quinta-feira, 31 de julho de 2008

O estado da arte


Aquela poderia ser mais uma manhã como outra qualquer.

Eis que o sujeito desce na estação do metro, vestindo jeans, camiseta e boné, encosta-se próximo à entrada, tira o violino da caixa e começa a tocar com entusiasmo para a multidão que passa por ali, bem na hora de ponta matinal.
Mesmo assim, durante os 45 minutos que tocou, foi praticamente ignorado pelos passantes.
Ninguém sabia, mas o músico era Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, executando peças musicais consagradas num instrumento raríssimo, um Stradivarius de 1713, estimado em mais de 3 milhões de dólares.
Três dias antes Bell havia tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam a bagatela de 1000 dólares.
A experiência, gravada em vídeo, mostra homens e mulheres de andar ligeiro, copo de café na mão, celular no ouvido, crachá balançando no pescoço, indiferentes ao som do violino.

A iniciativa realizada pelo jornal The Washington Post era a de lançar um debate sobre valor, contexto e arte.
A conclusão:
estamos habituados a dar valor às coisas quando estão num contexto.
Bell era uma obra de arte sem moldura.
Um artefacto de luxo sem etiqueta de grife.

Fiesta





Balzac disse que há três coisas belas de ver: um veleiro no mar, um cavalo a galope, uma mulher a dançar; alguém acrescentou que havia uma quarta: uma saída dos touros da Plaza Mayor de Salamanca. Não disse a corrida, mas o fim da festa, com as carruagens abertas e dentro as mulheres com mantilhas brancas e os xailes bordados. E aquele riso suspenso ainda da coragem que inspira desejo e simpatia um pouco tutelar. (...)

Agustina Bessa Luís, in Dicionário Imperfeito.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Boas férias.



A culpa foi da tristeza



Excelente filme o que vi hoje, datado de 2003, com a marca do Sundance.
"Os Estados Unidos de Leland".
Um portento. Sobre culpas, sobre o bem e o mal, sobre o porquê das coisas boas e más que nos acontecem...
Um belíssimo texto que aconselho os magnólicos viciados a comprar e a ler, vendo esta obra-prima.

terça-feira, 29 de julho de 2008

O quarto dos segredos


Naquele quarto ermo, havia prisões e janelas abertas.
Portas sobretudo fechadas, com o maior dos despudores.
Havia olhos felinos, memórias de negro, rubis e ametistas de chibeque.
Não sei a maioria dos nomes das mulheres.
Nem dos homens.
Não os quero saber.
Quero-os vagos, imprecisos, voláteis, numa escrita de água que logo se apaga quando se constrói.
Os nomes dos reis e rainhas - porque Artur é nome de rei e Regina de rainha - ficam guardados no baú da memória daquele quarto ermo.
Cedo, mais cedo que se se supõe, haverá um outro passo errático que ali se dirigirá,
ali se deitará, ali amará, ali perecerá...
E no mural da parede dos fundos ficarão mais rostos projectados à espera de um perdão!


Eclipse da Lua.



O quarto continuava ermo.
E a janela aberta.
A mata lá fora mais densa do que nunca.
Entrou no quarto uma mulher.
Belos cabelos negros, rosto anguloso, nariz um pouco aquilino e algumas sardas na pele queimada.
Olhos cor de mel, que na maioria dos dias eram amarelos, fendados, como os dos gatos.
O seu corpo esculpido a bisturi.
O seu nome Regina.
A sua paixão, seduzir.
Tinham-lhe falado na magia daquele quarto, onde os amores não aconteciam.
Veio vê-lo e escolheu-o.
Mandou-o limpar. A mata ficaria intacta.
Trouxe um guarda-jóias. Só.
O primeiro homem, muito jovem, que veio com ela ao quarto, chamava-se Artur. Não que isso tenha qualquer importância ou interesse. O homeme era um fantoche, todos o eram, para ela.
Ela vinha ali endeusar-se, seduzir, reduzir o homem apenas à sua condição de admirador... sem fuga.
Ela entregava-lhes o corpo, e gozava com a sua ausência, e com a entrega deles.
Nada levavam em troca.
Apenas permitia, deles, o toque no belo animal, que era. Aumentando até à exaustão o séquito de admiradores, o narcisismo, que era o traço mais nítido do seu carácter.
Também as jóias aumentavam. Eram o seu carácter exterior.
À media que o quarto ia sendo visitado por Regina e pelo seu rol de homens febrilmente enfeitiçados, o quarto ia ficando cada vez mais como uma clareira, no meio de uma floresta selvagem.
Habitava nele o cheiro dos animais selvagens, e as suas paredes escuras pareciam ter recuado para a floresta.
Quem prescrutasse os fundos do quarto podia ter visto, neles, milhares de olhos ferinos nele emergentes. À espera...
Mas só enfeitiçados lá iam. E o enfeitiçado não vê o feitiço!
E Regina continuava e continuaria por muitos anos, enquanto houvesse bisturis, e "esculptores" e "reconstrutores", a seduir naquele quarto.
Fria, calculista, sedutora, com a sua bela presença feiticeira.
Um dia, quase quarenta anos depois, morta Regina, voltou Artur.
O quarto estava forrado a cinzas e as paredes eram a selva.
Artur saiu dali em liberdade.
Havia dado volta à sua prisão e verificou que já não existia.
Sorria...

