quinta-feira, 24 de julho de 2008

Meu fado, meu rosário





Ela vestiu-se das dores dos outros,
Calçou as luvas plásticas com que curava as suas feridas de alma
E aconchegou a filha única, amor supremo que a surpresa da vida lhe ofertou, em dádiva divina de um bem maior que o amor que a gerou.
O homem que amou não a mereceu, não a compreendeu,
Por isso, ele partiu sem deixar marca alguma nos sulcos dos seus caracóis, sem abrir página no livro da sua história...

Rumou ao Penedo, local de peregrinação quase diária,
E serenou os medos, os ais e os ares daquela Mulher que jaz deitada num leito de rosas,
ansiando pelo seu sorriso, o mais dolente do mundo,
à espera do sopro derradeiro que a faça, enfim, descansar...

Seu rosário, sufragar as moléstias que os outros não escolheram
Seu fado, vestir-se de rainha dona do baile embalado pelos seus próprios dedos, pelas suas próprias cores.

À noite, no silêncio do burburinho das injecções, dos mercúrios e das gazes,
despe-se da sombra do seu próprio eco
E dorme o sono dos justos, ensolarada pela brisa nascente que sabe ser sua, que sabe ser lua...
Até a um novo amanhã...

À R., com a nossa estima e gratidão
(C. e P.)

9 comentários:

Anabela Magalhães disse...

Li o texto enquanto escutava a música. Arrepiei-me.
Posso levá-lo para o meu blogue?

César Paulo Salema disse...

Autorização concedida.
Um beijo
CPS

Anabela Magalhães disse...

Thanks, César.
Tenho saudades da Passiflora na blogosfera.
Um beijo

armando s. sousa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
armando s. sousa disse...

O texto está excelente (vejo-o metaforicamente), com a "Meravigliosa Creatura", da Gianna Nannini, fica ouro sobre azul.
Esta menina, tem uma das vozes mais sexy's que conheço.

Um abraço.

Anónimo disse...

Anjos brancos ?

Bj.
C(EN)

R. disse...

"Houve um tempo em que julguei... que o valor do que fazia... era tal que se eu parasse... o Mundo à volta ruía..."!
Às vezes, é quando a nós nos parece finalmente óbvio que "Agora em tudo o que faço, o tempo é tão relativo, podes vir por um abraço, podes vir sem ter motivo"... que o Mundo finalmente entende que afinal não ruiu, mas estremeceu no segundo em que pensou que nos íamos...
Parabéns à R. e a todos os que vivem as pequenas coisas com a doçura e a serenidade das grandes conquistas, a todos os que brilham... e sorriem... até quando sentem a alma negra e lamacenta!
Ser feliz, muitas vezes, consiste em fazer acreditar aqueles que amamos que somos felizes. Não é uma mentira... é um acto de amor! E amar é já meio caminho andado na busca da felicidade!

Anónimo disse...

Um dia Shubert no Elogio das palavras interrogou-se « As palavras o que são? Uma lágrima dirá mais.» Hoje, ao ler este maravilhoso texto, escrevi a mais extensa prosa que alguem, alguma vez, redigiu. Um muito obrigada e, quanto ao sorriso, é fácil sorrir quando num leito de rosas de onde se espera partir não jaz morte mas sim vida. Um beijo,

M.Rosário

Avó Pirueta disse...

É pecado usar palavras em vão. Está tudo dito. E bem dito. Só posso dizer, como a finalizar uma oração, Amém.
Avó Pirueta