terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Borrão de mim




Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.


Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.


Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.



Clarice Lispector

2 comentários:

Anónimo disse...

Acho que que imagem da Pontes foi propsitada para o poema, não?
Desculpa P., mass não consegui evitar uma gargalhada; lembrei-me logo do Gui e dos "gritos intergalacticos e estertores do Além " com que ele costuma mimosear a musa..
E por fala no Gui, faz falta a sua "pronúncia do norte" neste jardim....
Allôooo?

Bj.
C (e.n).

César Paulo Salema disse...

Estive hoje com ele. Ele não tarda chegará...