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Aniversário. 18 anos .





Palavras do Dia:

PARTILHA.
Paixão.
Amor.
Dor.
Solidariedade.
Nostalgia.
Serenidade.
Dúvidas.
Olhares.
Certezas.
Confortos.
Companheiros.

Eu e a minha Pedra Preciosa estamos de Parabéns.
Parabéns que se estendem aos nossos três Maracujás,
sem os quais não podemos viver.

domingo, 27 de julho de 2008

Arábica

Velada, misteriosa como as horas,
bastam-me os olhos azuis
que me entregou como oferenda de paz
Os trapos eram brancos,
as vontades nem tanto
No dia em que a vi pela primeira e derradeira vez
saltei as fronteiras e mergulhei nesse deserto,
nessas areias pouco movediças de espanto,
nesses oásis verdes por terras de esperanto...

sábado, 26 de julho de 2008

Quarto Minguante



O quarto estava ermo.
Mais só do que nunca.
A noite entrava sem ser convidada
por entre as sombras daquele canto.
A colcha velha pairava de dia e no breu
como capa de vida,
como solistício daquela esquina
onde uma mulher e um homem - mais sós do que todos os outros -
se amaram outrora em segredo, em surdina...
Os lençóis e as marcas nele deixadas já foram lavados,
os vestígios desses toques clandestinos perderam-se no tempo.
O quarto continuava sombrio,
o soalho sabia à saudade dos pés que o pisaram,
os móveis em castanho rangiam à passagem das horas...

Muitos anos depois,
ela voltou ali.
Sentiu o quarto ermo
E cheirou o perfume dele -
à pele curtida do suor que caíra sem aviso,
ao não que então dele ouvira,
quase sincero, quase solene...

Muitos mais anos depois,
ele voltou ali.
Cheirou o soalho molhado pela escuridão
E sentiu a presença dela -
o sim que ela esperava,
a resposta inesperada,
a felicidade adiada...

Ainda hoje quando ali volto,
o quarto continua ermo,
e de janela aberta,
até que outros nele queiram entrar,
na cama se deitar,
e tentar contar outra história...

sexta-feira, 25 de julho de 2008

16 anos




Quando ganhei coragem liguei
Quando chegou carta abri
Quando criei asas voei
Quando te vi... me apaixonei!

Parabéns C. (e a mim) pelos nossos 16 anos solidários...
Fazia calor.
Muito.
E aqueci-me na tua lareira...

A mesma história



A mesma história que nos une e nos separa
A mesma brisa que nos embala e nos sacode
O mesmo grito que nos afugenta e nos traz à vida
O mesmo elo que nos aprisiona e nos unifica

A mesma ode que nos entristece e nos faz rir
O mesmo poema que nos revolta e nos sublima
A mesma regra que nos divide e que nos normaliza
O mesmo palhaço que nos faz rir e nos faz prantear

A mesma balada que nos sossega e nos inquieta
O mesmo silvo que nos adormece e nos enraivece
A mesma mágoa que nos prazenteia e nos amesquinha
O mesmo toque que... nos une e nos separa

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Meu fado, meu rosário





Ela vestiu-se das dores dos outros,
Calçou as luvas plásticas com que curava as suas feridas de alma
E aconchegou a filha única, amor supremo que a surpresa da vida lhe ofertou, em dádiva divina de um bem maior que o amor que a gerou.
O homem que amou não a mereceu, não a compreendeu,
Por isso, ele partiu sem deixar marca alguma nos sulcos dos seus caracóis, sem abrir página no livro da sua história...

