terça-feira, 31 de março de 2009

Conto oriental


TZU-CHI: ENTRE AS FLORES

A luz no lago, de súbito, esconde-se atrás do muro,
Invadem o quarto os cheiros misturados de flores.
Na borda do biombo, o pó que a borboleta espalhou,
Na janela lacada, a mancha amarela da abelha.
Deixa esses papéis oficiais para os escriturários,
Há um criado para cada funcionário público honesto.
Vamos de cavalgada ouvir os poemas um do outro.
Que há de tão urgente nesses assuntos em que perdes o coração?

LI SHANG - YIN (812 - 858)
Chuva na Primavera e outros Poemas
trad. de José Alberto Oliveira.
ed. Assírio e Alvim, col.Gato Maltês

Vincent


A noite era estrelada.
Porque o seu pincel pairou sobre as tintas aguadas do céu inferno
E da luz fez aguarela,
mesmo sem guaches, sem tons de amarelo torrado, com uma orelha a menos...
A noite foi passageira
e o dia finou-se sem matizes de pastel, sem misturas, sem nuances e relógios perdidos.
Ele calou-se
pois pintou a sua alma gémea
e dormiu acordado, em tons de anil e roxo.
Até à próxima tela.
Até à liturgia das horas e das cores...

segunda-feira, 30 de março de 2009

Canção de Amor


Se estivesses a afogar-te, vinha acudir-te,

embrulhava-te num cobertor e dava-te chá quente.
Se fosse xerife, prendia-te
e fechava-te numa cela com aloquete.
Se fosses uma ave rara,
gravava um disco
e ficava a ouvir a noite inteira o teu trilo agudo.
Se fosse o sargento, serias a minha recruta,
e, rapaz, garanto-te, ias adorar a instrução.
Se fosses chinesa, aprendia a língua,
queimava pilhas de incenso, vestia roupas esquisitas.
Se fosses um espelho, invadia as “Senhoras”,
dava-te o meu bâton e punha-te pó-de-arroz no nariz.
Se gostasses de vulcões, seria a lava, em
irrupção contínua da minha secreta fonte.
E se fosses a minha mulher, era o teu amante,
porque a Igreja ao divórcio se opõe firmemente.

Joseph Brodsky, 1995© Cotovia (tradução de Carlos Leite)

O começo do Amor

Carson McCullers (1917-1967)

É isto. Ouve com atenção. Meditei sobre o amor, e esclareci tudo. Vi claramente o que está errado. Os homens apaixonam-se pela primeira vez. E por quem se apaixonam eles?
A boca macia do garoto estava entreaberta; e o rapaz não respondeu.
- Por uma mulher -- disse o velho. -- Sem ciência, sem nada que os sustente, entregam-se à experiência mais perigosa e sagrada desta terra de Deus. Apaixonam-se por uma mulher. Não é isto verdade, meu filho?
- É... -- respondeu murmuradamente o rapaz.
- Começam pelo lado errado do amor. Começam pelo mais alto. É para admirar a tão grande miséria resultante? Sabes como os homens deveriam amar?
O velho estendeu a mão e agarrou o rapaz pela gola da blusa de couro. Sacudiu-o suavemente, e os olhos verdes olhavam sem pestanejar, graves.
- Meu filho, sabes como o amor devia começar?
O rapaz sentia-se pequeno no banco, todo ouvidos, imóvel. E, devagar, abanou a cabeça. O velho chegou-se mais e segredou:

- Uma árvore. Um rochedo. Uma nuvem.

sexta-feira, 27 de março de 2009

O coveiro e o crânio de um legista


1º Coveiro
O tempo, sem que eu sentisse,
Em suas garras me enleou;
E comigo nesta terra,
Sem eu querer, me enterrou.

Faz saltar uma caveira.

Hamlet
Também aquele crânio já teve língua e também podia cantar, outrora; com que crueldade aquele patife o faz rolar pela terra juntamente como se se tratasse da queixada de Caim, o primeiro assassino! É muito capaz de ser a carcaça dum político, o crânio que este bruto tão maltrata; dum homem talvez que julgava brincar com Deus. Não é possível?
Horácio
É muito possível, senhor.
Hamlet
Ou talvez o crânio dum cortesão que poderia dizer:«bom-dia, meu querido senhor! como passais, meu venerando senhor?» Era - quem sabe? - o do senhor qualquer coisa que elogiava o cavalo de outro senhor qualquer coisa, sempre que tinha intenção de mendigar-lho; não será assim?
Horácio
É, meu senhor.
Hamlet
Sim, é isso mesmo; e agora ei-lo propriedade de Dona Vérmina; sem queixos, e mutilado no nariz pela pá dum coveiro... que transformação admirável para quem tem olhos de ver! Estes ossos custaram, pois, muito pouco a formar, porque apenas servem para jogar a bola. Doem-me os meus, só de pensar em tal...
1º Coveiro (canta)
Uma enxada e uma pá,
Um lençol, rico vestido!
Boa morada, uma cova!
Pode qualquer ser servido.
Faz saltar outra caveira
Hamlet
Mais outra! Quem sabe se será o crânio dum legista! Que é feito agora das suas subtilezas? das suas distinções? das suas espécies?
das suas conclusões? das suas ardilezas? Por que será que ele deixa este grosseiro mariola espancá-lo na carcaça com aquela suja enxada e não lhe intenta uma acção por ofensas corporais? Hum! este cavalheiro foi no seu tempo grande comprador de terras, com hipotecas, reconhecimentos, transferências, duplos fiadores, cobranças... Ora aqui está no que deu o trespasse dos seus trespasses, a cobrança das suas cobranças, para gozar a alegria de ter a carcaça cheia de lama tão bela! Não é verdade que as fianças duplas lhe não garantem outra coisa das suas aquisições, que não seja dupla posse em comprimento e largura dum espaço tão grande como um par de processos? Os títulos das suas propriedades mal caberiam nesta boceta; e para que precisa o proprietário de mais?
Horácio
Nem mais uma polegada, senhor
SHAKESPEARE, in HAMLET

