terça-feira, 1 de julho de 2008

Barca de águas felizes


Deixei uma barca à deriva e
Pendurei-me na lua, em corda bamba de abismo
E esperei pela maré alta que viria do teu luar
A noite era de prata, o mar era de sargaço
Só tu tardavas...
Por momentos quis cair na água
Mas a lua não me quis perder
E tu que tardavas.
E a barca das ilusões, aquela que vive perto da dos amantes,
cobriu-se de um pano branco, exangue, solene
à espera da tua chegada.
E tu que tardavas em vir,
descoberta pela noite fora, envolvida pela noite dentro,
sôfrega do tempo que, afinal, nunca te dei...
Já passavam das quatro.
Quase à beira das oito.
E, nesse instante, senti que te tinha perdido:
que a barca nunca iria se encher do teu riso,
que a lua nunca iria vibrar com o teu pranto,
que o fio nunca iria quebrar-se pelo meu peso.
Foi nessa altura, perto do amanhecer mais tardio que alguma vez conheci,
que me deixei cair,
à espera que a barca não me amparasse a queda,
à espera que a lua não se zangasse, afinal,
à espera que tu tardasses ainda mais até nunca mais...
Nessa hora, a nona daquela noite,
levantei a âncora da minha ira
E, em silêncio, rumei para sul,
sem esperar pela gaivota esfaimada que todas as manhãs por ali irrompia, sem piedade,
sem atender à dor que a ausência das tuas águas felizes me fazia sentir.
Se um dia passares por esse fuso horário,
por esse pedaço de mar,
e por essa réstia de lua,
não perguntes por mim -
não deixei endereço e parti para parte incerta.
Se a barca aí ainda estiver,
recolhe o pano,
procura a lágrima,
enrola o fio de prumo que a lua tem para te oferecer.
E vai
Vai e não voltes.
Que eu... já não sou deste mar.

4 comentários:

Anónimo disse...

Para o vosso (e nosso) Mestre e para a sua (e nossa) C.:

«Se tanto me dói que as coisas passem
é porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisa do amor de eternizassem»

Porque o ano está a acabar,porque se aproximam as férias e novos (e ainda incertos) voos e por tudo o mais, deixo-vos esta mensagem pelas palavras de Sophia de Mello Breyner Andresen com aroma de magnólia em flor.

Eu

Anónimo disse...

Lindo de morrer

Anónimo disse...

Volto a dizer: isto é de mestre, mesmo...
A foto, as palavras, o feliz casamento.
Faz-me bem lê-lo!

Anónimo disse...

Mas a Barca dos Amantes continua a navegar e outras luas virão em que as águas voltarão a ser felizes e o pano içar-se-á de novo, num hino aos (dois ) amantes.

Bonito o texto.

BJ.
C(EN)