No
dia em que, emocionalmente, dei a última aula a um grupo magnífico do
cej. Recebi mais do que dei. E tenho consciência que dei muito! Ficaram
as rosas e algumas lágrimas pelo chão e a certeza de que nunca me
apartarei deles, agora noutro cargo, menos científico, mas com muita
criatividade para explorar! Porque sei que vão ser GENTE!
Decisão
do Desembargador José Luiz Palma Bisson, do Tribunal de Justiça de
São Paulo, proferida num Recurso de Agravo de Instrumento ajuizado
contra despach
o de um Magistrado da
cidade de Marília (SP), que negou os benefícios da Justiça Gratuita a um
menor, filho de um marceneiro que morreu depois de ser atropelado por
uma motocicleta. O menor ajuizou uma ação de indenização contra o
causador do acidente pedindo pensão de um salário mínimo mais danos
morais decorrentes do falecimento do pai.
Por não ter condições
financeiras para pagar custas do processo o menor pediu a gratuidade
prevista na Lei 1060/50. O Juiz, no entanto, negou-lhe o direito dizendo
não ter apresentado prova de pobreza e, também, por estar representado
no processo por "advogado particular". A decisão proferida pelo Tribunal
de Justiça de São Paulo a partir do voto do Desembargador Palma Bisson é
daquelas que merecem ser comentadas, guardadas e relidas diariamente
por todos os que militam no Judiciário.
Transcrevo a íntegra do voto:
“É o relatório.
Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido
vitimado por um filho de coração duro - ou sem ele -, com o
indeferimento da gratuidade que você perseguia. Um dedo de sorte apenas,
é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa
por natureza, não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito,
filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna.
Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai - por Deus ainda
vivente e trabalhador - legada, olha-me agora. É uma plaina manual feita
por ele em paubrasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de
trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que
cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas
que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os
que nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz lembrar,
sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e
tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem
existe mais - num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina
de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do
pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.
Desde
esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a
certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos.
São os marceneiros nesta Terra até hoje, menino saiba, como aquele José,
pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.
O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé
do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é
sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no
Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome
habitava, sinal de pobreza exuberante.
Claro como a luz, igualmente,
é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário
mínimo, pede não mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue
ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de
sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.
Por conseguinte um
deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar
contando com defensor particular. O ser filho de marceneiro me ensinou
inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e
ao revés a nele divisar um gesto de pureza do causídico. Tantas,
deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca
quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca
cheia d'água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em
riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me
proporcionou.
Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve
procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no
livro grosso dos preconceitos...
Enfim, menino, tudo isso é para
dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu
caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir.
Fica
este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com
ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.
É como marceneiro que voto.
JOSÉ LUIZ PALMA BISSON - "Relator Sorteado”