segunda-feira, 7 de julho de 2008

Volta pelo bairro.


As palavras saíam-lhe da boca
altas e frondosas como as árvores,
E o vento que soprava levava as palavras consigo
e deixava-as cair nas terras férteis
onde se multiplicavam e cresciam.
Eram essas palavras sonorosas,
pesadas e sumarentas como as laranjas escolhidas,
e nelas se comparavam as virtudes às flores,
e o vício à lepra,
e a vida inteira ao caudaloso rio
que fui, estreito e efémero,
tropeçando nas pedras e nos limos.

Recolhi-me no quarto com as palavras fervendo
nos ouvidos,

e aí me entretive a pesá-las,
uma a uma,
numa balançazinha que lá tenho.
Pesei-as, e arrumei-as nas prateleiras.
Aqui, a boca; além, as árvores frondosas.
Deste lado, a virtude; do outro, as flores.
Aqui, o vício; mais além, a lepra.
Aqui, o rio efémero; além, a vida.
e como a noite estivesse realmente agradável
saí, e fui dar uma volta pelo bairro.
Gedeão, António- Poemas Póstumos,
Poema da volta pelo bairro.

2 comentários:

Anónimo disse...

Belo poema, que pretende dluciar como devemos evitar comparar realidades incomparáveis.
E, como o poeta na sua posição ética ao vê-las comparadas as separou.
É mesmo assim, as palavras devem sempre ser pesadas antes de ditas, para que o vento as não espalhe e faça crescer e multiplicar com sentidos pesados, não rigorosos e lesivos, das palavras umas das outras, e das realidades ontológicas a que se reportam.
Obrigada.
Virei mais vezes.

Anónimo disse...

Belo poema, que pretende dluciar como devemos evitar comparar realidades incomparáveis.
E, como o poeta na sua posição ética ao vê-las comparadas as separou.
É mesmo assim, as palavras devem sempre ser pesadas antes de ditas, para que o vento as não espalhe e faça crescer e multiplicar com sentidos pesados, não rigorosos e lesivos, das palavras umas das outras, e das realidades ontológicas a que se reportam.
Obrigada.
Virei mais vezes.