sábado, 19 de abril de 2008

A janela


Dois homens, ambos gravemente doentes, estavam no mesmo quarto de hospital.
Um deles podia-se sentar na sua cama durante uma hora, todas as tardes, para que os fluídos circulassem nos seus pulmões.
A sua cama estava junto da única janela do quarto.
O outro homem tinha que ficar sempre deitado de costas.

Os homens conversavam horas e horas. Falavam das suas mulheres, famílias, das suas casas, dos seus empregos...

E todas as tardes, quando o homem da cama perto da janela se sentava, passava o tempo a descrever ao seu companheiro de quarto todas as coisas que conseguia ver do lado de fora da janela.

O homem da cama do lado começou a viver à espera desses períodos de uma hora, em que o seu mundo era alargado e animado por toda a actividade e cor do mundo do lado de fora da janela.
Ouviu dizer que a janela dava para um parque com um lindo lago. Patos e cisnes chapinhavam na água enquanto as crianças brincavam com os seus barquinhos. Jovens namorados caminhavam de braços dados por entre as flores de todas as cores do arco-íris.

Árvores velhas e enormes acariciavam a paisagem e uma ténue vista da silhueta da cidade podia ser vislumbrada no horizonte.
Enquanto o homem da cama perto da janela descrevia isto tudo com extraordinário pormenor, o homem no outro lado do quarto fechava os seus olhos e imaginava as pitorescas cenas.
Um dia, o homem perto da janela descreveu um desfile que ia passar: embora o outro homem não conseguisse ouvir a banda, conseguia vê-la e ouvi-la na sua mente, enquanto o outro a retratava através de palavras bastante descritivas...
Dias e semanas passaram.

Uma manhã, a enfermeira chegou ao quarto trazendo água para os seus banhos, e encontrou o corpo sem vida do homem perto da janela que tinha falecido, calmamente, enquanto dormia.

Logo que lhe pareceu apropriado, o outro homem perguntou se podia ser colocado na cama perto da janela. A enfermeira disse logo que sim e fez a troca.
Depois de se certificar de que o homem estava bem instalado, a enfermeira deixou o quarto.

Lentamente, e cheio de dores, o homem ergueu-se, apoiado no cotovelo, para contemplar o mundo lá fora. Fez um grande esforço e lentamente olhou para o lado de fora da janela que dava, afinal... para uma parede de tijolo!
O homem perguntou à enfermeira o que teria feito com que o seu falecido companheiro de quarto lhe tivesse descrito coisas tão maravilhosas do lado de fora da janela.

Ficou então a saber que o homem que falecera era... cego!

7 comentários:

Passiflora Maré disse...

Eu que sou uma pessoa de boa-fé não sei se a conclusão de que o homeme que falecera era cego.pode ser certa.
O Homeme que falecera, advinhando a angúsia do homeme que sobreviveu, podia querer a adoçar-lhe a vida com a sua imaginação.

Anónimo disse...

Mas aí é que está - apesar de cego, alegrou a vida do outro, fazendo-o ver algo que ele próprio não via...
Dái a beleza do conto.

Anónimo disse...

sempre achei que cego é tão só aquele que não quer ver...em todos os sentidos e situações.
Bj.
C.(EN)

Anónimo disse...

Cada um de nós deve aceitar o papel que nos está destinado no teatro da criação, imagindando que retresentamos, a cada instante e em todas as ocasiões o papel principal (que de facto é).
Contudo, nas angústias e nos momentos menos bons, sabe bem parar e deixar que Deus faça o papel de «ponto».

Eu

Anónimo disse...

A verdade é que, como já alguém disse, escapa-nos a possibilidade de escolher como vamos morrer, ou quando... só podemos decidir como vamos viver. Agora.

Eu

Passiflora Maré disse...

Aceito que nos escapa a possibiliade de escolher como vamos morrer, ou quando.
Mas defendo que toda a nossa vida deve ser vivida, também com o objectivo de aceitarmos esse facto com dignidade, esperança e como a derradeira experiência, que de facto é.

Anónimo disse...

Concordo inteiramente.

Eu