Rumou ao Penedo, local de peregrinação quase diária,
E serenou os medos, os ais e os ares daquela Mulher que jaz deitada num leito de rosas,
ansiando pelo seu sorriso, o mais dolente do mundo,
à espera do sopro derradeiro que a faça, enfim, descansar...

Seu rosário, sufragar as moléstias que os outros não escolheram
Seu fado, vestir-se de rainha dona do baile embalado pelos seus próprios dedos, pelas suas próprias cores.

À noite, no silêncio do burburinho das injecções, dos mercúrios e das gazes,
despe-se da sombra do seu próprio eco
E dorme o sono dos justos, ensolarada pela brisa nascente que sabe ser sua, que sabe ser lua...
Até a um novo amanhã...

À R., com a nossa estima e gratidão
(C. e P.)

Nojo 2.


Agora sou eu que devo falar em nojo.
Vejo julgamentos em programas televisivos de duvidosa idoneidade (de santas fátimas ou júlias de caruncho, presidentes camarários - onde irá aquele homem buscar tempo para tanta aparição pública, face ao trabalho que terá na edilidade em causa? - armados ao pingarelho e em investigadores criminais), ouço certezas ditas com os maiores dos despudores, vislumbro na TV "ex-tudo" a reclamar, por fim, momentos de fama nacional, honras de abertura de noticiários e vendas chorudas de livros(?), tudo em nome de crianças... desaparecidas ou divididas entre afectos e sangues.


Quero emigrar, ok?

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Rugir





Felinos somos ( ou quase)...
Aqui quase a 100%, obrigado a todos.
Ainda não em forma plena.

Elegia do beijo



O beijo é um procedimento inteligentemente desenvolvido para a interrupção mútua da fala quando as palavras se tornam desnecessárias

Dulce Estrella







Um novo duelo ibérico em acção por espectáculos em Espanha.
Dulce Pontes e Estrella Morente.
Um culto à água.
A não perder...

Férias




Teus dedos, marinheiros experientes
fazem-me partir
Teus olhos, duas velas que o vento do amor
faz bulir.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Olá





Espero que estejam todos de saúde...eu nem por isso.
Mas, com medicamentos, vontade e Deus (para quem Nele crê) vamos lá..
Maleitas a todos acontecem. Felizmente são de ir e vir...
Algumas chegam e não partem...ou melhor, partem, levando-nos.
Não é o caso (sosseguem os meus amigos e outros)..(desesperem, os que não me suportam)...quando morrer saberão. Festejem nessa altura. Ainda não será desta.
Aos meus queridos amigos...
Graças a Deus, breve, irei estar mais de um mês longe disto tudo (não falo do blogue)..e espero regressar...

domingo, 20 de julho de 2008

O vaso chinês


Uma velha senhora chinesa possuía dois grandes vasos, cada um suspenso na extremidade de uma vara que ela carregava nas costas.
Um dos vasos era rachado e o outro era perfeito. Este último estava sempre cheio de água ao fim da longa caminhada da torrente até a casa, enquanto aquele rachado chegava meio vazio.
Por longo tempo, tuod permaneceu assim, com a senhora a chegar a casa com somente um vaso e meio de água.
Naturalmente, o vaso perfeito era muito orgulhoso do próprio resultado e o pobre vaso rachado tinha vergonha do seu defeito, de conseguir fazer só a metade daquilo que deveria fazer.
Depois de dois anos, reflectindo sobre a própria amarga derrota de ser 'rachado', o vaso disse à senhora durante o caminho:

'Tenho vergonha de mim mesmo, porque esta rachadura que eu tenho me faz perder metade da água durante o caminho até a sua casa...'
A velhinha sorriu:
'Você reparou que lindas flores existem somente do teu lado do caminho? Eu sempre soube do teu defeito e portanto plantei sementes de flores na beira da estrada do teu lado. E todo o dia, enquanto a gente voltava, tu as regavas.
Por dois anos pude recolher aquelas belíssimas flores para enfeitar a mesa. Se tu não fosses como és, eu não teria tido aquelas maravilhas na minha casa".

E o violino tocou.
Mesmo sem cordas.
Mesmo com defeito.

Chuva de Verão.



A chuva fustigava a terra ardente.
Logo que parou saí para o jardim.

Era tão excessivo o aroma quente da terra molhada!
E tão leve o ondular fresco da brisa húmida!

Que uma erupção de emoções percorreu-me,
como se eu fosse a própria terra.
Deitei-me sobre ela e nela rebolei.

Misturei meu suor com lama
meu cabelo com erva.
Cobri-me com as nuvens que passavam no céu.

Quando acordei, lembrava-me
dos pingos grossos da chuva
terem trespassado o meu corpo nu.

sábado, 19 de julho de 2008

Dos mariposas blancas.


Aquella noche la abuela trajo dos mariposas blancas

y las colocó sobre los ojos del durmiente,

más tarde, cuando tras la cabeza de la luna

asomó frío el aullido del lobo,

los sueños de aquel hombre

que dormía bajo las mariposas,

nos ayudaron a crescer en la serenidad.


Julia Otxoa García

"la Nieve con los Manzanos".

Os homens que passam, minha mãe...



Os homens que passam, minha mãe,
são os pintores perdidos nas cores que não escolheram,
são os poetas errantes, imersos nos poemas que não escreveram,
são os adúlteros infames plenos do vazio dos leitos alheios,
são os vagabundos sem chama vazios do pleno do nada em que a sua vida se tornou,
são os sonhadores inocentes rotos pela miséria das quimeras do ouro dos outros,
são as sombras do pai que eu não conheci,
E que só tu sabes decifrar...

Qual deles, minha mãe?
Qual deles?
O pintor que errou o poema?
O poeta que encheu os teus sonhos?
o vagabundo dos poemas imperfeitos?
O sonhador que nunca chegou a passar?

Quero a certeza do incerto,
a raíz feita caule, feita dor,
porque um dos homens que passa, minha mãe,
será tudo aquilo que tu quiseres que um dia eu venha a sentir por ele...

Tenho um gato chamado Llorca


ESTE É O PRÓLOGO
Deixaria neste livro toda a minha alma.

este livro que viu as paisagens comigo e viveu horas santas.
Que pena dos livros que nos enchem as mãos de rosas e de estrelas e lentamente passam !
Que tristeza tão funda é olhar os retábulos de dores e de penas que um coração levanta !
Ver passar os espectros de vida que se apagam, ver o homem desnudo em Pégaso sem asas,
ver a vida e a morte, a síntese do mundo, que em espaços profundos se olham e se abraçam.


Um livro de poesias é o outono morto: os versos são as folhas negras em terras brancas,
e a voz que os lê é o sopro do vento que lhes incute nos peitos - entranháveis distâncias.
O poeta é uma árvore com frutos de tristeza e com folhas murchas de chorar o que ama.
O poeta é o médium da Natureza que explica sua grandeza por meio de palavras.


O poeta compreende todo o incompreensível e as coisas que se odeiam, ele, amigas as chamas.
Sabe que as veredas são todas impossíveis, e por isso de noite vai por elas com calma.
Nos livros de versos, entre rosas de sangue, vão passando as tristes e eternas caravanas
que fizeram ao poeta quando chora nas tardes, rodeado e cingido por seus próprios fantasmas.
Poesia é amargura, mel celeste que emana de um favo invisível que as almas fabricam.


Poesia é o impossível feito possível. Harpa que tem em vez de cordas corações e chamas.
Poesia é a vida que cruzamos com ânsia, esperando o que leva sem rumo a nossa barca.
Livros doces de versos sãos os astros que passam pelo silêncio mudo para o reino do Nada, escrevendo no céu suas estrofes de prata.


Oh! que penas tão fundas e nunca remediadas, as vozes dolorosas que os poetas cantam !
Deixaria neste livro toda a minha alma...


( tradução: William Agel de Melo )

sexta-feira, 18 de julho de 2008

entre o bem e o mal



Entre o bem e o mal,
meu coração balança,
em busca de uma estrela sôfrega,
que ainda me queira acolher em seu regaço
e transportar-me para a via láctea do talvez...

Sunset Boulevard (a morada dos deuses)



UM espanto esta Glenn Close.
Admirável este texto...

Verão (que faz mesmo calor)...


~ Soneto 17 ~



Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.


Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.


Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:


Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.



William Shakespeare

E eu que abomino o Verão...

Tormes.









Eu cedi a égua ao senhor de Tormes.
(...)
E em breve os nossos males esqueceram ante a incomparável beleza daquela serra bendita!
Com que brilho e inspiração copiosa a compusera o Divino Artista que faz as serras, e que tanto as cuidou, e tão ricamente as dotou, neste seu Portugal bem-amado. A grandeza igualava a graça.
Para os vales, poderosamente cavados, desciam bandos de arvoredos, tão copados e redondos, de um verde tão moço, que eram como um musgo macio onde apetecia cair e rolar.
(...)
E subiu a gasta escadaria do seu solar com amargura e rancor. Em cima uma larga varanda acompanhava a fachada do casarão, sob um alpendre de negras vigas, toda ornada, por entre os pilares de granito, com caixas de pau onde floriam cravos.
(...)
Jacinto caminhou lentamente para o poial de uma janela...
(...)
Vim ajoelhar sobre o outro poial alongando os olhos consolados por céu e monte:
- É uma beleza!
O meu príncipe, depois de um silêncio grave, murmurou, com a face encostada à mão:
- É uma lindeza...E que paz!
(...)
Jacinto reconheceu uma «certa nobreza» na frontaria do seu lar.
(...)
Depois de cima da varanda, reparando na telha nova da capela, louvou o Silvério, «esse ralaço», por cuidar ao menos da morada do Bom Deus.
- E esta varanda também é agradável - murmurou ele, mergulhando a face no aroma dos cravos.

Eça de Queirós. Excertos de "A Cidade E As Serras"

Amigo


Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O’Neill, in No Reino da Dinamarca

Os que se Importam.




Caro Sandy


Penso que (entre as pessoas) há dois tipos de Filosofias. As pessos que se importam e as que não se importam, as pessoas que fazem e as pessoas que Adiam e nunca fazem ou ajudam.

Cheguei a casa do escritório e não me senti bem, tu e o Phil eram muito pequenos. A mãe fez o jantar. Em vez de me sentar para comer, fui prá sala. Uma hora depois, o Dr. Weiss chegou, a mãe tinha-o chamado. Passou-se o seguinte: ele perguntou-me o que tinha. Eu disse-lhe uma dor no coração, depois de me examinar, ele disse que não encontrara nada que estivesse mal em mim. Perguntou-me o que fazia em excesso. Respondi-lhe a única coisa que me lembrava fumo muito, Que tal reduzir para três em lugar de 24 por dia, Perguntou ele. Eu disse porque não nenhum e ao fim duma semana a minha dor desapareceu Deixei completamente de fumar. A mãe preocupou-se, o Dr. Weiss aconselhou, eu ouvi, Há muitos conselheiros neste mundo, também há pessos que se importam e fazem, e pessoas que escutam, Em muitos casos salvam vidas, e há também os que exageram e abusam, os que fumam de mais e bebem de mais, tomam drogas, e também comem desalmadamente. Em cada um dos casos todas estas coisas podem causar doenças e às vezes ainda pior do que isso.

Tu querias uma casa. Eu arranjei-te logo o dinheiro para a comprares. Porquê? porque me importava. O Phil precisava de uma operação à hérnia, eu levei-o ao médico e ele foi operado. Fiz o mesmo com a mãe depois de ela sofrer durante 27 anos. Porquê porque sou uma pessoa que se importa e que faz. Suponho que os pais dela se importavam, mas eu senti a dor de ambos e fiz, não adiei. Digo ao Jon e malho nele. Uso toda a espécie de lugares-comuns, «Como», um idiota e o seu dinheiro depressa se separam) (Um tostão poupado é um tostão ganho) (qualquer dia, haverá um velho que dependerá de ti.) e quando ele perguntou quem, respondi-lhe que eras tu.)etc Não lhe digo uma vez, continuo a dizer-lho ou a Sarraziná-lo, porquê, porque ele se esquece, como um bebedor viciado, ou um drogado, etc. Porque continuo a sarrazinar? Tenho consciência de que é uma chatice, mas quando se trata de pessoas com quem me importo tento curá-las, mesmo que se oponham ou não se disciplinem... dixiplinem incluindo eu próprio. Travo muitas batalhas com a minha consciência, mas luto contra os meus pensamentos irrados. Importo-me, com as pessoas à minha maneira.

Peço-te que desculpes a ortografia e a caligrafia. Nunca fui bom a escrever, mas agora estou pior, não vejo muito bem.

O Sarrazinador,

Nome errado,

devia ser O Que Se Importa

Abraço

Pai.

