quarta-feira, 30 de junho de 2010

Alegoria da prisão


"Que bonita me parece
a tarde, pela janela!
que pureza de donzela,
que corpo branco e perfeito!


Mas vê-la assim, da janela,
com impotência e despeito
É quanto posso fazer.
A vida, agora, é um conceito,
Não é viver."

MIGUEL TORGA


Como também diria Kurt Cobain dos Nirvana: "Protect me from what i want!"

terça-feira, 29 de junho de 2010

Eros



Satânico é o meu pensamento a teu respeito e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem.
A noite era quente e calma e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença, aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos. Até nos mais íntimos lugares. Eu adormeci.
Hoje, quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão.
Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.
Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama te esperar. Quando chegares, quero-te agarrar com avidez e força. Quero-te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do teu corpo.

Só assim, livrar-me-ei de ti, mosquito filho da p***!


Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Perigo nas ecografias

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Com que voz



O violino trina o fado que nem sequer lhe vai na alma...

A alegoria da caverna

Que reflexo embala em mim o outro lado do mundo?

Cavalo à solta

Pela margem do teu corpo
corre um veloz cavalo,
senhor de muitos ais,
de mil e um trotes, de véspera vestido,
de cerimónia vendido
Está à solta.
Quem o apanha? Quem o agarra?
Mil sóis e cem sombras
tocam ao de leve na sua crina
até ao momento impassível
em que a corrida cessa, em que a queda se dá,
em que a ferida se abre...
até tu chegares
para de novo
te vestires de amazona
e soltares freios pelo canto do meu peito...

segunda-feira, 21 de junho de 2010

No sétimo céu

De bestas a bestiais... até ao próximo descalabro!
Que bem que anda assim o Povo entretido, esquecido da crise e das tvis...

sábado, 19 de junho de 2010

Fundamentalismos ?


Nem sei bem quem é esta senhora. Contudo, o seu discurso destila ódio, intolerância e um cheiro a mofo que enjoa. Ninguém lhe disse que nada obriga ninguém a ser o que não é ? ninguém lhe disse que a vida tem muitas cores e formas ? e que temos que viver com elas todas ? sem necessidade de misturar umas e outras. Que todos podem ser felizes à sua maneira ? ninguém disse a esta Dama que a sua escolha é o inferno de outros ? que as suas palavras lembram o Irão dos lideres religiosos autoritários e fascistas ? que Deus está atento aos nossos actos e palavras ? que Deus ama todos ? assim dito parece que estou a tomar as dores de muitos. Nada disso. Apenas detesto discursos como os desta Senhora, que nem a minha avó os tinha.

Deus lhe dê muito conforto e vida longa.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

De cor


Hoje apetece-me beber litros de cor...

Modernidade?


