sábado, 5 de fevereiro de 2011

Fingir que é luz


FINGIR QUE ESTÁ TUDO BEM




fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.



José Luís Peixoto

1 comentário:

Anónimo disse...

O tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias, como uma onda de uma tempestade a arrastar o mundo ...

José Luis Peixoto

Beijinhos GUI segui a sua leitura e também já gosto de ler José Luis Peixoto.

Tenho nome de Flor