quarta-feira, 25 de março de 2009

Caminhos traçados





Somos livres ou determinados ? (no sentido de determinismo, não de decididos ou convictos).
Traçamos que caminhos ? mesmos os escolhidos serão os nossos ?

Um homem qualquer

(roubado à R.)
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
(J.C.Ary dos Santos)

Kitsh



Esta noite apetece-me ser piroso.
Esta harmonia de vozes cativa-me.
Porque hoje sou eu... contra o mundo!

domingo, 22 de março de 2009

Mãe Negra

Enquanto a chibata batia no seu amor
Mãe Negra embalava o filho branco do sinhõ...

Guilherme Mãos de Tesoura - tamanho 46


Há um ano deixei-lhe escrito isto.
Aqui o reproduzo pois mais uma primavera conheceu o GUI.

O dia nasceu aflito de incómodos:
naquela hora, há muitas luas atrás, no dia seguinte ao primeiro da primavera,
ele nascera sem aviso.
Outrora, uma velha pitonisa dissera a sua mãe:
seria ele unguento na chaga
neve no deserto,
riso no pranto.
E teria tesouras nas mãos,
uma rosa vermelha na fronte
e um desassossego
na ansiedade das horas menos boas que teria de viver.

Chorava com a voz do riso de Charlot
Mordiscava a felicidade por entre os interstícios das boas memórias
e espalhava recados de escárnio e mal dizer
por entre os escolhos da Vida,
por entre os escorpiões mutilados
que lhe picavam a consciência...
Sentia-se desigual entre os seus pares -
é que sempre tinha tesouras em suas mãos
rodeava-se de mar adentro
sofria pelas dores que não sofria
e paria as gargalhadas com que enfeitava as vidas dos outros

Por suas mãos passaram as luzes do mundo,
as neves de Klimanjaro,
os equinócios do Equador,
as touradas reais de Pamplona,
os jardins suspensos da Babilónia,
os palhaços mais encantados de Budapeste,
os chicotes incendiados de um certo Vice,
as alegrias mais sinceras do Limoeiro,
os consentimentos menos audazes de Neptuno,
os odores menos nobres deste povo,
os "viragom" engolidos perto do silêncio do horror,
as cançonetas mais dolentes da Europa,
as conciliações mais cansadas do Bolhão,
as virgínias mais insanas do condado,
as magas das regras ansiolíticas e quejandas,
o disco-sound mais mexido da Ria de Aveiro,
as cores mais negras do etíope,
os feiticeiros mais audazes de Oz,
os sete palmos da terra derradeira,
mil e uma rotas trilhadas com uma fátima esperança (e outras preces menos promissoras),
os desencontros incompreendidos dos Dom Quixotes e das Dulcineias,
o doce paladar da Torre Eiffel,
as amizades cosidas a ponto de ouro...

De repente, embalado pela profecia da velha cega dos búzios,
ele parou.
Olhou em redor,
colheu as magnólias,
desceu do autocarro,
pousou a mala do infortúnio,
desfez os contratos de uma vida,
entregou as becas togadas de um gole só
e jogou a carta fatal...

E rumou ao país das tesouras...

Mil anos, Eduardo, Guilherme, nome sem nome -
passou por nós uma brisa que me recorda que existes:
Assim eu pudesse murmurar ao teu ouvido quando precisas...

sábado, 21 de março de 2009

Hoje alimentei-me de poesia


É uma escada em caracol
e que não tem corrimão
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa do chão.


Os degraus, quanto mais altos,
mais estragados estão.
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.


Quem tem medo não a sobe.
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
o lastro do coração.


Sobe-se numa corrida.
Corre-se perigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.
David Mourão-Ferreira

En medio de todo esto


En medio de todo esto,
los niños siguen arrojando
sus caídos dientes a la luna,
suplicando nuevos alfabetos de hueso
para nombrar la vida.

Julia Otxoa García
Espacio/Espaço Escrito Revista de Literatuta en dos lenguas
Números 17 y 18, Badajoz 1999/2000

Vulnerabilidades?



