"Penso que enquanto visitamos uma sepultura temos pensamentos que são mais ou menos os pensamentos de toda a gente e, pondo de parte a questão da eloquência, não diferem muito de Hamlet a contemplar o crânio de Yorick. Parece-me pouco haver para pensar ou dizer que não seja uma variante de "ele carregou-me mil vezes às suas costas". Estar num cemitério faz-nos geralmente recordar como é tacanho e banal o nosso pensamento a este respeito. Podemos tentar falar com os mortos e sentimos que isso ajudará; podemos começar por dizer, como eu fiz naquela manhã, "Bom, Mãe...", mas é difícil não sabermos que é como se estivéssemos a conversar com a coluna vertebral suspensa no consultório do osteopata. Podemos fazer-lhes promessas, actualizar-lhes as notícias, pedir a sua compreensão, o seu perdão, o seu amor - ou podemos optar pela outra abordagem, a abordagem activa, arrancar as ervas, alisar o cascalho, passar os dedos pelas letras gravadas na lápide; podemos até baixar-nos e colocar as mãos mesmo acima dos seus despojos - tocando no chão deles, podemos fechar os olhos e recordar como eram quando ainda estavam connosco. Mas estas reminiscências, este recolhimento não mudam nada, a não ser o facto de os mortos parecerem ainda mais distantes e fora do nosso alcance do que quando conduzíamos o automóvel dez minutos antes. Se não está ninguém no cemitério para nos observar, somos capazes de fazer coisas muito loucas para que os mortos pareçam outra coisa em vez de mortos. Mas mesmo que que consigamos e nos emocionemos o suficiente para sentirmos a sua presença, não deixamos de nos vir embora sem eles. O que os cemitérios provam, pelo menos a pessoas como eu, não é que os mortos estão presentes, mas sim que partiram. Eles partiram e, por enquanto, nós não. Isto é fundamental e, por muito inaceitável que possa ser, facilmente compreensível".
Philip Roth
PATRIMÒNIO
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