quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Que o Menino vos chegue são e salvo



Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez
homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que
ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano
e menino
Com o terceiro criou um Cristo eternamente
na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

(...)


Alberto Caeiro, excertos de Poema Oitavo de O GUARDADOR DE REBANHOS
BOAS FESTAS PARA OS MAGNÓLICOS E PARA OS COMPANHEIROS DE AVENTURA

4 comentários:

Passiflora Maré disse...

Obrigada, e muito boas festas!

AugustoMaio disse...

Um bom Natal a todos os magnólios

Anónimo disse...

Joyeux Noel à tous.
Chloé.

alfazema disse...

Lindo lindo lindo
É sem dúvida um dos melhores poemas de sempre.
Dito pela Betânia é ainda mais ternurento.
Obrigada César.