Reproduzo o texto do Pedro Ivo Carvalho publicado no JN de 20.03.2009.
Por mim....assino por baixo...sem contenções nem inibições.
A vergonha bate na cara de quem a feriu...

O juízo do juiz

Por mais que tente, por mais que me expliquem, por mais que leia e releia as normas do Código do Processo Penal, não consigo compreender como é que alguém que mata a mulher com seis facadas e o faz em frente à filha da vítima, uma criança de dez anos, consegue a proeza de não ficar em prisão preventiva. Por mais que me esforce, não consigo imaginar sequer o terror em que vive aquela criança ao saber que o padrasto pode visitá-la tranquilamente um destes dias, na Mexilhoeira Grande, Portimão, sabe-se lá com que propósito. Porque nem disso ficou impedido.

Os legalistas acharão a tese populista. Porque nenhum juiz age contrariamente ao espírito da lei. E, como tal, Pedro Frias - o juiz do caso - deve ter tido uma razão muito forte para não ter decretado a prisão preventiva do suspeito de um crime de sangue. Mais a mais, dirão ainda, o novo Código do Processo Penal veio diminuir a capacidade de os magistrados aplicarem a mais gravosa das medidas de coacção.

Desconheço os fundamentos da decisão do juiz Pedro Frias, mas não tenho dúvida nenhuma que o senso comum se inclinará a classificá-la, digamos assim, de demasiadamente permissiva. Porque beneficia o arguido e não a vítima (ou, se quisermos, prejudica duplamente uma criança que perdeu a mãe de uma forma bárbara). Neste caso, aparentemente, o crime compensou: a única obrigação do presumível homicida é apresentar-se diariamente às autoridades. E não ir, já agora, se não for incómodo, para muito longe do sol algarvio.

Por que é que isto acontece? Basicamente, porque o arguido soube servir-se bem da lei. Aconselhou-se devidamente com um advogado e, um dia depois de alegadamente ter cometido o crime, entregou-se às autoridades, cortando, assim, pela raiz a hipótese de lhe ser decretada a prisão preventiva com base no risco de fuga. Recebeu uma mera notificação para comparecer no tribunal no dia seguinte, mas só resolveu aparecer dois dias depois. Mesmo assim, o juiz endossou-lhe as chaves de uma liberdade muitíssimo pouco condicionada.

Pedro Frias é o mesmo juiz que não decretou prisão preventiva a um homem que disparou três tiros contra outro dentro de uma esquadra de Portimão, alegando, de acordo com os relatos transcritos nos jornais, que o agressor tinha agido emocionalmente. A vítima, essa, vive agora as emoções como tetraplégica.

Pedro Frias é o mesmo juiz que decretou prisão preventiva a um homem acusado de furtar um telemóvel e é o mesmo juiz que demorou pouco mais de uma hora a também ordenar preventiva ao desequilibrado que roubou um camião em Lagos, matou uma mulher e atropelou outras oito pessoas.

Servem estes exemplos, sobretudo o último, para fazer supor que não se está perante nenhum padrão comportamental e mais perante uma questão de estilo. Mas esta discricionariedade de juízos comporta múltiplos perigos: passa um sinal de impunidade para os criminosos, um sinal de impotência para as forças da autoridade e, mais grave do que tudo, um sinal para as vítimas de que se a lei dos tribunais não acaba com o seu sofrimento o melhor é enveredarem pela menos convencional mas mais certeira lei dos homens. No fundo, fazendo justiça pelas próprias mãos e não pelas mãos dos outros.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Celebrar o equinócio da Primavera


Vista cénica do sol poente na ilha de Naxos, arco de Apolo, mar Egeu.

Afonso Tiago...são muitos os que vão



A morte espreita em todos os lugares e, quase sempre, é estupida e sem sentido.
Porquê o Afonso tinha que morrer ? acidente seja, mas..porquê ? é assim a nossa vida...o destino dele é como o nosso...a qualquer momento, quando menos esperamos.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Conotações


Santo António do Zaire, 22 de Maio de 1973 - Petróleo! Escrevo a palavra, creio que pela primeira vez, e quase que me admiro de a não ver alastrar no papel numa grande nódoa negra e gordurosa. Há conotações assim.

Miguel Torga, Diário XII.

Há sempre alguém que parte - PARTE II


Obituário
Assim, de repente, noos últimos dias de Inverno... Eu gostava muito desta senhora!


