e suados.

Eugénio de Andrade, As mãos e os frutos

Vigília

Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.
Fecha os olhos agora e sossega - o pior já passou há muito tempo;
e o vento amaciou; e a minha mão desvia os passos do medo.
Dorme, meu amor - a morte está deitada sob o lençol da terra […]

(Maria do Rosário Pedreira)
Da C.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Hinos à juventude


Jovem.

Supernova.


Outra Supernova.


Fogo de artifício.

**************

Brisa da Primavera!
Ruma à fonte da alegria,
no Jardim da Juventude
ao pé do rio tumultuoso
e leva novas aos jovens.
Diz-lhes que vivam ao sol.
Saboreiem os dias.
Oiçam suas melodias.
Tomem o perfume das flores
e se amem em seus amores.
Diz-lhes, também:
Que a juventude é apenas um dia de sol plebeu.
Um fogo de artifício que abre o céu.
Uma supernova que explode, brilha e arrefece.
Um sentimento da eternidade que enfraquece.
Para vós juventude neste dia que é vosso.

Quero-te agradecer

Nesta altura, sou eu os teus olhos - e pela voz que mais veneras, quero-te agradecer... só porque existes!
Tua C.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Tempestade


A tempestade fizera-se anunciar
ao nascer da noite
num inusitado céu estrelado.
Choveu dolorosamente até amanhecer.
A argila vermelha das arribas escarpadas
esvaíra-se toda a noite, como sangue.
O mar avançou para elas e lambeu suas feridas.
Pela manhã
o mar andava enroupado de areia
num tom azul dourado.
As ondas emergiam ao longe em quadrigas,
a espuma branca pegava-se às rodadas,
e corriam esbaforidas e sem pudor para o corpo da areia.
Fazia-se ouvir uma melodia em sol maior
louvando um amor selvagem.
As ondas orgásmicas explodiam na areia
em flocos de neve.
Quando o mar recuava,
deixando espuma e búzios depositados na areia,
outras quadrigas competiam
em novas e várias lonjuras para chegarem à praia.
Mais tarde,
o mar saciou sua luxúria.
Suas ondas pintaram-se de azul esplendor.
E ficaram prateadas e pequeninas a secar ao sol.

Os disfarces de Arlequim


Neste Dia Mundial do Teatro, quero deixar-vos um pouco de Brecht.
O poema que se segue é de um homem que fez teatro e pelo teatro se entregou à busca de compreender os fenómenos sociais que cantou como ninguém.
O poema é dedicado aos que viriam ao mundo depois da sua partida.
Eis o poema, chamado "Aos pósteros":

I
Realmente vivo em tempos sombrios.
A palavra ingênua é tola. Uma fronte lisa
Indica insensibilidade. Aquele que ri
Ainda não recebeu
A terrível notícia.

Uma conversa sobre árvores é quase um crime
Por que inclui um silêncio sobre tantos delitos?
Aquele que vai pela rua tranquilo
Não é mais acessível aos amigos
Que estão em necessidade?

É verdade: ainda ganho o meu sustento
Mas acreditem: é por acaso. Nada
do que faço autoriza que eu me sacie.
Casualmente fui poupado (quando minha sorte acabar
Estou perdido)
Dizem-me coma! beba! fique feliz por ter o quê!

Mas como posso comer e beber se
Tiro ao faminto o que comer e
Meu copo d'água falta a quem tem sede?
No entanto, como e bebo.

Gostaria também de ser sábio.
O que é sábio está nos velhos livros:
Afastar-me da briga do mundo e passar
Sem medo a curta temporada
Sobreviver sem violência
Pagar o mal com o bem

Não realizar os desejos, mas esquecê-los
É tido por sábio.
Nada disso eu posso:
Realmente, vivo em tempos sombrios!

II
Cheguei às cidades no tempo da desordem
Quando aí reinava a fome
Cheguei-me aos homens no tempo do tumulto
E indignei-me com eles.

Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.

Comi minha comida entre as batalhas
Deitei-me para dormir entre os assassinos
Tratei do amor sem atenção
E vi a natureza sem paciência.

Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.

No meu tempo os caminhos levavam ao pântano.
Minha linguagem denunciava-me ao carrasco.
Só pude pouca coisa. Mas esperava que sem mim
Os dominadores se sentassem mais seguros.

Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.

As forças eram escassas. O alvo
Ficava a grande distância.
Era bem visível, embora
Eu mal pudesse alcança-lo.

Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.

III
Vocês, que emergirão da maré
Onde nós soçobramos
Pensem
Ao falarem das nossas fraquezas
Nos tempos sombrios
De que escaparam.
Pois nós, desesperados, trocando mais de países
Que de sapatos, atravessamos as guerras de classes quando
Só havia injustiça e nenhuma revolta.
No entanto sabemos:
Também o ódio contra a baixeza
Contorce os traços.
Também a cólera contra a injustiça
Deixa a voz rouca.

Ah, nós
Que quisemos preparar o chão para a amabilidade
Nós próprios não pudemos ser amáveis
mas vocês, quando tiver chegado a hora
Do homem ajudar o homem,
Pensem em nós
Com indulgência.

Em tempo:
1º- Ao meu "irmão" P.D., no dia do seu aniversário.
Por vezes, até me esqueço que não não és do meu sangue!
2º- Tenho os olhos doentes e vou descansá-los por alguns dias. Reguem a magnólia por mim, ok?

quarta-feira, 26 de março de 2008

África




Pegando em mensagens infra. Para que não esqueçamos que a cor ainda faz diferença para muitos (demasiados) e que se sofre muito por causa dessa ignorância e atraso mental.

Pietá


Para mim uma das obras que melhor expressa a maternidade sofrida pela morte do filho.

De uma perfeição dolorosa.

Eva Negra


Eva Negra, aquela que comenta com nome de C.
Nascida no quarto dia do mês da Primavera.
Baptizada no vigésimo quinto dia do mesmo mês.
É como todos já sabem o sexto elemento deste “onze”.
É o único elemento que não escolhera nome na noite do T.E.C.
É uma mulher. Só.
De cabelo negro e corpo franzino.
Tem mãos e escrita de bailarina.
Na essência o seu sorriso é dúvida.
Na aparência é doce e desarmado.
A ela temos de nos dirigir com a convicção da nortada
e a doçura de uma mãe e dizer-lhe:
Não te julgues com demasiado rigor.
A persistência é a primeira semente da perfeição,
Esta vai-se construindo com os caminhos da vida.
Sabe que a vida também é mar tempestuoso
e dunas em mutação.

A defesa veste-se de negro

Preto ou Branco, era a questão!
...
No dia em que Rosa Parks, costureira negra de meia-idade, foi impedida de se sentar no primeiro lugar vago de um autocarro branco quase vazio, alguém gritou, sem ter tempo para falar: "Black is beautiful"
No dia em que dois negros se matricularam na Universidade de Alabama, um país tremeu nos seus frágeis e brancos alicerces espirituais.
No dia em a Ku Klux Klan reviveu um antigo terror, as forças do poder calaram seus tambores e falaram em neutralidade.
...
Houve reis que nunca usaram tiaras e que, em vez de trono, sentaram-se em púlpitos, decretando para o seu moreno povo as medidas de emergência que urgia tomar.
Porque será que ficou escrito que o Rei-Pastor - David - haveria de morrer?
...
Preto e Branco, para quê a questão?
....................................................................

Em tempo:
Bird York canta "In the deep" do filme CRASH (2004), um fantástico hino ao multiculturalismo

terça-feira, 25 de março de 2008

Março/Maio Desejo não tem Tempo





Nevoeiros...
Por causa deles, há muito algo escondido.
À espera de outras imaginações...

Desejo de Maio



Era Maio
ele atravessava de táxi
um planalto perto do Céu.
O seu destino era Monte Belo
lugarejo para si desconhecido
onde ia de férias ao campo.
Ele era novo. Muito belo e apaixonado.
Por uma mulher que conhecia
desde o nascimento do mundo.
A essa hora tardia ele desejava-a.
Sob o olhar das estrelas e a cumplicidade da lua.
Entre a urze e a esteva do planalto.
O homem do táxi meteu conversa de circunstância.
Ele cortou rente.
Ele queria ficar só, a deleitar-se na fogosidade do seu desejo.
A retirar os espinhos da Flor.
A equilibrar a sua saudade.
Ele sabia que a mulher do seu desejo era
arisca, áspera e fugidia.
E temia que nunca viesse a ser sua.
Enquanto espreitava a noite estrelada,
repetia baixinho como numa prece.
Eu sou tu. Tu és eu.
O meu desejo é o teu.
O nosso encontro está escrito no Céu.




