sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Pudesse eu...

Pudesse eu morrer hoje como tu me morreste nessa noite

—e deitar-me na terra; e ter uma cama de pedra branca e

um cobertor de estrelas; e não ouvir senão o rumor das ervas

que despontam de noite, e os passos diminutos dos insectos,

e o canto do vento nos ciprestes; e não ter medo das sombras,

nem das aves negras nos meus braços de mármore,

nem de te ter perdido — não ter medo de nada.



Pudesse eu fechar os olhos neste instante e esquecer-me de tudo

—das tuas mãos tão frias quando estendi as minhas nessa noite;

de não teres dito a única palavra que me faria salvar-te, mesmo

deixando que eu perguntasse tudo; de teres insultado a vida

e chamado pela morte para me mostrares que o teu corpo

já tinha desistido, que ias matar-te em mim e que era tarde

para eu pensar em devolver-te os dias que roubara.



Pudesse eu cair num sono gelado como o teu e deixar de sentir a dor,

a dor incomparável de te ver acordado em tudo o que escrevi

—porque foi pelo poema que me amaste, o poema foi sempreo

que valeu a pena (o mais eram os gestos que não cabiam

nas mãos, os morangos a que o verão obrigou);

e pudesseeu deixar de escrever nesta manhã,

o dia treme na linhados telhados, a vida hesita tanto,

e pudesse eu morrer, mas ouço-te a respirar no meu poema.


Maria do Rosário Pedreira

2 comentários:

Anónimo disse...

Pudesse eu
Não vos deixar partir naqueles meses tão frios...
Deitar-me convosco num sono doce embalado pelas cantigas belas que me cantaram!
Cobrir-vos de beijos, de afagos e de doçura como me deram!
Pudesse eu hoje abrir os olhos pela manhã e contemplar-vos sem ter de imaginar os vossos rostos.
Não me deixavam ter medos ...protegiam-me sempre!
Penso nos dois todos os dias porque me fazem muita falta e me amaram como ninguém .

Tenho nome de Flor

César Paulo Salema disse...

sem palavras. Mesmo. Até ao nosso reencontro no nosso canto...