quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Marco ou marca?




Os marcos de correio faziam-nos acreditar que a cidade não era um deserto.
Tinham cerca de um metro e meio de altura e eram tão familiares que davam vontade de abraçar e assim apertar entre os braços todos os segredos que fielmente guardavam. Alguns deles eram os nossos, antes de partirem. A colocação da carta na sua misteriosa ranhura inspirava sempre um momento de excitação: e se do lado de dentro uma pequena mão tocasse a nossa, só para provar que o marco do correio tinha vontade própria e nos entendia?
A possibilidade desse toque de mão justificava que lhe pedíssemos especial cuidado com a nossa carta, seguramente a mais importante que tinha recebido nesse dia. Nunca se provou se o marco do correio tinha mãos, mas a partir de um certo dia, começou-se a desconfiar que tinha pés. Um a um, os marcos do correio vermelhos da cor das cerejas, dos rubis e das copas e ouros das outras cartas, foram desaparecendo. Parecia que os tiravam de noite, sem ninguém dar por isso. E eles, que durante toda a vida guardaram por algumas horas segredos, cheques, declarações de amor e de IRS, cartões de parabéns e de Natal, guardam também o segredo da sua desaparição. Foram substituídos por enormes rectângulos vermelhos de várias funcionalidades.
Duas bocas que lado a lado engolem com apetites diferentes cartas de correio normal ou de correio azul e internacional e uma minúscula boca que cospe selos e raramente está aberta. O seu aspecto maquinal e desumano faz-nos sempre desconfiar quando, certos de que não esconde uma mão, lhe confiamos uma carta: será que alguma vez ela vai cumprir o seu destino?
MJF

1 comentário:

Anónimo disse...

Marco do Correio
Já não existem muitos...mas ficaram para sempre na memória da nossa geração....

( bem ! depende de quem por aqui passar)

Tenho nome de Flor