Natasha Richardson (1963-2009)
17.03.2009



Os seus últimos papéis no cinema foram em "A Condessa Russa" (2005), de James Ivory, "Ao Anoitecer" (2007), de Lajos Koltai, ambos contracenando com a sua mãe, e na comédia juvenil de Nick Moore "Wild Child" (2008), e preparava uma nova montagem da comédia musical de Stephen Sondheim "A Little Night Music".
Da actriz Natasha Richardson, falecida ontem em Nova Iorque aos 45 anos, a primeira coisa que todos os obituários dizem é a sua pertença a uma das mais ilustres genealogias do teatro e do cinema britânicos.
Era filha da lendária actriz Vanessa Redgrave e do realizador Tony Richardson, um dos "angry young men" cinema inglês dos anos 1960, bem como sobrinha dos actores Lynn Redgrave e Corin Redgrave, e neta de Sir Michael Redgrave, um dos mais lendários actores ingleses do pós-II Guerra Mundial.
Mas o ilustre nome de família era para Natasha um albatroz à volta do seu pescoço. Apesar dos prémios que a sua participação em produções da "Gaivota", de Tchekhov, em 1985, e de "Anna Christie", de Eugene O'Neill, em 1992, lhe valeram, nunca conseguiu impôr-se em Inglaterra para lá do nome de família, e acabaria por se mudar de armas e bagagens para os EUA, em parte para fugir a esse albatroz.
Nunca hesitou em abandonar a representação por longos períodos de tempo para tratar da sua vida familiar - primeiro com o produtor teatral Robert Fox e depois com o actor irlandês Liam Neeson, com quem era casada desde 1994, após terem contracenado na Broadway em "Anna Christie" e no filme de Michael Apted "Nell" (1994).
Numa primeira fase da sua carreira, em finais dos anos 1990, participou numa série de filmes mais próximos daquilo que hoje se definiria como "cinema independente". Títulos como "Longe da Guerra" (1987), de Pat O'Connor, "O Rapto de Patty Hearst" (1988) e "Estranha Sedução" (1990), de Paul Schrader, ou "A História da Aia" (1990), de Volker Schlöndorff.
A aclamação que recebeu nestes títulos levou a alguns trabalhos de prestígio para a televisão por cabo americana - como uma adaptação de "Bruscamente, no Verão Passado", de Tennessee Williams, ao lado de Maggie Smith e Rob Lowe, ou o papel da esposa do escritor F. Scott Fitzgerald no telefilme "Zelda" (ambos 1993).
Retirando-se para tratar dos seus dois filhos pelo casamento com Neeson, passou a aceitar papéis mais irregularmente. No cinema, surgiu ao lado da estrela teen Lindsay Lohan em "Pai para Mim... Mãe para Ti" (1998) ou de Jennifer Lopez em "Encontro em Manhattan" (2002). No teatro, ganhou um prémio Tony em 1998 pela produção da Broadway do musical "Cabaret", dirigida por Sam Mendes, fez parte de uma das produções da peça de Patrick Marber "Perto Demais" (filmada por Mike Nichols com Julia Roberts e Jude Law) e recriou Blanche DuBois numa nova produção de "Um Eléctrico Chamado Desejo".
Os seus últimos papéis no cinema foram em "A Condessa Russa" (2005), de James Ivory, "Ao Anoitecer" (2007), de Lajos Koltai, ambos contracenando com a sua mãe, e na comédia juvenil de Nick Moore "Wild Child" (2008), e preparava uma nova montagem da comédia musical de Stephen Sondheim "A Little Night Music".
A actriz encontrava-se de férias no Canadá quando caiu na neve enquanto aprendia a esquiar, na passada segunda-feira. Embora se sentisse aparentemente bem e tenha regressado ao hotel pelo seu próprio pé, acompanhada pelo monitor e por um médico, queixou-se de dores de cabeça algum tempo depois e foi hospitalizada de urgência, acabando por ser transportada para os EUA na terça-feira, falecendo num hospital nova-iorquino na noite de quarta-feira
Nascida em Londres em 1963, Natasha Jane Richardson estreou-se no cinema em 1967, aos 4 anos de idade, como figurante em "A Carga da Brigada Ligeira", dirigido pelo pai, e no teatro em 1986 numa produção de "A Gaivota", de Tchekhov, dirigida por Charles Sturridge, ao lado da sua mãe e de Jonathan Pryce. Deixa dois filhos, de 13 e 12 anos, do seu casamento com Liam Neeson.

O dia deles


Nasci porque queria ser como o meu pai (Samuel Lin, 11 anos)
Um pai é alguém que pode fazer aquilo que te diz para não fazeres (Paul Raiche, 10 anos)
Um pai serve para fazer de borboleta na peça de teatro da escola (Robin, 11 anos)
.........................................................
Já diziam os maias:
Num bebé assenta o futuro do mundo.
A mãe deve segurá-lo apertadinho para que ele saiba que este é o seu mundo.
Mas o pai deve levá-lo à mais alta montanha para que ele possa ver como é o seu mundo.
......................................................................
Depois de obedecer à lei da natureza, um homem é chamado a ser sensato, gentil, paciente, amoroso, juiz, árbitro, pediatra, educador infantil, perito financeiro, consertador de brinquedos, fonte de toda a sabedoria, artista.
Por vezes, a ser PAI.
Aos vinte anos vestiu o fato da paternidade, enchumaçou os ombros, cresceu em altura, ficou com a voz mais grave para se adequar ao papel.
Nunca lhe vi a maquilhagem ou a cabeleira postiça quando lhe segurava a mão.
Com a exacta medida e compasso dos passos do pai
Anda o filho,
Ecos e entoações da voz de seu pai
Ouvem-se quando o filho fala.
Outrora quando a mesa era alta,
E as pernas da cadeira uma floresta
Ele absorvia o sorriso do pai e cuidadosamente imitava
a maneira como ele estava de pé.
Foi sendo exilado aos poucos, com orgulho e com remorso,
nalgumas coisas melhor que o seu pai, noutras pior.
Entre sonatas e canções de embalar cantadas em tom de firmeza e ternura,
e numa altura em que passou a ter capacidade para escolher, entre estranhos,
ele sorri com o sorriso hesitante de seu pai
E fala com a voz dele...
*******************************************************
Ao Pai J., meu herói...
Ao Pai que eu (ainda) não fui...

