terça-feira, 27 de março de 2012

Breve encontro

 
 
David Lean, o realizador de grandes épicos, filmou com dificuldades, em pleno auge da II Guerra Mundial, na Inglaterra, este pequeno enorme romance, baseado em uma curta peça teatral. Poucas vezes algum cineasta conseguiu ser tão sensível e genuíno ao falar de paixão. Breve Encontro é um trabalho praticamente perfeito sobre o tema e, já que o mundo evoluiu de maneira desconexa de lá para cá e os romances reais já não são tão românticos, o filme pode ser considerado facilmente um dos melhores que o seu género já viu até hoje.
Breve Encontro remete a tempos onde a traição conjugal era considerada algo sujo e sórdido, muito mais do que hoje em dia. Ao mesmo tempo em que os encontros furtivos de Laura e Alec eram excitantes e divertidos, a sensação ruim de desonestidade fazia-se transparecer sempre em seus rostos, principalmente em Laura, interpretada por uma mui bela (porém não artificialmente, como seria em um romance moderno) Célia Johnson, responsável por uma interpretação totalmente humana e sensível. Ela narra a história em flashback, e é a peça principal do casal ­ sobre Alec (um desconhecido Trevor Howard à época, depois participou de O Terceiro Homem) conhecemos muito pouco além do facto de ele ser médico. Lean optou por dar prioridade à perspectiva feminina.
O que mais encanta é o desenvolvimento do romance entre o casal. Ele é absolutamente credível, perfeito. A partir de um encontro totalmente casual surge um lampejo; uma primeira coincidência de um reencontro desperta emoções a serem futuramente descobertas; uma primeira conversa informal adiciona interesse mútuo; a primeira sugestão de um passeio (como amigos) desperta felicidade. A curva dos acontecimentos é perfeita. Claro, mais tarde presenciaremos a culpa, o arrependimento, o sofrimento. Como um bom amor proibido. E nenhuma dessas fases soa forçada ou fora do lugar. O roteiro conseguiu, dessa forma e dentro de seu género, atingir um nível de perfeição poucas vezes visto no cinema. Assim sendo, não é exagero considerar este um dos melhores romances proibidos do cinema.
Hoje em dia as histórias de amor não são assim ­ e se fossem seriam consideradas demagogas, ultrapassadas. Não há conotação sexual explícita em diálogo ou acto algum de qualquer um dos personagens. Prender o espectador sem sexo é algo que argumentistas de hoje em dia simplesmente já não conseguem fazer. Uma das causas é o facto de o mundo ter perdido, há décadas, a sua inocência. A luz monótona da plataforma de um comboio já não é muito romântico, é antes um refúgio para assaltantes. As mulheres mudaram também. A submissão está fora de moda ­ eles "não precisam" mais dos homens, apenas os querem; não necessitam mais ser amadas, mas apenas amar. Excepções são poucas.
A direção de Lean é absolutamente precisa. Nunca se impõe, contando a história suavemente, sem exageros, deixando os personagens crescerem aos poucos. Apenas uma cena perto do final do filme traz um toque diferenciado, fora do óbvio ­ é quando uma das personagens toma uma acção súbita, e a câmara gira diagonalmente, mostrando uma mente fora de si. A narração em off de Laura tem um tom melancólico preciso, um encanto para os sentidos. Combina com os cenários e a história do casal.
David Lean filmou Breve Encontro antes de outros filmes que até hoje também são inesquecíveis. Filmou no meio de bombardeamentos sob o clima depressivo de guerra. Conseguiu criar, dessa situação, uma verdadeira obra-prima, a partir de uma situação comum, prova da versatilidade do cineasta desde cedo na sua carreira. É detestável apelar para clichés, mas acredito que, na maioria dos casos, o simples deve prevalecer sobre o complexo, então só posso dizer que, neste caso, provavelmente mais do que em nenhum outro, não se fazem mais filmes como este. 
Breve Encontro é um filme maravilhoso!

Alexandre Koball
Texto adaptado

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