Na minha juventude os portugueses acabavam os estudos, iam para a tropa, faziam uma comissão na guerra colonial, por vezes eram chamados de novo já depois de terem passado à “peluda”, empregavam-se, casavam-se e quando chegavam aos trinta anos tinham um emprego estável, tinham comprado ou alugado a casa, tinham filhos e alguns tinham comprado carro, em muitos casais a mulher nem sequer trabalhava.
Hoje a maioria dos jovens quando chegam aos trinta anos vivem na casa dos pais, têm um emprego precário, não têm dinheiro para comprar casa e dificilmente ganham para alugar e manter uma casa.
Como explicar que trinta anos depois, com um país mais moderno e desenvolvido os jovens vivam pior e com menos expectativas do que no final dos anos 70?
A tudo isto chama-se retrocesso civilizacional, o país produz mais riqueza e os jovens vivem pior e com menos expectativas quando é suposto que o desenvolvimento se traduz em melhores condições de vida.
É verdade que mudaram os hábitos culturais dos portugueses, que muitos jovens preferem a ilusão do dinheiro fácil que a precariedade por vezes proporciona, mas também é verdade que temos assistido à proletarização forçada dos mais jovens.
O que explica esta situação?
A queda do muro de Berlim levou muitos a achar que não havendo medo do papão comunista podiam dispensar-se os direitos sociais, a globalização levou os nossos empresários a exigir a igualização das regras do mercado de trabalho com a das economias asiáticas, a crise financeira mais recente desencadeou mais uma vaga de propostas que apontam para a destruição da sociedade que o equilíbrio social construiu ao longo de décadas. A criação de emprego serve de chantagem para que os trabalhadores prescindam dos seus direitos.
Não são apenas os fenómenos económicos que explicam o fenómeno, o oportunismo explica muito daquilo a que assistimos.
Um exemplo disso é o que se passa nalgumas profissões liberais, por exemplo, os advogados bem sucedidos nunca enriqueceram tanto e tão facilmente como agora, todavia, pagam menos a um jovem advogado do que a uma empregada doméstica, nem sequer se preocupam com o respeito da dignidade da classe. E o que se passa na advocacia passa-se na arquitectura e noutras profissões liberais.
EM nome da competitividade tudo vale, os empresários querem que os trabalhadores tenham os mesmos direitos do que os praticados na Tailândia, os governos querem que os funcionários públicos tenham as mesmas regalias do que os do sector privado, cada crise serve para a sociedade descer mais um degrau.
Dantes o desenvolvimento servia para proporcionar mais bem-estar, hoje o crescimento é oferecido a troco da perda desse bem-estar.
Para salvarem as contas e não perderem eleições, os políticos desdobram-se a inventar truques para retirar direitos aos trabalhadores, os empresários usam a crise para oferecerem emprego a troco de reduções de salários e de direitos laborais, os sindicatos protegem os que estão empregados e pagam quotas ao mesmo tempo que fazem de programas partidários a sua agenda sindical.
Depois de mais de um século de progresso, o país e mundo ocidental assistem à maior perda de direitos e de garantias sociais desde o emergir do capitalismo. Um dia destes accionistas, investidores, políticos, sindicalistas vão acordar com uma revolução à porta e nessa altura vão arrepender-se da orgia que promoveram.



quarta-feira, 16 de junho de 2010

VuVuVuVuVu...


E não há quem as cale?

terça-feira, 15 de junho de 2010

Maria de Fátima


Continua a jazer imóvel no seu leito
há tanto tempo,
há tantas luas
Luta desenfreadamente
com o último espectro do Tempo -
e não cede, resiste, dá luta, mortifica-se...

Hoje faz mais uma primavera - aquela que está perto dos seus anos de luz e cor.

Para a F., minha querida sogra, com uma vénia...
E a outra, ainda maior, para a filha dela, heroína dos meus dias!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Do pé para a mão

Obrigado F.

Por um minuto de paz




Um cão velho e com olhar cansado estava andando pela rua e entrou no meu jardim. Pela coleira e pêlo brilhante, eu pude ver que ele era bem alimentado e bem cuidado.
Ele andou calmamente até mim e eu o agradei. Então ele seguiu-me e entrou em minha casa. Passou pela sala, entrou no corredor, deitou-se num cantinho e dormiu.
Uma hora depois foi para a porta e eu deixei-o sair.

No dia seguinte ele voltou, fez "festinha" para mim no jardim, entrou em minha casa e novamente dormiu por uma hora no cantinho do corredor. Esta cena repetiu-se ao longo de várias semanas.

Curioso, coloquei um bilhete na sua coleira: "Gostaria de saber quem é o dono deste lindo e amável cachorro, e perguntar se sabe que ele vem até a minha casa todas as tardes tirar uma soneca."

No dia seguinte ele chegou para a sua habitual soneca, com um outro bilhete na coleira:
"Ele mora numa casa com 6 crianças, 2 das quais com menos de 3 anos - provavelmente ele está tentando descansar um pouco. Posso ir com ele amanhã???"

Como se chamam...


...os filhos gémeos de um informático?

O vento arrumou-me as letras


SABES O QUE É UM PALÍNDROMO?


Um palíndromo é uma palavra ou um número que se lê da mesma maneira nos dois sentidos, normalmente, da esquerda para a direita e ao contrário.

Exemplos: OVO, OSSO, RADAR. O mesmo se aplica às frases, embora a coincidência seja tanto mais difícil de conseguir quanto maior a frase; é o caso do conhecido:
SOCORRAM-ME, SUBI NO ONIBUS EM MARROCOS.
Diante do interesse pelo assunto (confesse, já leu a frase ao contrário),
tomei a liberdade de seleccionar alguns dos melhores palíndromos da língua de Camões...

ANOTARAM A DATA DA MARATONA
ASSIM A AIA IA A MISSA
A DIVA EM ARGEL ALEGRA-ME A VIDA
A DROGA DA GORDA
A MALA NADA NA LAMA
A TORRE DA DERROTA
LUZA ROCELINA, A NAMORADA DO MANUEL, LEU NA MODA DA ROMANA: ANIL É COR AZUL
O CÉU SUECO
O GALO AMA O LAGO
O LOBO AMA O BOLO
O ROMANO ACATA AMORES A DAMAS AMADAS E ROMA ATACA O NAMORO
RIR, O BREVE VERBO RIR
A CARA RAJADA DA JARARACA
SAIRAM O TIO E OITO MARIAS
ZÉ DE LIMA RUA LAURA MIL E DEZ

E já agora

E sabes o que é tautologia?

É o termo usado para definir um dos vícios, e erros, mais comuns de linguagem. Consiste na repetição de uma ideia, de maneira viciada, com palavras diferentes, mas com o mesmo sentido.
O exemplo clássico é o famoso 'subir para cima' ou o 'descer para baixo'.
Mas há outros, como pode ver na lista a seguir:

- elo de ligação
- acabamento final
- certeza absoluta
- quantia exacta
- nos dias 8, 9 e 10, inclusive
- juntamente com
- expressamente proibido
- em duas metades iguais
- sintomas indicativos
- há anos atrás
- vereador da cidade
- outra alternativa
- detalhes minuciosos
- a razão é porque
- anexo junto à carta
- de sua livre escolha
- superávit positivo
- todos foram unânimes
- conviver junto
- facto real
- encarar de frente
- multidão de pessoas
- amanhecer o dia
- criação nova
- retornar de novo
- empréstimo temporário
- surpresa inesperada
- escolha opcional
- planear antecipadamente
- abertura inaugural
- continua a permanecer
- a última versão definitiva
- possivelmente poderá ocorrer
- comparecer em pessoa
- gritar bem alto
- propriedade característica
- demasiadamente excessivo
- a seu critério pessoal
- exceder em muito .

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Amigo é Casa


SE EU MORRER ANTES DE VOCÊ

Se eu morrer antes de você, faça-me um favor:
Chore o quanto quiser, mas não brigue comigo.
Se não quiser chorar, não chore;
Se não conseguir chorar, não se preocupe;
Se tiver vontade de rir, ria;
Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão;
Se me elogiarem demais, corrija o exagero.
Se me criticarem demais, defenda-me;
Se me quiserem fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam;
Se me quiserem fazer um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo...
E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase:
-"Foi meu amigo, acreditou em mim e sempre me quis por perto!"
Aí, então derrame uma lágrima.
Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal.
Outros amigos farão isso no meu lugar.
Gostaria de dizer para você que viva como quem sabe que vai morrer um dia, e que morra como quem soube viver direito.
Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo.
Mas, se eu morrer antes de você, acho que não vou estranhar o céu.
"Ser seu amigo, já é um pedaço dele..."


Chico Xavier

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Na minha Magnolia é sempre feriado


Preste atenção na imagem acima.