Natasha (1963-2009)




Tudo o que céu permite. E que nos tira. Deixou-nos hoje uma mulher do Cinema, caída num fatal salto de ski.
Tinha a minha idade.
E a do Gui.
Natasha Richardson era filha de Vanessa Redgrave e mulher de Liam Neeson.
A ela, eterna condessa russa, entrego uma magnólia rosa.
Decreto com força de lei: Hoje não quero mais más notícias...

As florinhas



Hoje fui visitar o seu canto.

Dos meninos e meninas que não podem viver com quem os gerou.

Com a marca da solidão acompanhada, olham-nos como quem quer partir connosco, sem passaporte e com apenas uma pétala de esperança, apta a se transformar em cristal fundido e em horas de lareira acesa.

Não é a sua casa. Mas pode ser durante algum tempo um porto de abrigo.

À entrada, o L. olhou-me com os olhos grávidos de ternura e disse-me, quase gritando:

- Ah, é o Harry Potter!

Obrigado L.

Serei o HP - o melhor elogio que alguma vez recebi - e o mais que tu quiseres.

E não esqueças - vai tudo correr bem com a tua mamã, ok?

Promessa de césar... e de alguém que "para aqui me mandou".

quarta-feira, 18 de março de 2009

O lugar dos amantes


Os amantes aparecem no verão, quando os amigos partiram
Para o sul à sua procura, deixando um lugar vago
à mesa, um bilhete entalado na porta, as plantas,
o canário, um beijo e um livro emprestado: a memória
das suas biografias incompletas. Os amigos
desaparecem em agosto. Consomem-nos as labaredas do sol
e os amantes que chegam ao fim da tarde
jantam e de manhã ajudam a regar as raízes das avencas
que os amigos confiaram até setembro, quando regressam
trazem saudades e um romance novo debaixo da língua.
Levam um beijo, os vasos, as gaiolas e os amantes
deixam um lugar vago na memória, cabelos na almofada,
uma carta, desculpas, e um livro de cabeceira que os
amigos lêem, pacientes, ocupando o seu lugar à mesa.
(Maria do Rosário Pedreira)

Fotografia de Grupo


Uma vez subi a serra de sintra até ao castelo dos mouros,
e tirei um retrato nas muralhas para que alguma coisa ficasse
desse dia, embora os mouros não estivessem lá. O que ficou,
por fim, fomos todos nós, olhando a objectiva que
alguém segurou, sabendo que não ia estar no retrato.Há
sempre voluntários para não entrarem na história: alguém
que sabe que é noutro lugar a memória, e que pouco importa
o facto de não ficar entre gente que se há-de perder com
o tempo, com a vida, com as distracções do mundo. Eu,
no entanto, o que lembro quando olho o retrato onde estou,
no castelo dos mouros da serra de sintra, são as tuas mãos
que seguram a máquina, e o teu dedo que carrega no botão
para tirar a fotografia. Talvez me tenha parecido mais simples
a subida até ao castelo por ter ido contigo, puxando-te
pela mão, enquanto o sol da tarde lembrava que há um
tempo próprio para subir ao castelo, pensando na descida;
e se não falámos de amor foi porque as subidas pelos
caminhos de terra obrigam a outras conversas, sobretudo
quando os ramos nos arranham os braços, e um silêncio
branco desce do céu com o meio-dia. "Que queres de mim?",
poderias ter-me perguntado. O amor, quando a tarde
ainda não começou a cair, confunde-se com o canto das
aves que só ali estão porque é campo, e não faltavam árvores
para os ninhos dessa primavera. Eu dizia-te: quero que venhas
comigo, até ao castelo, e segures a máquina para que todos
possam ficar na fotografia. "E eu?", dizes-me. Mas tu
já não fazias parte dessa história; e talvez tenhamos descido
sem a dificuldade que me fez segurar-te na mão, e puxar-te
para o castelo - agora que o retrato ficou tirado, sem ti,
embora depois disso, sempre que o olho, tu sejas a única
pessoa que eu vejo, através dos teus olhos que espreitam
pela objectiva, esperando que ninguém se mexa, para
tirar esse retrato onde nunca mais hás-de ficar.
in O Estado dos Campos de Nuno Júdice..Publicações Dom Quixote, Lisboa, Abril de 2003.

terça-feira, 17 de março de 2009

Ode a Visconti



Neste dia, em 1976, faleceu Luchino Visconti, o maior cineasta do mundo.
Fica aqui o requiem sobre um leopardo barroco, em Veneza vestido, fruto de uma morte entre a paixão e a violência, intruso solene de um tempo de decadência e glória, própria das mudanças de mentalidades e do sulco das revoluções...
Para sempre, ao som de Mahler.

