Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
gastamos as mãos à força de as apertarmos,
gastamos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Mas isso era no tempo dos segredos,
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros.
Já gastamos as palavras.
Quando agora digo: meu amor já se não passa absolutamente nada.
E no entanto,
antes das palavras gastas,
tenho a certeza que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus...
(Eugénio de Andrade)
4 comentários:
Sempre belo, este poema triste!
E há momentos,como este, em que nos sentimos tão esfrangalhados - os adeuses são tão pesados...tão sórdidamente insuportáveis...
Bj.
C ( EN)
Para os adeuses não há quase nunca mais palavras para além do silêncio.
O poema é lindo, mas porquê essa melancolia se, ainda, ontem comemorámos o 1º aniversário? Força amg César!
Bjs
Sem fôlego, silenciosamente
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