quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A criança em ruínas

Olhos viúvos de espanto
e sorriso titubeante perante a surpresa dos adultos -
o João Ninguém de toda a gente,
foi chamado ao foro que dizem ser seu
e pediu, com a voz tombada no olhar,
uma chance de pena só,
um voo planado sobre a felicidade dos outros.
Os adultos viram-no chegar e arrumaram as canetas e os tinteiros
E trataram de desarrumar os cabelos
e de desembrulhar os brinquedos de corda
que o João nunca tinha visto...
Subitamente, o João suspirou,
pegou na mão da mãe
e desceu as escadas daquele edifício sem flores
e pediu um sorvete de fambroesa,
repleto de lágrimas de nata
e soluços de amendoim,
correndo rumo ao parque
onde os outros ninguéns despenteavam os entardeceres
e se perfilavam em exército em busca da terra do Nunca,
onde os pedros voam, as fadas cintilam e as nanás têm nome de gente...
Os adultos arrumaram os cabelos, desfizeram-se dos brinquedos e voltaram, enfim, a tratar de coisas sérias...

" - quantas vezes apostaste na tua vida?
- Apostei a minha vida mil vezes.
- Perdeste tudo?
- Quando nasci, já era a escuridão"
"Sabes, estou muito cansado.
Apetece-me dormir até morrer..."
(José Luís Peixoto - a criança em ruínas)

1 comentário:

Anónimo disse...

E esta nossa teimosia ( a que chamamos tarefa) em os formatar a "ouvir o mesmo tambor", quando eles, nós sabemos, marcham a ouvir outros tambores?
Não dá para vacilar?
Eu vacilo...sempre, indelevel e angustiantemente.

Bj.

C(EN)