quinta-feira, 16 de abril de 2020
Lucho (ode a Luís Sepúlveda)
Afinal, é sempre a mesma que nos acaba por matar.
Vem do mesmo lado,
oblíquo como a chuva.
Feita de trevas, cega-nos a vida.
Chamam-lhe Morte, morrida ou matada.
Lembrei-me dela porque hoje morreu um poeta,
nascido nos Andes e nas estepes chilenas,
quando as águias ainda voavam.
Não lhe perguntaram sequer se ia de vontade própria.
Infame esta sina de marcha para outro mundo,
sem o mínimo de contraditório.
Leva, agora, a estrofe da esperança
para, lá em cima, na nuvem nove, fazer o último repto ao demo que o manchou - «calas-me a pele mas não me calas as palavras que nunca te direi».
Partiu como uma gaivota.
E como alguém que, afinal, quer continuar a escrever romances de amor.
Era um gato feliz.
E voou.
sexta-feira, 3 de abril de 2020
A ira dos morcegos
PANDEMIA
(a ira dos morcegos)
*
Querem-se as máscaras de pano por toda a face
Afogam-se todos os tactos em soluções de álcool
Descansam os apertos das mãos que já não se dão
A madrugada é anunciada por números negros
O entardecer já não pertence aos amantes
Chegou a peste aos solavancos
Nesta paleta de vendavais
Em que se sente o toque das medusas, das andrómedas e dos morcegos
Já não se cantam as avé-marias
Porque as bocas estão presas por outras luvas
Porque os mortos são levados à terra sem hinos ou elegias
Dizem que a final vai tudo ficar bem
Que as andorinhas vão regressar de locais inauditos
Onde aprenderam a canção das primaveras,
Um nome mais próprio para os próximos verões malditos
Já não sei da minha rua
Já só sei da janela do meu quarto
Onde os dias fogem às noites e as noites se molham de dia
Ufano, como se cumprisse uma promessa, uma espécie de adeus
Levanto o alçapão do meu medo e grito bem alto, para lá das quarentenas:
- a falta que me fazem os meus!
PG
31.3.2020
a publicar em «COMO SE NÃO FOSSEM PEDRAS»
(a ira dos morcegos)
*
Querem-se as máscaras de pano por toda a face
Afogam-se todos os tactos em soluções de álcool
Descansam os apertos das mãos que já não se dão
A madrugada é anunciada por números negros
O entardecer já não pertence aos amantes
Chegou a peste aos solavancos
Nesta paleta de vendavais
Em que se sente o toque das medusas, das andrómedas e dos morcegos
Já não se cantam as avé-marias
Porque as bocas estão presas por outras luvas
Porque os mortos são levados à terra sem hinos ou elegias
Dizem que a final vai tudo ficar bem
Que as andorinhas vão regressar de locais inauditos
Onde aprenderam a canção das primaveras,
Um nome mais próprio para os próximos verões malditos
Já não sei da minha rua
Já só sei da janela do meu quarto
Onde os dias fogem às noites e as noites se molham de dia
Ufano, como se cumprisse uma promessa, uma espécie de adeus
Levanto o alçapão do meu medo e grito bem alto, para lá das quarentenas:
- a falta que me fazem os meus!
PG
31.3.2020
a publicar em «COMO SE NÃO FOSSEM PEDRAS»
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