É tão suave a fuga deste dia,
Lídia, que não parece que vivemos.
Sem dúvida que os deuses
Nos são gratos esta hora,
Em paga nobre desta fé que temos
Na exilada verdade dos seus corpos
Nos dão o alto prémio
De nos deixarem ser
Convivas lúcidos da sua calma,
Herdeiros um momento do seu jeito
De viver toda a vida
Dentro dum só momento,
Dum só momento, Lídia, em que afastados
Das terrenas angústias recebemos
Olímpicas delícias
Dentro das nossas almas.
E um só momento nos sentimos deuses
Imortais pela calma que vestimos
E a altiva indiferença
Às coisas passageiras
Como quem guarda a coroa da vitória
Estes fanados louros de um só dia
Guardemos para termos,
No futuro enrugado,
Perene à nossa vista a certa prova
De que um momento os deuses nos amaram
E nos deram uma hora
Não nossa, mas do Olimpo.
Odes de Ricardo Reis - Fernando Pessoa.
2 comentários:
Belo efeito.O disfarce e tudo o mais.
Eu cá prefiro o Bernardo Soares...ou o Alberto Caeiro (tão simples, tão telúrico). Valha-nos a esquizofrenia disfarçada, ou a bi (tri?) polaridade do Pessoa para nos deleitarmos com todos quantos eram ele.
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