quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Cena


I
um homem se sentou à mesa da frente
mais um dentre tantos outros:
com a pasta preta e sentado
não dá conta de que o olho
talvez tenha me olhado para se certificar
como de praxe faz em meio à sua função
de examinar documentos que redige

não seria exagerado, mas de relance pude ver
o modo como olha é o mesmo de quem olha
um certificado, dá por certo e carimba.
existe, sim, um carimbo nos olhos dele
segura o copo com quem agarra uma caneta
o leva à boca no jeito de passar e repassar papéis
e bebe tão forte como se na língua tivesse uma norma

II
a pasta preta o acompanha intimamente
com ela sobre as pernas e por entre os braços
a coloca tão fixa, numa posição tão certa
como uma filha carece de mãos paternas
para se erguer e, suspensa, ficar segura.
me observou por um instante - talvez desconfiado
de que meu rosto fosse um falso documento.
no entanto, eu não o olhava mais.

me restaram ali o chão e um pensamento.
quando me dei p’ra fora os vi seguindo:
o homem e a pasta preta.
andava carregando a alça num balanço de executar.

segurava como se estivesse voltando de um parque
voltando de mãos dadas à sua filha.
lá vão eles - tão dependentes – um dentro do outro
lacrados e perdidos num mesmo passo


Jefferson Bessa

2 comentários:

Anónimo disse...

Olhares...
Olhares escondidos entre os dois
Olhares soltos, brilhantes , desafiadores!
Sorrindo em sonhos...a calma persiste e insiste em cada olhar e vai disfarçado à procura do sorriso.

Bons olhares para todos

Tenho nome de Flor

Jefferson Bessa disse...

César Paulo, muito agradecido pela divulgação. Um prazer conhecer o blog. Li algumas outras postagens e gostei muito do blog. Parabéns. Estou seguindo.
Um abraço.
Jefferson.