Desencontros


Que língua estrangeira é esta
que me roça a flor do ouvido,
um vozear sem sentido
que nenhum sentido empresta?
Sussuro de vago tom,
reminiscência de esfinge,
voz que se julga, ou se finge
sentindo, e é apenas som.

Contracenamos por gestos,
por sorrisos, por olhares,
rodeios protocolares,
cumprimentos indigestos,
firmes apertos de mão,
passeios de braço dado,
mas por som articulado,
por palavras, isso não.
Antes morrer atolado
na mais negra solidão.



(António Gedeão)

Escrita na água


Diz-me o teu nome - agora, que perdi
quase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. Escreve-o na minha mão

com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,

como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria. E, antes de partires, pousa-o

nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.

Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim.
...
(poema de uma das minhas poetas - não gosto do outro substantivo - favoritas: Maria do Rosário Pedreira)

B.I.

Chegou a altura de desvendar um segredo.
Sou Magnólia por causa do que consta neste clip.
Porque é o filme da minha vida.
Porque acredito em sapos que tombam dos céus.
Porque acredito que tenho muito amor para dar.

E tudo começa ... com uma magnólia branca que abre, abre, até nunca mais fechar ou morrer.



Durmam bem.
Eu... vou com as aves!

Funeral blues



Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message
He is Dead.

Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;

I thought that love would last forever: I was wrong.
The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.

W.H. Auden

A mãe que lê

THE READING MOTHER
Strickland Gillilan


I had a mother who read to me
Sagas of pirates who scoured the sea,
Cutlasses clenched in their yellow teeth,
"Blackbirds" stowed in the hold beneath

I had a Mother who read me lays
Of ancient and gallant and golden days;
Stories of Marmion and Ivanhoe,
Which every boy has a right to know.

I had a Mother who read me tales
Of Celert the hound of the hills of Wales,
True to his trust till his tragic death,
Faithfulness blent with his final breath.

I had a Mother who read me the things
That wholesome life to the boy heart brings
- Stories that stir with an upward touch,
Oh, that each mother of boys were such.

You may have tangible wealth untold;
Caskets of jewels and coffers of gold.
Richer than I you can never be -
-I had a Mother who read to me.


Psico


A máscara de Columbina
não consegue esconder a cor dos teus brancos e loiros caracóis
...
Face a face,
não tens coragem para te calares
Colheste os morangos nada doces de tão silvestres
que alimentaram o ovo da serpente mais venenosa do nosso Ego
Tocaste a flauta encantada para pálidas marionetes
que só sabem sorrir em noites opacas de Verão
Entraste dentro de nós na hora em que os lobos uivaram
os caçadores fugiram da estepe
e os amantes adúlteros olharam para o relógio
e decidiram voltar para casa
...
O disfarce de Arlequim não consegue dissimular as tuas sentidas lágrimas,
as mesmas que vertemos quando decidiste partir para o sétimo Céu,
acompanhado pelo Michelangelo,
que contigo filmará infindáveis sonatas de outono e eclipses solares,
noutra tela, noutro palco, noutra pele...
...
("- Alexander, onde está Fanny?
- Dentro de mim!")

segunda-feira, 24 de março de 2008

Alice, Flor de Malvaísco


Alice
Era uma mulher indómita.
Deambulava de dia ou de noite por Jovim.
Andava sem destino firmado ou definido.
Comia quando os pobres se cansavam de a ver beber.
Vestia a roupa sem olhar o lado ou o tempo.
Saía igual com a virtude ou com a perversidade.
Encontrava-se muitas vezes com destinos trágicos
e engravidava frequentemente deles.
Sofria dores nunca contadas
ouvidas em gritos que rasgavam noites de bréu.
Perdera tudo.
Os pais que a tinham semeado.
O homem que a fizera flor.
Os filhos que gerara e não criava.
Desapareceu ela e a bebida que calava debaixo da saia
num dia frio de Dezembro.
Não a procuraram.
Os cães encontraram-na, num dia de Primavera
nos limites de Jovim
no fundo de um poço
rodeado de flores de malvaísco.


Missing

"Não chores por nós, Argentina
porque ainda não conseguiram romper nosso cordão umbilical!"

