segunda-feira, 10 de março de 2008

Há teatro no limoeiro


Imaginem 4 ventos em conversa.
Vadia.
Após uma função judiciante.
Escrevi isto (era a cena final) há 9 anos quando, num certo pomar, quis levar à cena algo de diferente.
Vieram os outros ventos – que não estes 4 – e deixaram-me isto em carteira.
Vai para a magnólia, pelo 11 que fomos e por tudo aquilo que os outros ventos nunca serão.

UM- Caiu a noite sobre esta função.
Em tudo o que fazemos, há sempre uma noite que cai...
Há que desmontar o espectáculo, há que desmontar as ideias
Apagar as luzes, recolher os destroços, arrumar as becas e as togas, ouvir as últimas alegações...

DOIS- Ouviram falar de voar, de navegar, de voltar

TRÊS- Conheceram as cabeleiras, os processos e as demandas

QUATRO- Viram nas mãos dos outros as tábuas dos mil e um mandamentos

UM- Glórias e misérias de um edifício centenário, de olhos por olhos, dentes por dentes, de veredictos e saneadores sem sombra de pecado

TRÊS- Viram-se naus submersas em conciliações que não se chegam a fazer, em acidentes que são sempre dos outros, em salários de fome, férias que apenas se gozarão no próximo Verão, faltas que apenas justificam o nosso apego à vida, feriados que não se guardam, trabalho à noite com a companhia da face oculta da Lua, trabalho àquelas horas pardas em que o sono se faz anunciar entre trombetas e pestanas solarengas e crianças de olhos redondos que ganham 3000$00 por semana e a quem são prometidas aquelas próteses, eco do que perderam entre moinhos de cimento....

QUATRO- Ouviram falar de crimes e escapadelas, cúmulos da nossa sociedade de estigmas, de furtos, roubos, falsificações, segredos de justiça mais mal que bem guardados, instruções, prescrições mal amadas e Procuradores em tom de despedida...

DOIS- Ouviram ecos dos saneadores, autênticos Cabos das Tormentas Civis da nossa lide diária, de embargos cinzentos e meios inteiros de prova, de acções, registos, perfilhações, causas de lidar ou de pedir, recursos capazes de provocar a ira dos deuses...

UM- Cantámos os hinos de Beijing e de Riade, sofremos com os riscos de mil e um infantes nascidos sem decreto, fomos apresentados a pais e mães capazes de bater com a porte e naqueles frutos de um soslaio de fugaz paixão vivia nove meses antes, escutámos o tédio quotidiano de mil casais divorciandos em busca do tesouro escondido em novas relações, em novas Primaveras...

UM- Dos trinta

QUATRO- Ou dos quarenta

TRÊS - E nesta viagem pelo rio abaixo, em busca das JUSTAS NAUS, rumo a comarcas tão diversas e tão iguais, iremos ver o sussurro da vida gritada às postas, mangas arregaçadas, naquele escrever de água que logo se apaga mas que subsiste na gramática dos vossos sentidos, convicções, julgamentos, acusações, admoestações, tentativas de conciliações...

QUATRO- Se navegar é preciso, um toque de emoções vindas das profundezas dos ventos e dos mares é sempre um ingrediente indispensável ao imprevisto, à loucura saudável e ao inconformismo de que também se vestem as vistas e as conclusões

UM – Um sistema é como uma cauda da verdade e essa verdade é como um lagarto – deixa-nos a cauda nos dedos e foge, sabendo perfeitamente que lhe crescerá uma nova num abrir e fechar de olhos

DOIS – Em qualquer aventura, o que importa é PARTIR, não é CHEGAR

TRÊS- Boa Viagem, e não se esqueçam a cauda que aqui deixaram e que ficou nas mãos deste canto de limoeiro...

(…)

QUATRO- Ó vento do Norte, que novas me trazes das minhas becas?

DOIS- Senhor, só vejo esperanças à espera de melhores dias

QUATRO- Ó Vento do Sul, já encerraram as audiências?

TRÊS- A Justiça nunca se fecha, apenas se reforma...

QUATRO- Ó Vento do Oeste, resta algo das minhas naus?

UM- Ó rei, só vejo caras novas, renovadas, sangue quente em água fria.
Mas ao longe, Senhor, vejo um homem e uma mulher que embarcam na última das barcas e que se escondem da boca do mundo para soltar o mais passional de todos os delírios de Amor...

QUATRO- Que fazer com estas naus, com estas gentes?
Deixo-as e deixo-os aos amantes...

UM- ... da vida
DOIS- ...dos ventos
TRÊS- ... das marés
QUATRO- ... das quimeras e das paixões

UM- Nós... vamos com as aves!.

