domingo, 18 de setembro de 2011

Uma pérola de filme - os disfarces do tempo



Os primeiros planos são postais.
O jazz volta a marcar presença. A fotografia suave e colorida ajuda a definir o tom num filme que começa como uma simples apresentação turística da cidade. Depois encontramos Gil Pender (Owen Wilson) e a sua noiva, Inez (Rachel McAdams). Há aqui personagens simples (o empresário republicano, o intelectual pedante, a menina rica que se fascina com amostras fáceis de cultura) e mais uma vez um actor que tem muito de desajeitado, como Woody Allen.


Gil é um argumentista de Hollywood desiludido e à procura de escrever o grande romance da sua vida. A literatura é o desígnio e a cidade por onde tanto gigante da cultura universal passou é também o fantasma de Gil. É um tipo nostálgico, enfadado com o presente, chateado consigo próprio e à procura de algo. À meia-noite em Paris, um Peugeut muito vintage apanha-o. E de repente ele está à conversa com o casal Fitzgerald (Scott e Zelda); Cole Porter a tocar ali ao lado. Fazemos com Gil a mesma viagem fantástica: encontramos Hemingway, T.S. Elliot, os surrealistas e Picasso e tudo aqui é sentido de humor certeiro.

Depois há um delicioso desplante: Gil à mesa com Dalí, Man Ray e Buñuel e a meio da conversa desabafa um simples “vocês são surrealistas”; Gil a sugerir a Buñuel uma ideia para um filme (OAnjo Exterminador) e Buñuel intrigado pela falta de explicação daquela que seria uma das suas grandes obras. Acima de tudo, Woody Allen parece mais bem-disposto do que nunca.

Aqueles anos 20, aquele próspero pós-primeira Guerra Mundial, são a tal “era dourada”. Gil fascina-se: pode mostrar o seu livro a Gertrude Stein ao mesmo tempo que entra em contacto, qual alienígena curioso, com um dos períodos mais intensos e especiais da história da arte. Afinal de contas os anos 20 de Paris tinham artistas de todo o lado, a criarem durante o dia e a festejarem à noite. E Gil lá está. Durante o dia, o enfadonho presente. À meia-noite volta a sorrir, apaixona-se pelo passado (inclusive por uma mulher do passado, interpretada por Marion Cotillard), e de manhã volta ao presente e à sua noiva que não compreende aquele fascínio.

Encontramos este espírito em todos nós quando olhamos para outras eras – ou apenas para a nossa própria infância – e decidimos que o que já foi é consideravelmente mais interessante do que o nosso tempo. Mas a lição não poderia ser mais simples: a vida nunca é simples, seja em que presente for. Eventualmente, Gil há-de encontrar o que precisa. A nós importa fazer esta viagem com ele. E vale a pena. Afinal de contas os saudosistas do realizador nova-iorquino vão sempre achar que ele já fez melhor – o que até é bem verdade.

Mas o presente também tem coisas boas, como esta comédia de Woody Allen, que é uma preciosidade.

Pedro Filipe Pina

Sem comentários: