sábado, 22 de março de 2008

Guilherme Mãos de Tesoura


O dia nasceu aflito de incómodos:
naquela hora, há muitas luas atrás, no dia seguinte ao primeiro da primavera, ele nascera sem aviso.

Outrora, uma velha pitonisa dissera a sua mãe:
seria ele unguento na chaga
neve no deserto,
riso no pranto.
E teria tesouras nas mãos,
uma rosa vermelha na fronte
e um desassossego
na ansiedade das horas menos boas que teria de viver.

Chorava com a voz do riso de Charlot
Mordiscava a felicidade por entre os interstícios das boas memórias
e espalhava recados de escárnio e mal dizer
por entre os escolhos da Vida,
por entre os escorpiões mutilados
que lhe picavam a consciência...

Sentia-se desigual entre os seus pares - é que sempre tinha tesouras em suas mãos
rodeava-se de mar adentro
sofria pelas dores que não sofria
e paria as gargalhadas com que enfeitava as vidas dos outros

Por suas mãos passaram as luzes do mundo,
as neves de Klimanjaro,
os equinócios do Equador,
as touradas reais de Pamplona,
os jardins suspensos da Babilónia,
os palhaços mais encantados de Budapeste,
os chicotes incendiados de um certo Vice,
as alegrias mais sinceras do Limoeiro,
os consentimentos menos audazes de Neptuno,
os odores menos nobres deste povo,
os "viragom" engolidos perto do silêncio do horror,
as cançonetas mais dolentes da Europa,
as conciliações mais cansadas do Bolhão,
as virgínias mais insanas do condado,
as magas das regras ansiolíticas e quejandas,
o disco-sound mais mexido da Ria de Aveiro,
as cores mais negras do etíope,
os feiticeiros mais audazes de Oz,
os sete palmos da terra derradeira,
mil e uma rotas trilhadas com uma fátima esperança (e outras preces menos promissoras),
os desencontros incompreendidos dos Dom Quixotes e das Dulcineias,
o doce paladar da Torre Eiffel,
as amizades cosidas a ponto de ouro...

De repente, embalado pela profecia da velha cega dos búzios, ele parou.
Olhou em redor,
colheu as magnólias,
desceu do autocarro,
pousou a mala do infortúnio,
desfez os contratos de uma vida,
entregou as becas togadas de um gole só.
E rumou ao país das tesouras...

Mil anos, Eduardo, Guilherme, nome sem nome -
passou por nós uma brisa que me recorda que existes:
Assim eu pudesse murmurar ao teu ouvido quando precisas...

Em tempo:
O Gui celebra mais um aniversário, é verdade!
Quantos, ficam no segredo dos nossos deuses.
Para ele, as nossas mais brancas e puras magnólias,
os meus "twelve points" da Amizade,
um recado pela voz do Mestre Neruda - um outro nome para o meu Pablo (que bem poderia ser a sua):

e uma homenagem em tom de canção (aquela):


http://www.youtube.com/watch?v=32gbnsOGwkc

10 comentários:

Passiflora Maré disse...

Feliz aniversário GUI.
Espero que te vistas a rigor, como sempre o fizeste, aliás,e que rumes à noite a um qualquer restaurante que nos faça lembrar o nosso do Bairro Alto, e que nos leves a todos por companhia.
O César já te deu todoas as prendas que nós (11) te podíamos dar.
Só há um elemento, a Dulcineia, que podia HOJE dar-nos a todos uma prenda diferente. Mas ela teima, mesmo com a bela foto da Loren em não ter olhos nem ouvidos para o passado.
Será que ela sabe, da existência esplendorosa desta Magnólia, que se soletra em tom de amizade nunca renegada????!

Anónimo disse...

Ele é o tipo de homem que faz alguns estragos e assim sendo, PARABÈNS!
Deixo-te o SONETO DE ANIVERSÀRIO, do Vinicius.

"Passem-se dias, horas,meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envelhecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpera embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi:amiga minha,esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece."

Um grande BJ. e um dia belo.
C.

Anónimo disse...

Então e o aniversariante, não se digna vir aqui erguer a taça (do champagne virtual)?
C.

Anónimo disse...

O aniversariante está incontactável com a net.
Virá amanhã.

César Paulo Salema disse...

ele está incontactável.
amanhã ou 2ª feira ele responderá...

Anónimo disse...

Gui - deves ser um gajo porrreiro - também por teres um amigo como o César, que foi capaz de te descrever em poucas palavras mas que devem reunir em si tanto significado e tantas cenas de veida.
UM abraço anónimo do
ZM

Guilherme Salem disse...

Tardei, mas cheguei. Outras paragens me chamaram e me retiveram (paragens para lá do Marão, minhas orgens). Estou comovido e encantado pelos comentários que de deixaram. Estive quase para nem dizer nada, porque seria, e será, sempre pouco para o que me deram com as V. palavras. Obrigado César pelo texto, condensas-te em pouco tantas características, tantos episódios e tantas referências que fiquei mudo. Obrigado P.Maré pelas palavras ternas e pelas memórias boas daquele local do nosso Bairro Alto. Obrigado C. pelo Vinicius do meu encanto. Obrigado pelo poema e pela tua presença e voz. E obrigado ao anónimo ZM pelas suas palavras que me encheram de alegria. Obrigado e bebam, comigo, esta tça virtual do melhor champanhe. Sem vocês não seria, certamente, o que sou hoje. Beijos.

Guilherme Salem disse...

Alguns erros no comentário anterior..."origens" e não "orgens" (até parece que ia escrever orgias); "me" e não "de" deixaram; "taça" e não "tça"..e outras que hajam escapado eventualmente.

Anónimo disse...

Ah..finaly.
Ergamos a taça.
C.

Anónimo disse...

Já fora do dia certo, mas espero que ainda "em tempo", poiso hoje no ombro do Gui para beber um pedacinho do champanhe fresco que ainda vejo na sua taça (posso?).
Um beijo de ParaBéns.
F.S.