(E deixam a cena os VENTOS um por um, ao som de "A Barca dos Amantes" de Sérgio Godinho)

Trabalho para o 11? Um dia?


19 comentários:

Guilherme Salem disse...

Sem dúvida...um dia. O 11 não morreu. Eu espero esse dia, ainda.

Anónimo disse...

Que animação o fim de semana deste blog! Polémico, até ...

Espero também entrar na conversa dos ventos, um dia. Lembram-se de naquele mesmo pomar se tentar levar à cena uma outra "peça", ao som da Sétima Legião?

F.S.

Anónimo disse...

Claro que me lembro. E das patas que precisavam de ter contactos extraterrestres com os poemas.
E do pinto gaivota, pois então! E do LL que era como Neptuno - consentia e nós deixávamos que ele consentisse...
Bons tempos!

Anónimo disse...

Ah, e esqueci-me.
Também me lembrei de ti, mas, para isso, não preciso de recuar no tempo!

Anónimo disse...

Bem. Cheguei agora e não posso acreditar que tu, ó GUi. me fosses lembrar as "patas". Ri a bandeiras despregadas e quase me ia magoando com os pregos.
Mas não me lembro do F.S.
Quanto aos ventos eu serei o vento que é Maré. Mas por favor não me deixem envelhecer muito. É que teho alma de adolescente e gosto de copro a condizer.

A D. que tem nome de flor e que ainda não domina bem este mecanismo.

Anónimo disse...

Pensando bem se F.S. for uma e não um talvez saiba quem é.
D.

César Paulo Salema disse...

P. O anónimo das patas fui eu e não o G.
Bem hajas por te teres rido.
É isso que eu quero - que rias... e muito!

Guilherme Salem disse...

Querida P. enganaste-te, mas poderia ser eu a lembrar as patas. Bem Hajas. Se te riste fico satisfeito e contente. Ri-te e apanha uma "pedrada"...beijos

Anónimo disse...

Cuidado com o SIS. "Pedradas";" o 11", etc.

Anónimo disse...

Esse 11...fiquei com saudades daquele aconhego que nos dávamos, no 11... e dos sonhos que também nos dávamos, no 11...
Bj.
C.

César Paulo Salema disse...

C.
Gostei de te ver por aqui.
Este espaço também é teu, não esqueças!
Não acham que é melhor registar este "11"? Está a ficar mítico!

Guilherme Salem disse...

C. volta e fica. Fazes falta. O 11 está quase completo. Que bom ler a tua passagem por aqui...quanto aos sonhos, ao aconchego....ainda existem para quem os queira. Nunca deixarão de existir. Tão bom ouvir-te.
Gui.

Guilherme Salem disse...

César...que tal registar o "11" ? tipo associação...ideia tola, talvez (de certeza)mas que me apeteceu espalhar. às vezes é bom espalhar as nossas tontices, idiotices e idiossincrasias. E os erros ortográficos que, porventura, existam.

Anónimo disse...

Gui,
Bem-ajas pelo "aconchego" (aquilo do ser bom ouvir-me...ouviste-me ?). Confesso que precisava ouvir-te para confirmar aquele sotaque...e assim confirmar-te...
Também não sei quem é o F.S. ( que tal uma dica?).
Bj.
C.
Bj. para a D.

Guilherme Salem disse...

C. ouvi-te...aliás ouço-te sempre que queiras falar. Não sei quem é F.S. Fada Sininho talvez....lembras ?´
Aconchega-te a nós. Vem aqui buscar o calor que queres. Que todos queremos. Bem vinda.

Passiflora Maré disse...

Dos seis que pertenciam ao 11 só falta a Dulcineia entrar no blog.
Gostei de ler C.
Gostei de te recordar.
Houve sempre distância entre nós.
E tu nunca pertenceste verdadeiramente a nada nem a ninguém.
Mas aos quarenta tudo é mais fácil!
Se vieres a aconhcegar-te nesta magnólia, se o Maestro assim o decidir,acolher-te-ei como a estrela mais distante do 11.
Uma espécie de estrela brilhante, mas mais fria e solitária.
Um beijo D.

Anónimo disse...

Também quero o 11! Pleeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeease

Anónimo disse...

Para ti, Maestro com nome de imperador aqui no blog e que continuas, por isso,"verso" e "anverso", um grande bj. e parabéns pela MAGNÓLIA.
Sabes que não foi esquecimento, mas os "absolutos" acabam por ficar fora das intermitências dos afectos...
Um bj. também para a F.S.

César Paulo Salema disse...

Os afectos, aqueles que nos deixam intactos na memória uns dos outros.
Avé...