Ó mães de Maio,
Jacobo Timerman falou dos vossos filhos violentados
porque tinham menos de vinte anos
As vossas súplicas tocaram as mães dos outros filhos
que continuam, pacificamente, a jogar com o computador Joshua

Letras mortas de uma ode a um tempo que resta
os poetas foram os vossos corações

Marcas indeléveis de uma geração sem culpa
os vossos filhos foram as minas do templo
que urgia abafar antes que dessem horas certas

"Não chores por nós, Argentina,
Porque nós haveremos de voltar"

domingo, 23 de março de 2008

Piensa en Mi




Siempre me ha gustado mucho.

A face oculta da actual adolescência, ou como as adolescências se repetem


Arrebatado…


O dia aproximava-se... E ali estava eu com ela... Envolvido pelo verde dos seus olhos, preso no loiro do seu cabelo, dependente do seu discurso, preso no tempo... Era um prisioneiro conformado. A imensidão do universo rodopiava à minha volta... Estavamos num mundo à parte...O tempo que estivemos juntos não pode ser contado... Apenas recordado... Os tempos imemoriais estavam perto e a alegria rondava-nos... A conversa estava viva e era nossa... De mais ninguém...Tudo estava bem... O fogo da vida estava vivo, aceso como nunca, de um laranja forte e pragmático... A noite era nossa... Conheci a sua alma e pensamento e eram os meus... Tocávamos na mesma tonalidade e a dança que daí advinha era bela, arrojada e divertida, uma dança de Primavera em que a fogueira era rei e todos os outros apenas os seus súbditos...Eu estava feliz...

Para a AA ou Tweety
Maracujá.
Escrito pelo filho mais velho da Passiflora Maré, que tem 14 anos.

Ouvem-se violinos no meu pranto

Não resisti.
Acabei de ver, a esta hora sânscrita, o filme de Charles Dance "Ladies in Lavender" com duas actrizes extraterrenas - Maggie Smith e Judi Dench.
E o violino de Joshua Bell soou-me dentro do meu peito pela borda fora, nesta noite de passagem e de renovação.
Deixo-a também para os magnólicos, tal a beleza que dele irrompe.
É para vós...

Cristo parou em Eboli

Nesa noite de passagem, quero-me dirigir a Ti, que me tens suportado nesta vida, aguardando, em pleno, a tua Ressurreição em mim.


Era em alvo Novembro
A lua lá estava
Serena em seu deambular
E o vento (mais norte do que sul) acalmava, sem saber,
A fúria que irrompia do meu mar

Sombras mirabolantes eram a minha única companhia
Surdos sons emergiam do fundo do coração da cidade

Eu pensava...
até onde a minha imaginação não suportava
apesar dos avisos de que era perigoso fazê-lo

Caminhava ao longo da alameda branca e fria
que parecia cúmplice de qualquer passageiro da agonia...

Repentinamente, fazendo-se luz, Ele apareceu...
E fui tudo aquilo que não quis ser, num dia como aquele
Fiz tudo aquilo que não estava planeado fazer, nesta situação
Conti minhas secas lágrimas e... sorri para a cidade,
expulsando as sombras do meu caminho:
ardi em fogo brando e... vesti aquela túnica enluarada,
filha das nuvens e muralha do Tempo.

E, contudo, ainda era Novembro!

(Feito aos 17 anos, mantém a mesma actualidade em mim, talvez reforçada por um Amor ainda maior)


sábado, 22 de março de 2008

Dulcineia del Toboso

Dulcineia del Toboso
Moinhos de vento en la Mancha
"-Ó senhora minha Dulcineia del Toboso, extremo de toda a formusura, fim e remate da discrição, arquivo do melhor donaire, depósito da honestidade, e ùltimamente ideia de tudo quento há de proveitoso, honesto e deleitável no mundo; o que estará agora fazendo Tua marcê?, Terás porventura na mente o teu cativo cavaleiro, que a tantos perigos, só para servir-te, quis por sua vontade expor-se? Dá-me tu novas suas, ó trifronte Lua, que talvez a estejas agora mirando com inveja..."
(...)
No decurso da Ceia perguntou D. João a D. Quixote que notícias tinha da Senhora D. Dulcineia del Toboso: se casara, se estava grávida, ou se, estando ainda donzela, se lembrava, sem deixar de guardar a sua honestidade e decoro, dos amorosos pensamentos do senhor D. Quixote.
Ao que ele respondeu:
- Dulcineia está donzela, e os meus pensamentos são mais firmes do que nunca: as correspondências continuam na sua antiga escassez, a sua formusura....
Dom Quixote de La Mancha, Por Miguel de Cervantes Saavedra, Lello & Irmãos- Editores.