Fixe seu olhar no miolo da flor. Consegue ver? Todas as pétalas (que são os personagens) estão presas no miolo dessa flor, fazendo parte de um único ciclo, uma única vida. Representam a fragilidade. Estão, mesmo que indiretamente, buscando pelos mesmos objetivos. Ou seja, uma alteração "comportamental" acarretaria num descarrilamento, quebrando o ritmo de vida das pétalas que a cercam. São pétalas direfentes e solitárias, mas que fazem parte do mesmo ciclo, estão interligadas para sempre, é a natureza delas, até que o acaso venha a lhes separar.

Não há maneira exata para definir o que Paul Thomas Anderson quis dizer com Magnólia. Uma simples análise superficial é capaz de apontar inúmeras metáforas que permeiam o filme, mas não cabe jogar toda uma interpretação pessoal acerca do longa em cima das metáforas que ele apresenta ao longo da metragem de 188 minutos, já que a trama é muito mais complexa, tornando a missão do "compreendimento" dos simbolismos ainda mais difícil. Na verdade, é praticamente impossível compreender Magnólia com uma única visualização. Anderson criou um universo particular gigantesco, não só pelos incontáveis personagens, mas também pelo uso abundante de simbologias e metáforas (você irá ouvir muito estas palavras durante este texto) que tornam o exercício ainda mais fascinante. Para quem busca respostas em Magnólia, todo o cuidado é pouco. Estas respostas podem não ser encontradas.

Ao passo que a trama desenvolve-se, Anderson explica muito pouco e sugere muito mais. Essa falta de norte faz com que o diretor e roterista consiga manter o espectador preso à história, tentando compreender tudo que vê. E é normal ficar embasbacado e confuso durante o primeiro ato, tamanha é a distribuição de histórias que, à primeira vista, não apresentam nada em comum. Em tempo, é possível começar e perceber as ligações e principalmente os sentimentos que movem cada um dos persongens com o início do segundo ato. Aliás, a coleção de personagens elaborada por Paul Thomas Anderson é fantástica. Deve-se fazer um registro, este "fantástica" pode sugerir um tom fantasioso que não existe nos personagens de Magnólia, aqui tudo é absolutamente crível e verossímel (!).

A galeria de personagens do filme apresenta o garoto prodígio, Stanley Spector (Jeremy Blackman), seu pai (Michael Bowen), o apresentador do programa que Stanley participa, Jimmy Gator (Philip Baker Hall), o produtor do programa que está à beira da morte, Earl Partridge (Jason Robards), a esposa de Earl (Julianne Moore) que casou por dinheiro e agora está descobrindo que ama o marido, o enfermeiro de Earl, Phil Parma (Philip Seymour Hoffman), Frank T.J. Mackey (Tom Cruise), que cresceu odiando Earl e agora dá seminários para solteiros. Como se as coincidências não tivessem um fim, Jimmy Gator tem uma filha com quem não fala há anos, Claudia Wilson Gator (Melora Waters). Claudia é viciada em crack e recebe uma visita do policial Jim Kurring (John C. Reilly) segundo acusações de som alto em seu apartamento, onde os dois acabam se apaixonando. Enquanto isso, Donnie Smith (Wlliam H. Macy), que em 1968 bateu o recorde do mesmo programa que Stanley participa, mas hoje vive depressivo tentando buscar algum significado na vida. E isso é só o começo.

Em meio a tantos personagens, quem será o representante do diretor dentro do filme. Todo mundo sabe que Anderson não atua no filme, mas atráves de alguém ele se coloca para tentar contar a história. Tudo indica que seja o personagem de Seymour Hoffman, Phil Parma, o enfermeiro a que tudo vê, passivo e tranquilo, como se não interferisse em nada na trama, e, talvez, o personagem menos sentimental do filme. Mas não podemos descartar a possibilidade de Donnie Smith (Macy), já que ele também assisti a tudo impotente e busca respostas, assim como o próprio filme. No entanto, pode ser que o cineasta tenha deixado os símbolos e as metáforas falarem mais alto. Por exemplo, grande parte da idéia (ou toda ela) da trama está em seu cartaz. Um olhar atento revela muito da história, assim como o paralelo entre a flor de magnólia e o filme (que foi traçado no primeiro parágrafo deste texto).