Nada?


Fisicamente é preciso distinguir três coisas: o vácuo, o vazio e o nada. O vácuo é um espaço não preenchido por qualquer matéria, nem sólida, nem líquida, nem gasosa, nem plasma, nem mesmo a matéria escura. Mas pode conter (isto é se o conceito de conter, puder ser aplicado aqui) campos: campo elétrico, campo magnético, campo gravitacional, luz, ondas de rádio, raios X, ou outros tipos de radiação bem como outros campos e a denominada energia escura. Pode também estar sendo atravessado pelas partículas não materiais mediadoras das interações. O vácuo possui energia e suas flutuações quânticas podem dar origem à produção de pares de partícula e anti-partícula.

O vazio seria um espaço em que não houvesse nem matéria, nem campo e nem radiação. Mas no vazio haveria ainda o espaço, isto é, a capacidade de caber algo, sem que houvesse. No Universo não existe vazio, pois todo o espaço, mesmo que não contenha matéria, é preenchido por campo gravitacional, outros campos e pela radiação que o atravessa, de qualquer espécie.

No nada não existe nem o espaço, isto é, não há coisa alguma e nem um lugar vazio para caber algo. O conceito de nada inclui também a inexistência das leis físicas que alguma coisa existente obedeceria, dentre elas a conservação da energia, o aumento da entropia e a própria passagem do tempo. Sendo o espaço o conjunto dos lugares, isto é, das possibilidades de localização, sua inexistência implica na impossibilidade de conter qualquer coisa. Isto é, não se pode estar no nada. O nada é, pois, um não-lugar.

De acordo com o modelo padrão da Cosmologia (o Big bang), o Universo surgiu de uma singularidade primordial que, no instante zero, iniciou sua expansão, gerando tudo o que existe, inclusive o tempo e o espaço. Nesta singularidade estava todo o conteúdo de matéria-energia que existe. Antes, porém, não havia coisa alguma, nem vácuo, nem energia, nem leis físicas, nem espaço vazio para se ter alguma coisa e nem mesmo o tempo decorria. Era o nada.

Por definição, quando se fala de existência se fala da existência de algo. O nada não é coisa alguma, logo não existe. O nada é um signo, uma representação linguística do que se pensa ser a ausência de tudo. O que existe são representações mentais do nada. Como uma definição ou um conceito é uma afirmação sobre o que uma coisa é, o nada não é positivamente definido, mas apenas representado, fazendo-se a relação entre seu símbolo (a palavra "nada") e a idéia que se tem da não-existência de coisa alguma. O "nada" não existe, mas é concebido por operações de mente. Esta é a concepção de Bergson, oposta à de Hegel, modernamente reabilitada por Heidegger e Sartre, de que o nada seria uma entidade de existência real, em oposição ao ser.

Matematicamente o conceito de nada é equivalente ao de "conjunto vazio", que é o conjunto que não possui elementos, mas é um elemento do conjunto dos subconjuntos de um conjunto. Assim o "nada" seria um dos elementos do "tudo", ou do Universo. Esta concepção, aplicada à física, todavia, não possui base fenomenológica sustentável.


retirado da Wikipédia na net...sim, eu sei, nada demasiado intelectual.



Beijos (sentidos e com saudade) para a Passiflora (mesmo que ela não acredite).

Quem falou em Nada?


Nada, quem falou em nada?
Acaso a primavera não vos traz a carne incendiada?
acaso a luz solar não vos traz a alma encantada?
acaso o orvalho matinal não vos traz a pele refrescada?
Nada, quem falou em nada?
Acaso as aves,
as flores,
a seiva da terra
não anularam o nada?
Nada?
Nada!
Nada.
Acaso não querem partir de viagem
sem destino, nem nada?
Nada, quem falou em nada?

Nada

E que tal colocar aqui algo sem nada...nem imagem nem texto digno desse nome ?

