terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Breaking the waves


Não há ondas capazes de fazer calar a paixão que consome o olhar infantil de Bess.

Na velha Escócia, perto de solenes campanários sem sinos que repiquem ao som dos corações, ela e Jan são os amantes completos, as serenas tempestades que vão temperando a frieza daqueles velhos calvinistas que encomendam almas para o inferno como se pássaros fossem.

Poemas soletrados a duas vozes, estes dois paladinos do Sonho ainda conseguem ouvir Leonard Cohen, os mesmos sinos que naquela igreja não existem, as sonatas e as tocatas feitas da ternura das águas felizes que lhes irrompem dos corpos, os suores salgados com que confessam o seu amor recíproco.

Com o corpo parado nos interstícios da memória, Jan esmorece por não se lembrar do amor. Pede a Bess que lho traga servido pelas palavras dos corpos alheios, pela lembrança quente das cálidas noites vividas com aquela mulher diferente, que sabe ler as estrelas e falar com Deus. Pensando que, assim, insufla vida nas veias mudas de Jan, ela não hesita e entrega-se aos homens errados, marinheiros de mares incógnitos, donos de sexos iguais aos outros.

Nessa altura, e sem nunca despir as meias pretas com que se vestia para matar o desespero, Bess foi sacudida por um vendaval de preconceito, olhada como aquela meretriz de bairro negro e sujo que não se rende às penas.

Ninguém compreende o amor que aquela filha dos anjos sente por aquele intruso, ninguém sabe que ela morre para que Jan possa viver...

Na velha Escócia ainda acontecem milagres, ainda se podem ouvir os sinos do riso de Bess, naquelas noites em que as estrelas parecem tocar as almas, em que Deus responde a quem lhe pede ajuda, aceitando que, afinal, rezar é olhar para dentro de cada um de nós, um ir e voltar sem nunca sair do mesmo sítio - ufana e redentora, a lua ilumina o acordar de Jan que, ao longe e de olhos cerrados, ainda consegue ver Bess sorrir... Bess não morreu em vão - é que sempre existem silêncios inocentes!


São estas as ONDAS DE PAIXÃO que Lars Von Trier nos legou.

São ondas que não molham, só nos tocam... Para sempre, mesmo saídas do circuito comercial!


p.s. Não justifico o texto pois quero-o como as ondas - desordenado...

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