quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Vila Madruga


Soprava um vento norte que enregelava os ossos.
Amélia olhou as nuvens carregadas de cinza, puxou o casaco de lã e fechou a janela devagarinho, como que a despedir-se do Verão e das suas memórias dele.
Dentro de casa ouvia-se o som das vagas a bater nas rochas e das gaivotas em terra, a piar sem sossego.
Amélia achou-se desconfortável, acendeu o lume na lareira da sala grande, e iniciou outra vez a leitura das páginas que escrevera sobre esse Verão, e as lembranças antigas que com ele vieram.
Há 32 anos atrás Amélia tinha casado com João.
Na época eram ambos muito jovens e estavam muito apaixonados.
Durante alguns anos viveram bem. Trabalharam muito. Conseguiram arranjar dinheiro para esta casa, de onde João saia para a pesca todas as noites, e onde regressava quase de manhã.
Amélia trabalhava num centro de enfermagem e cuidava das crianças, a Luísa e o Manuel.
Mas, tudo isso tinha sido antes da chegada do Inferno.
Um dia, dois companheiros de pesca caíram ao mar e nunca mais foram vistos.
Em Vila Madruga ninguém chegou a saber o que aconteceu.
Enterraram os mortos atirando flores ao mar e, desde esse dia, os companheiros que restaram nunca mais entraram na traineira nem seguiram os mesmos caminhos.
Desde então, João começou a beber, a perder-se nas tabernas e na casa da Marquitas Trigueira.
Em dias de tempestade ia pôr-se à frente do mar a olhar a lonjura, e voltava para casa com a violência das vagas...

3 comentários:

CLAP!CLAP!CLAP! disse...

nostalgia?

Anónimo disse...

È sempre assim, não há volta a dar: há sempre melancolia e tragédia nas pessoas com história dentro.

Bj.

C(EN)

César Paulo Salema disse...

E há alguma história sem gente dentro?