quarta-feira, 16 de abril de 2008

A vida é (mesmo) uma magnólia










Lanço pétalas de um grande filme.
De uma bíblia.

Raros filmes me deixam assim - com uma ponta de sol nos dedos, com uma melodia na alma, com o poder de ver um brilho especial no olhar dos outros - o tal inferno -, daqueles que me tocam todos os dias, que comigo privam, sem me tocarem, em todos os interstícios da existência, em qualquer esquina da grande cidade, em qualquer bar da última esperança, em qualquer beco de heróis e heroínas, em qualquer semafórico desespero citadino, em qualquer encontro de amantes em colchões de águas felizes...

Aquele polícia que vigia a minha normalidade e o meu sossego não é igual àqueles que vejo pelas praças, o jovem sábio dos concursos, suado, não urinado, pede uma chance de felicidade, disfarçada numa pergunta de enciclopédia, o vendedor frustrado, ex "little men tate", grita aos ventos o seu afecto pelo jovem empregado de bar e que tem tanto amor para dar e ninguém que o queira receber, o símbolo sexual de que Cruise se vestiu esconde um passado de doença atrás de um manual azul e rosa que elege o sexo como arma, o pai incestuoso procura, em fim de vida, a filha toxicodependente, como mais um desafio do concurso televisivo que apresenta, saturado, há 25 anos, o enfermeiro do magnata escolhe a melhor forma de dar vida à morte do cliente, o cliente sossega a culpa de anos num instante com o filho pródigo, a mulher do cliente admite um amor, fora de horas, com dias desencontrados e idades trocadas, ao som de soporíferos e calmantes capazes de lhe desculpar um casamento de conveniência.

Naquele dia choveu prata.
Em forma de bicho.
Acertaram-se contas passadas com os fantasmas de uma vida inteira, com os medos, com as outras noites mal dormidas e responsáveis por tanta errada opção de rumo...

Magnólia é um filme difícil de resumir.
O seu verdadeiro tema é o poder da culpa e do arrependimento na vida de pessoas comuns.
A corrosão da alma e a necessidade do perdão para algumas personagens é tanta, que a morte surge como único e tardio alívio.
A personagem de Jason Robards é o símbolo desta mensagem. É dela uma das melhores frases do filme: “A vida não é curta. Ao contrário, a vida é muito longa”.
Talvez isto explique a discutida cena final, pela qual até hoje Magnólia é lembrado, em que Paul Thomas Anderson, a partir de uma passagem bíblica contida no livro de Êxodo, impõe a todas as personagens, um psicadélico castigo dos deuses, procedendo à limpeza de todos os pecados e sugerindo, a final, a esperança na raça humana.

Que mais queremos do cinema?
E não é a vida isso mesmo?

No fundo... constantes decepções e eternas redenções
E por isso... é o filme da minha Vida!


7 comentários:

Anónimo disse...

liiiiiiiiindo meeeeeeeesmo.
A.

Anónimo disse...

SIM... a vida é afinal isso mesmo!!

Eu

Guilherme Salem disse...

Its not going to stop........mais uma vez disseste tudo sobre algo que nos diz tanto. Obrigado meu amigo.

Passiflora Maré disse...

Sim , O César disse tudo, só faltou a discussão ao vivo, para que a dialética tivesse sido mais intensa e algumas ideias adinatadas tivessem sido mais exploradas, por todos.

armando s. sousa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
armando s. sousa disse...

O César disse praticamente tudo sobre o filme, no entanto ontem no avião para Paris, surgiu-me uma ideia de abordar o filme de uma perspectiva diferente.

Tenho que o rever (a última vez que o vi foi à 5/6 anos atrás) este fim de semana e tenho que ler o capítulo do Êxodo sobre as pragas do Egipto, para ver se a minha ideia, tem pernas para andar.

Um abraço.

Anónimo disse...

Perdi este interessante debate ( as raízes começando a dar sinais de que nos querem soltar para sempre, pregam sustos).
De qualquer forma e como sempre, mais rica depois de ter lido todos estes comentários e o grande e final resumo sobre o filme de que se fala e que permanenemente paira em jeito de Magnólia.