sábado, 1 de março de 2008

Francisca




Junto ao velho portão da quinta,
ladeada pelo lilás florido de um Estio generoso,
salta ela com os seus trotes de amazona,
os seus laços de madressilva
e o seu odor a malmequeres.

Inventa índios que não vê,
salteadores que só existem nos pesadelos,
enredos de palmo e meio.
Banha-se na prata do luar mais cheio que encontrou,
joga à macaca com a pedra de xisto que encontrou a seus pés
e mistura o riso com o pranto dos seus heróis.

A alegria que sente por despentear o tio,
fazendo-o actor de mil e uma histórias de pasmar,
é a memória daquele Verão inesquecível
em que todos os gnomos a visitaram, sem aviso prévio.

Abre os braços como súplica,
no veludo azul claro que lhe amacia os cílios:
quer mais horas nos seus dias,
quer mais música no seu despertar
quer mais fadas madrinhas no seu entardecer
quer menos passos na nossa areia.


Sabes, Francisca,
a hora em que me despertavas em todas as manhãs do mundo
era o farol para onde quero dirigir meus ponteiros
minhas ânsias e meus ais.
Não apagarei nunca as bolas vermelhas, verdes e amarelas com que me pintavas a cara
para que, um dia, perto da 25ª hora,
possam saber que fui feliz
e tu, outro dia bem mais distante, me possas lá identificar e, enfim, reencontrar.

Nesse instante, continuaremos o jogo (inacabado, mas longe de imperfeito) do peixinho,
sempre à porta de um qualquer casarão
sob os lilases e as magnólias,
agora velados por Alguém que não nos chamará para dormir.

Levar-te-ei ao colo.
Velarei por ti.
Sempre!

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