segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O meu ébano


Paulo atingia o meio século naquela noite solarenga em que conseguira reunir os seus três filhos no seu faustoso solar de Cascais.

Naquela sala, estavam alguns dos seus colegas de armas, solidários naquele capim africano, de uma Luanda plena de mil cuanzas.

Recebia-os como se fossem irmãos.

De um outro sangue.

Mais verdadeiro.

Ao som da última badalada da meia-noite, ele recordou Flora, uma mestiça que conhecera na primavera das savanas e que amara no calor luxuriante dos trópicos.

Na mesma noite em que o seu camarada João tombara morto na lama colonial de uma guerra que nem sempre entendera, Paulo soubera que havia um filho parido no ventre de Flora.

Com medo da sua juventude, optara por esquecer essa negra impala e regressar ao continente.

Um neto ligou a televisão e logo se viram imagens de um Ministro da Justiça de Angola, discursando com a voz de fogo.

A marca negra no topo da sobrancelha direita do palestrante, a mesma de todos os primogénitos da família de Paulo, não deixava margem para dúvidas. Nesse instante, viu Flora nos olhos daquele político e releu a antiga paixão.
Sem hesitar, Paulo tomou uma decisão.

Irrevogável.

Com o balanço das onças africanas, humedecendo o coração com o cacimbo do entardecer, fechou-se no quarto e telefonou para o seu advogado - era chegada a hora de mudar o seu testamento e deixar entrar mais uma ave de ébano na sua existência.

Por amor a Flora.

Para dar sentido a essa guerra...

1 comentário:

Anónimo disse...

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra , desce com ela...
...

Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?

...

Os teus meninos cresceram
e esqueceram as histórias
que costumavas contar

( Presença Africana poemas 1966).

Tenho nome de Flor