Guilherme Mãos de Tesoura


O dia nasceu aflito de incómodos:
naquela hora, há muitas luas atrás, no dia seguinte ao primeiro da primavera, ele nascera sem aviso.

Outrora, uma velha pitonisa dissera a sua mãe:
seria ele unguento na chaga
neve no deserto,
riso no pranto.
E teria tesouras nas mãos,
uma rosa vermelha na fronte
e um desassossego
na ansiedade das horas menos boas que teria de viver.

Chorava com a voz do riso de Charlot
Mordiscava a felicidade por entre os interstícios das boas memórias
e espalhava recados de escárnio e mal dizer
por entre os escolhos da Vida,
por entre os escorpiões mutilados
que lhe picavam a consciência...

Sentia-se desigual entre os seus pares - é que sempre tinha tesouras em suas mãos
rodeava-se de mar adentro
sofria pelas dores que não sofria
e paria as gargalhadas com que enfeitava as vidas dos outros

Por suas mãos passaram as luzes do mundo,
as neves de Klimanjaro,
os equinócios do Equador,
as touradas reais de Pamplona,
os jardins suspensos da Babilónia,
os palhaços mais encantados de Budapeste,
os chicotes incendiados de um certo Vice,
as alegrias mais sinceras do Limoeiro,
os consentimentos menos audazes de Neptuno,
os odores menos nobres deste povo,
os "viragom" engolidos perto do silêncio do horror,
as cançonetas mais dolentes da Europa,
as conciliações mais cansadas do Bolhão,
as virgínias mais insanas do condado,
as magas das regras ansiolíticas e quejandas,
o disco-sound mais mexido da Ria de Aveiro,
as cores mais negras do etíope,
os feiticeiros mais audazes de Oz,
os sete palmos da terra derradeira,
mil e uma rotas trilhadas com uma fátima esperança (e outras preces menos promissoras),
os desencontros incompreendidos dos Dom Quixotes e das Dulcineias,
o doce paladar da Torre Eiffel,
as amizades cosidas a ponto de ouro...

De repente, embalado pela profecia da velha cega dos búzios, ele parou.
Olhou em redor,
colheu as magnólias,
desceu do autocarro,
pousou a mala do infortúnio,
desfez os contratos de uma vida,
entregou as becas togadas de um gole só.
E rumou ao país das tesouras...

Mil anos, Eduardo, Guilherme, nome sem nome -
passou por nós uma brisa que me recorda que existes:
Assim eu pudesse murmurar ao teu ouvido quando precisas...

Em tempo:
O Gui celebra mais um aniversário, é verdade!
Quantos, ficam no segredo dos nossos deuses.
Para ele, as nossas mais brancas e puras magnólias,
os meus "twelve points" da Amizade,
um recado pela voz do Mestre Neruda - um outro nome para o meu Pablo (que bem poderia ser a sua):

e uma homenagem em tom de canção (aquela):


http://www.youtube.com/watch?v=32gbnsOGwkc

sexta-feira, 21 de março de 2008

A poesia, o amor e a santidade.


Neste dia de renovação e de ressurreição, venho falar-vos de poesia em Sophia (Maior) de Mello Breyner Andresen.


"A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a Santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias".

A já nomeada Sophia, em Contos Exemplares, Retrato de Mónica, Figueirinhas.

Asco


É o que sinto cada vez que visualizo o vídeo do momento - uma aluna agride uma sua professora que, legitimamente, lhe tenta tirar um telemóvel das mãos em plena aula.
Os colegas incitam à violência, gravam a cena com um outro telemóvel, chamam-lhe "velha", riem-se da sua possível queda e classificam esta cena com um""altamente".

Nestas alturas, dá-me vontade de concordar com o Gui (ver seu comentário a "Adolescência", post de 12/3/2008) e com o Vicente Jorge Silva de outras épocas (geração rasca esta!).

Venham agora os Sás deste mundo tentar justificar o injustificável!

No teu poema, Chico

Neste início de primavera, no dia maior dedicado à Poesia, a linguagem dos deuses, quero falar de Solidão...


Sejam como as primaveras - deixem-se cortar para voltar sempre inteiros, como a história de um certo Chico, poeta das mulheres, embalada por uma cantiga de cabaret...