Naquele pedacinho de céu encontra-se a peça chave. O indício básico, a grande simbologia metaforizada. A simbologia precisa, a metáfora disfuncional, os diálogos humildes e realistas, o confronto com a verdade, a recaída, a superação, a vida, a morte, a dor, o sofrimento, a alegria, a hipocrisia, a letargia, a apatia, a entrega, a manipulação, a sujeira, a beleza, o lado humano, o lado animal, a razão, a dúvida, a dívida, o preço a ser pago e a... chuva de sapos. Tudo isso faz parte da mensagem de Magnólia. O resto? Bem, o resto ainda não foi compreendido.
Lido no blog brasileiro - tudoecritica.blogspot.com
É por isso que este é o filme da MINHA vida...

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Na casa de Alice


Volto sempre a ela.
À casa de Alice.
Sôfrega. Imponente. Surreal.
faz-me bem a loucura daquele chá que nunca acaba, daquele coelho que nunca para de correr, daquele relógio que anda ao contrário...
E, sobretudo, fecho-me em copas para as rainhas deste Mundo,
aguardando, em infrene discurso, a adultez da minha eterna meninice.

Magnólia grandiflora


Ontem sonhei que sonhava
e me mantinha desperto
contente por me escapar
de um mundo que me era incerto

seguro porque voltava
ao que é lógico e real
à vida que firme sabe
do que é bem e do que é mal

quando tornei a dormir
já rompia a madrugada
e na clara luz não tinha
certeza alguma de nada.

Agostinho da Silva

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O meu Adão e a minha Eva


A MEUS PAIS…


A cidadela anda alegre.
Longe de sonolenta.
Nunca cabisbaixa.
Há 50 luas atrás, no tempo em que o tempo ainda se preocupava com o tempo que tardava em chegar,
Ele encontrou o olhar dela
E disse-lhe com a voz triste dos poetas:

«Estás aí para mim,
tu que me tiras o fôlego
e o ar pleno de ternura que da minha impaciência brota.
Estás aí para mim,
segura como uma folha cadente,
Como uma saia rota,
que nunca haverás de vestir, em tempo frio, em tempo quente...
Estás aí para mim,
pertences-me como o mar pertence à gota que o liquefaz,
como a guerra pertence à sombra da nossa paz.
Estás aí para mim,
Insegura na tua incerteza de chave certa,
Serena na tua insensatez de porta aberta,
Nebulosa na tua impacatez de fêmea liberta.
Estás aí para mim. Eu sei.
Até ao fim».

Ela ouviu-o com a impaciência das corças e respondeu-lhe:

«Escrevo o teu nome que sei
O teu sinal que desvenda a minha vulnerabilidade de mulher
Rodopio a mão pela areia que brota do teu mar
E sinto as algas tocarem-me no fundo do meu peito
Aquela pomba enlouquecida
Que trazes escondida nos cabelos
Sossega, então, no meu regaço
Até à hora em que me venhas ver de novo
Ensinando-me um novo nome»

E cresceram eles em graça e sabedoria,
correndo por castelares ameias,
torpedeando o Lis e o Lena,
rumando à terra do capim e dos mucubais,
fazendo as estradas dos outros,
deixando suor por lá,
na hora em que o negro venceu o branco,
florindo dois frutos, botões de cravo roxo,
cantando a mais dolente canção de amor.
Ele ensinou-lhes que sempre de pé perante os homens
E só de joelhos perante Deus…
Ela entregou-lhes a ternura e a candura como incenso e mirra…

De súbito, o escorpião entrou em suas vidas.
Inquietaram-se os ventos
e um estúpido incidente retirou-lhe - a ele - a voz com que sempre,
razoavel e ponderadamente,
deu ordens aos dois filhos e os dirigiu.
Ela dele cuidou, com a serenidade do dever cumprido,
Com a pele dele ainda sobre a sua, como se de uma única se tratasse…
Amam-se.
E são amados.
Demais...

