quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Treze Maneiras De (Não) Colher Uma Rosa*



I
Colocam-se as mãos à volta da rosa,
sem lhe tocar,
para lhe roubar a forma,
das pétalas ao pé.

II
Toca-se na rosa com a boca,
até nossos lábios serem pétalas.

III
Aspira-se-lhe o perfume intensamente,
até substituir o sangue
em nossas veias por inteiro.

IV
Fecham-se os olhos,
e, como num sonho,
levamos a rosa para dentro
do nosso coração.

V
Embrulha-se a rosa no nosso olhar,
atada com os fios do vento.

VI
Atrai-se a rosa a um encontro,
num lugar secreto da nossa alma,
e não se deixa mais sair de lá.

VII
Olha-se a rosa fixamente,
e com o fio de aço do nosso olhar,
corta-se-lhe o pé.

VIII
Tira-se todo o jardim à volta da rosa,
para que ela venha até nós,
ferida de solidão.

IX
Captura-se-lhe a chama
quando a sua cor se confunde
com o poente ou o raiar da manhã.

X
Deixa-se que o crepitar da rosa
entre em nossa alma,
misturado com o sussurrar de uma seara.

XI
Faz-se-lhe uma emboscada
quando o vento da tarde
transporta o seu perfume
dum lado para o outro.

XII
Esperamos pacientemente
que se dilua no orvalho que a cobre toda,
e bebemo-la depois,
gota a gota.

XIII
Deixamos a rosa, livre, intacta,
para a podermos colher,
uma e outra vez,
com a avidez dos nossos sentidos.

ANTÓNIO SIMÕES
*Glosa do título de Wallace Stevens,
"Treze Maneiras de Olhar um Melro"

2 comentários:

Anónimo disse...

tenho saudades do César

Anónimo disse...

Vá ler os posts antigos dele.