Primavera


O sol vae esmolando os campos com bôdos de oiro. A pastorinha aquecida vae de corrida a mendigar a sombra do chorão corcunda, poeta romantico que tem paixão p'la fonte. Espreita os campos, e os campos despovoados dão-lhe licença para ficar núa. Que leves arrepios ao refrescar-se nas aguas! Depois foi de vez, meteu-se no tanque e foi espojar-se na relva, a seccar-se ao sol. Mas o vento que vinha de lá das Azenhas-do-Mar, trazia peccados comsigo. Sentiu desejos de dar um beijo no filho do Senhor Morgado. E lembrou-se logo do beijo da horta no dia da feira. Fechou os olhos a cegar-se do mau pensamento, mas foi lembrar-se do proprio Senhor Morgado á meia noite ao entrar na adega. Abanou a fronte para lhe fugir o peccado, mas foi dar comsigo na sachristia a deixar o Senhor Prior beijar-lhe a mão, e depois a testa... porque Deus é bom e perdôa tudo... e depois as faces e depois a bocca e depois... fugiu... Não devia ter fugido... E agora o moleiro, lá no arraial, bailando com ella e sem querer, coitado, foi ter ao moinho ainda a bailar com ella. E lembra-se ainda - sentada na grande arca, e mãos alheias a desapertarem-lhe as ligas e o corpête, emquanto ouve a historia triste do moinho com cincoenta malfeitores... Quer lembrar-se mais, que seja peccado! quer mais recordações do moinho, mas não encontra mais.


Ah! e o boieiro quando, a guiar a junta, topou com ella e lhe perguntou se vira por acaso uma borboleta branca a voar a muito, uma borboleta muito bonita! Que não, que não tinha visto; mas o boieiro desconfiado foi procurando sempre, e até mesmo por debaixo dos vestidos.


Como desejava poder ir com todos!


Não sabe o que sente dentro de si que a importuna de bem estar.


Teria a borbolêta branca fugido para dentro d'ella?


Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'

segunda-feira, 16 de março de 2009

Fábula


Um gato, em casa, sozinho, sobe
à janela para que, da rua, o
vejam.
O sol bate nos vidros e
aquece o gato que, imóvel,
parece um objecto.
Fica assim para que o
invejem - indiferente
mesmo que o chamem.
Por não sei que privilégio,
os gatos conhecem
a eternidade.

Nuno Júdice
Assinando a Pele, Assírio & Alvim, 2001

domingo, 15 de março de 2009

Penélope


Hoje desfiz o último ponto,

A trama do bordado.
No palácio deserto ladra
O cão.
Um sibilo de flechas
Devolve-me o passado.
Com os olhos da memória

Vejo o arco
Que se encurva,
A força que o distende.
Reconheço no silêncio
A paz que me faltava,

(No mármore da entrada
Agonizam os pretendentes).


O ciclo está completo
A espera acabada.
Quando Ulisses chegar
A sopa estará fria.


Myriam Fraga

Estou morto e escrevi sol




O CORPO ESPACEJADO
Perdia-se-lhe o corpo no deserto.
O corpo que dentro dele aos poucos conquistava um espaço cada vez maior, novos contornos, novas posições, e lhe envolvia os órgãos que, isolados nas areias, adquiriam uma reverberação particular.
Ia-se de dia para dia espacejando. As várias partes de que só por abstracção se chegava à noção de um todo começavam a afastar-se umas das outras, de forma que entre elas não tardou que espumejassem as marés e a própria via láctea principiasse a abrir caminho.
A sua carne exercia aliás uma enigmática atracção sobre as estrelas, que em breve conseguiu assimilar, exibindo-as, aos olhos de quem o não soubesse, como luminosas cicatrizes cujo brilho, transmutado em sangue, lentamente se esvaía.
Ele mais não era, nessas ocasiões, do que um morrão, nas cinzas do qual, quase imperceptível, se podia no entanto detectar ainda a palpitação das vísceras, que a mais pequena alteração na direcção do vento era capaz de pôr de novo a funcionar. Resolveu então plastificar-se.
Principiou pelas extremidades, pelos dedos das mãos e pelos pés, mas passado pouco tempo eram já os pulmões, os intestinos e o coração o que minuciosamente ele embrulhava em celofane, contra o qual as ondas produziam um ruído aterrador.
Luís Miguel Nava, revista Colóquio Letras, n.º 100, p. 116, Novembro de 1987

sábado, 14 de março de 2009

Estou vivo e escrevo sol


Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol

Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever sol

A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida

Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde.
António Ramos Rosa

sexta-feira, 13 de março de 2009

Egon Schiele





Porque a C (EN) sugeriu...e bem, porque são lindissimos.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Qual acordo, qual carapuça!

Ato?

Ou acto?

Escreverei sempre acto...

Viva a rebeldia das palavras.

A um (qualquer) ausente


Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste


O outro lado da violência



O meu nome É Luka.
Vivo no 2º andar.
Se ouvires barulho por cima de ti, não estranhes.
Mas sobretudo, não perguntes nada!
É que... eles podem vingar-se ainda mais em mim!

Violência Doméstica


O texto que segue é banal....preferia outro (que a paciência não me permite procurar...sim sou humano tenho limites em tudo, até no sarcasmo). Queria que se soubesse o mal que muitos de nós lhe fazemos...por demissão, por facilitismo, por ignorância, por herança cultural, por nada...olhemos a nossa vida doméstica e as culpas que lá existem.

"O
fim do Direito é a paz; o meio de atingi-lo, a luta. O Direito não é uma simples ideia, é força viva. Por isso a justiça sustenta, em uma das mãos, a balança, com que pesa o Direito, enquanto na outra segura a espada, por meio da qual se defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a impotência do Direito. Uma completa a outra. O verdadeiro Estado de Direito só pode existir quando a justiça bradir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança.”

