sábado, 19 de fevereiro de 2011

Dos amores inacabados


O quarto estava ermo.
Mais só do que nunca.
A noite entrava sem ser convidada
por entre as sombras daquele canto.
A colcha velha pairava de dia e no breu
...como capa de vida,
como solstício daquela esquina
onde uma mulher e um homem - mais sós do que todos os outros -
se amaram outrora em segredo, em surdina...
Os lençóis e as marcas nele deixadas já foram lavados,
os vestígios desses toques clandestinos perderam-se no tempo.
O quarto continuava sombrio,
o soalho sabia à saudade dos pés que o pisaram,
os móveis em castanho rangiam à passagem das horas...

Muitos anos depois,
ela voltou ali.
Sentiu o quarto ermo
E cheirou o perfume dele -
à pele curtida do suor que caíra sem aviso,
ao não que então dele ouvira,
quase sincero, quase solene...

Muitos mais anos depois,
ele voltou ali.
Cheirou o soalho molhado pela escuridão
E sentiu a presença dela -
o sim que ela esperava,
a resposta inesperada,
a felicidade adiada...

Ainda hoje quando ali volto,
o quarto continua ermo,
e de janela aberta,
até que outros nele queiram entrar,
na cama se deitar,
e tentar contar outra história...

Naquele quarto ermo, havia prisões e janelas abertas.
Portas sobretudo fechadas, com o maior dos despudores.
Havia olhos felinos, memórias de negro, rubis e ametistas de chibeque.
Não sei a maioria dos nomes das mulheres.
Nem dos homens.
Não os quero saber.
Quero-os vagos, imprecisos, voláteis, numa escrita de água que logo se apaga quando se constrói.
Os nomes dos reis e rainhas - porque Artur é nome de rei e Regina de rainha - ficam guardados no baú da memória daquele quarto ermo.
Cedo, mais cedo do que se supõe, haverá um outro passo errático que ali se dirigirá,
ali se deitará, ali amará, ali perecerá...
E no mural da parede dos fundos ficarão mais rostos projectados à espera de um perdão!

1 comentário:

Anónimo disse...

Gosto desta cumplicidade.
Fica bem

Tenho nome de Flor