domingo, 20 de setembro de 2009

três coisas


A casa velha, um pássaro
E a noite pressentida
Não me largam os olhos,
Enchem o vão da porta.
Às vezes, tenho sorte:
Se as coisas não me largam
Uno-me bem, fingindo
Amá-las, e termino
Por violar as portas
E descer às raízes.
Percorro, então, aquilo
Como autor e senhor...
E, ao regressar, nos ombros
Nas mãos e no cabelo,
Venho coberto de oiro.
Como as abelhas loiras
De vencerem as flores.
Venho qual novo gama
Dos tesoiros da Índia.
Vale a pena, pois vale!
Mas aquelas três coisas
Não mostram as raízes:
Têm portas de ferro.
(É assim, muitas vezes)
E o seu tesoiro de oiro
Guardam-no lá bem fundo:
É só para os eleitos.
E eu fico nesta sombra,
Como rico sem nada,
Como novo Quixote
Ou como um rei sem reino.

O mar e as águias
Poesias de António Cabral

3 comentários:

DI disse...

A deliciosa delicadeza da imagem complementa o sentir despertado pelo poema numa articulação perfeita. Parabéns!

Anónimo disse...

Depois de uma longa ausência auto imposta não resisto ao comentário.
Entrei no momento certo e obtive a resposta necessária. Amei!
Com saudades...Aqui do fundo junto ao Ovelha.

Passiflora Maré disse...

Obrigada AP.
Gostei que tivesse achado a resposta que procurava.
Saudades do lado da neblina do Tâmega.

Obrigada DI.