Rudolf Von Ihering

terça-feira, 10 de março de 2009

A benefício de Inventário


Sempre pensei que o Paraíso, depois da minha morte, seria assim uma espécie de biblioteca...

JLB

A melhor maneira de acabar um poema




[CHARLES BUKOWSKI - nascido na Alemanha,de pai americano, foi para os Estados Unidos aos dois anos de idade e aí viveu e se fez homem, romancista e grande poeta - Um dia escreveu: Tenho um projecto- enlouquecer]



agora está sentada do outro lado da janela
como uma velha a caminho do mercado;
está sentada e observa-me,
transpira nervosa
pelos cabos eléctricos, nevoeiro, ladrar dos cães
até que de repente
eu bato no vidro com um jornal
como se matasse uma mosca
e podias ouvir o grito
por toda a cidade,
e depois partiu.
a melhor maneira de acabar um poema
como este
é ficar de súbito
em silêncio.


(obrigado, Amélia!)

segunda-feira, 9 de março de 2009

Creio. E vão 16 anos sem ela


Creio que já publiquei isto antes. Mas nunca é demais porque se trata de algo muito belo e porque se impõe uma homenagem agora que se aproxima a data da morte dessa poetisa sem igual..Natália
Creio nos anjos
que andam pelo mundo
Creio na deusa
com olhos de diamante
Creio em amores lunares
com piano ao fundo,
Creio nas lendas,
nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho
que falta mais fecundo
De harmonizar
as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno
num segundo,
Creio num céu futuro
que houve dantes,

Creio nos deuses
de um astral mais puro,
Na flor humilde
que se encosta no muro
Creio na carne
que enfeitiça o além

Creio no incrível,
nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo
pelas rosas,
Creio que o amor que tem asas
de ouro. Amén


Natália Correia

Um país chamado Mafalda



Eu queria ser feliz como um pássaro

E queria morrer num dia de inverno...


Obrigado, Mafalda, por aquele café da quinta, na minha Leiria Natal.
E pelo espanto das almas puras e pela gramática dos poemas que insiste em chamar apenas de letras de canções...
Para si, M., contadora de cantigas, uma magnólia escarlate e um chão de águas felizes!
Porque ainda há anti-vedetas em Portugal!



domingo, 8 de março de 2009

Meia lua


A lua decepcionou-me
Deixou de me lançar farrapos de prata
e escondeu-se do sol, com vergonha das suas luzes
Um gnomo - aquele que é meu de estimação - prometeu-me um quarto crescente de lua,
perante a míngua de lua que tenho tido
Mas esse quarto nunca me chegou porque a lua não quis nada comigo
Estou de mal com a lua
E ela em falta comigo
Mesmo de dia
mesmo quando a não vejo,
pasmada em cima de espantados arranha-céus
Estou cheio da lua
A partir de hoje, só falo com ela junto do meu advogado -
para que ela, implacável, não me troque as faces
e não me venda crescente por minguante,
cheia por nova
Prefiro as estrelas
apago-as com um sopro se me irritarem
e não me deixam remorsos
Se a virem, a ela, à lua,
digam-lhe, por fineza, que deixei de ter a cabeça nela
e que passei a embalar estrelas,
a enfeitar cassiopeias
e a mimar ursas menores
A lua decepcionou-me.
Mesmo.
Até ao perdão da próxima noite.

Tomar o gosto aos oceanos


E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

(David Mourão-Ferreira)

Mulheres/Origem do Mundo


Por mim, acho o quadro banal e até de mau gosto (que me desculpe o Colbert lá da tumba) mas está na moda e eleva as mulheres aos quintos do que quiserem...origem do mundo...aqui está...sem PSP de Braga ou de outro lado qualquer, e sem censura...entramos e saímos todos dali (fora as cesarianas)...é a origem em todos os sentidos..de chegada e partida...

Cherchez la femme!

Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele.
E o corpo doeu-me onde antes os teus dedos foram aves de verão
e a tua boca deixou um rasto de canções.
No abrigo da noite,
soubeste ser o vento na minha camisola;
e eu despi-a para ti, a dar-te um coração que era o resto da vida
- como um peixe respira na rede mais exausta.
Nem mesmo à despedida foram os gestos contundentes:
tudo o que vem de ti é um poema.
Contudo, ao acordar, a solidão sulcara um vale nos cobertores
e o meu corpo era de novo um trilho abandonado na paisagem.
Sentei-me na cama e repeti devagar o teu nome,
o nome dos meus sonhos,
mas as sílabas caíam no fim das palavras,
a dor esgota as forças,
são frios os batentes nas portas da manhã.
Maria do Rosário Pedreira


Dia 8.
Festejo santo.
Dia do feminino plural.
O singular, beijo cá em casa...
Às outras, a minha homenagem
de não mais precisarem de um dia.
basta-vos uma vida!