A cidadela continua ufana neste dia das 50 badaladas.
O veludo dos seus olhares toca-nos.
A força dos seus interiores chega-nos, sem aviso.
O ruído dos seus silêncios forçados anima-nos.
Os anjos bons segredam aos seus ouvidos
recados de melhores dias,
de sonatas inacabadas
que ainda necessitam de um acerto final.

Ele chama-se Joaquim. Por missão.
Ela é Maria de Lurdes. Por convicção.

Para eles, nesta casa do Deus que sempre os guiou,
a nossa homenagem.


Do filho Paulo, aos 5 dias do mês de Junho de 2010

(lido pelas 13h45m do dia 5.6.2010, no Santuário do Senhor Jesus dos Milagres - Leiria)

Eva e Adão


Segunda-feira (Diário de Adão)

Este novo ser de cabelo longo é um valente empecilho. Anda sempre à minha volta e segue-me para todo o lado. Não gosto disto; não estou habituado a ter companhia. Preferia que ficasse com os outros animais. [...] Está enevoado hoje, vento de Este; acho que nós ainda vamos ter chuva. [...] NÓS? Onde apanhei esta palavra? - o novo ser usa-a amiúde.


Mark Twain
Excertos dos diários deAdão e Eva

domingo, 6 de junho de 2010

Eva e Adão


Domingo (Diário de Eva)
"Está tudo em ordem agora e eu estou feliz mas passeis dias muito duros. Prefiro nem me lembrar.
Tentei apanhar algumas daquelas maçãs para ele mas não consigo aprender a atirar como deve ser. Falhei. Mas acho que ele percebeu a minha intenção e ficou contente. Elas são proibidas, e ele diz que me vai acontecr algo de mal. Mas se me acontece algum mal por tentar ser simpática para ele, não há-de ser um mal com o qual me importe."

Domingo (Diário de Adão)
"Aguentei-me. Este dia está a ser cada vez mais desgastante. Tinha sido seleccionado e posto de parte, em Novembro passado, como dia de descanso. Esta manhã fui dar com o novo ser a tentar deitar ao chão maçãs daquela árvore proibida"


Mark Twain
Excertos dos diários de Adão e Eva.

sábado, 5 de junho de 2010

Nos 50 anos do enlace de meus pais

50 anos.
Por eles.
Por mim.
Que sou deles...

quarta-feira, 2 de junho de 2010

O dia depois do dia primeiro











Porque hoje ainda é e deve ser o dia da CRIANÇA...
Por isso não o lembrei ontem.
Mas apenas hoje.
Pois...

Haverá flores proibidas?


POEMA DA FLOR PROIBIDA

Por detrás de cada flor
há um homem de chapéu de coco e sobrolho carregado.

Podia estar à frente ou estar de lado,
mas não, está colocado
exactamente por detrás da flor.
Também não está escondido nem dissimulado,
está dignamente especado
por detrás da flor.

Abro as narinas para respirar
o perfume da flor,
não de repente
(é claro) mas devagar,
a pouco e pouco,
com os olhos postos no chapéu de coco.

Ele ama-me. Defende-me com os seus carinhos,
protege-me com o seu amor.
Ele sabe que a flor pode ter espinhos,
ou tem mesmo,
ou já teve,
ou pode vir a ter,
e fica triste se me vê sofrer.

Transmito um pensamento à flor
sem mover a cabeça e sem a olhar.
De repente,
como um cão cínico arreganho o dente
e engulo-a sem mastigar.

António Gedeão – Linhas de Força (1967)