Roth Philip

O Património.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

O NOJO


Será que vou ter um processo ?
Já repararam que todos os seriados da TVI (desde os adolescentes - ? - Morangos até ás, infinitas, novelas da noite, têm um denominador comum ? ou seja: as gajas, por mais novas que sejam, são todas putas, ou potenciais putas, manipuladoras, jogadoras, vencedoras à custa do corpo e do charme e da sensualidade....os gajos...são todos patéticos...vulneráveis até mais não, manipuláveis com uma facilidade arrepiadora,tontos, machos ridiculos, e todos, mas todos, manipulados por mulheres de baixo carácter. Quem escreve aquelas coisas deve ter sérios problemas....que merda de imagem dão dos gajos e das gajas. Olhem bem para todas as séries e novelas....é um tema recorrente...elas triunfadoras à custa do corpo e do charme e da beleza fisíca,e das intrigas e das situações dúbias que criam á conta do corpo e do charme, eles manipuláveis e completamente à mercê das teias tecidas pelas megeras, frias e calculistas (assim são apresentadas) e tótós de todo. Nem conseguem explicar o que fazem, opu fizeram e porquê. Depois queixem-se que os vossos meninos, e os dos outros, andam meio tontos e tolos...com este exemplo televisivo, cada vez mais generalizado....Valha-nos Deus...Raios partam a TVI e toda a cambada que escreve aquelas Merdas a que chamam novelas e séries...BAHHHHHHHH. NOJO...DESPREZO....HORROR.

Doação.



Estas flores de Maracujá foram-me oferecidas pela Avó Pirueta.
Embora, tenha sido eu a colhê-las no seu belo Jardim,
que em linguagem virtual quer dizer Blogue.
Mas tive autorização.
Não houve qualquer furto.
(peço desculpa pelo palavreado jurídico!!!...)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Os meus medos



Sois: os sons roucos, a espera vã, uma perdida imagem.
O coração suspende o seu hálito e os lábios tremem
sinto-vos, vindes ao rés da terra, como ventos baixos,
poisais no peitoril. Sois muito antigos e jovens,
da infância em que por vós chorava encostada a um rosto.
Que saudade eu tenho, ó escuridão no poço,
ó rastejar de víboras nos caniços, ó vespa
que, como eu, degustaste o figo úbere.
Depois, mundo maior foi a presença e a ausência,
a alegria e as dores de outros que não eu.
E um dia, no alto da catedral de Gaudí,
chorei de horror da Queda, como os caídos anjos.



Fiama Hassa Pais Brandão

O Guardião do Tempo.


O Guardião do Tempo. Escultura. Karin Somers.





O corpo mumificado, ressequido.
Pelo abandono austero
aos elementos multimilenares.


A Armadura coagulada nas asas de musgo.
Musgo velho de asas infinitas,
infinitamente embrulhadas
nas areias que contam o tempo.


Em ti Guardião o que é Tempo?
Em ti Tempo o que é Guardião?


O Tempo evoca memórias recortadas,
poeiras estelares,
arquivos submersos,
mapas nús,
ampulhetas sem fim.


O Guardião evoca o sonho,
a alma assombrada,
a inocência ferida,
a humanidade manchada,
o espírito dilacerado...


A esperança redentora.

Intermezzo.


Hoje não posso ver ninguém:
sofro pela humanidade.
Não é por ti.
Nem por ti.
Nem por ti.
Nem por ninguém.
É por alguém.
Alguém que não é ninguém
mas que é toda a humanidade.

António Gedeão.
Obras completas
(1956-1967)

terça-feira, 15 de julho de 2008

A verdade.


Um dia, a Verdade andava a visitar os homens sem roupas
e sem adornos, tão nua como o seu nome.
E todos os que a viam viravam-lhe as costas de vergonha ou de medo
e ninguém lhe dava as boas vindas.
Assim a Verdade percorria os confins da Terra, rejeitada e desprezada.
Uma tarde, muito desolada e triste, encontrou a Parábola,
que passeava alegremente, num traje belo e muito colorido.
- Verdade, porque estás tão abatida? - perguntou a Parábola.
- Porque devo ser muito feia já que os homens tanto me evitam!
- Que disparate - riu a Parábola - não é por isso que os homens te evitam.
Toma, veste algumas das minhas roupas e vê o que acontece.
Então a Verdade pôs algumas das lindas roupas da Parábola e,
de repente, por toda a parte onde passava era bem vinda.
Então a Parábola disse-lhe:
- A verdade é que os homens não gostam de encarar a Verdade nua;
eles preferem-na disfarçada.


(Conto Judaico)

A montanha autoritária.






O sol arde.
As cores da montanha
oferecem-se em sacrifício.
As rochas brancas alvejam olhos humanos.
Anjos pretos de asas largas e
voo plano, debicam a morte.
Flores minúsculas sobrevivem ao agreste.
A montanha ergue-se imponente e autoritária.
Abre suas entranhas à agua e à vertigem.
Aos hinos geológicos.
Aos ecos profundos.
O vento roxo corta os rostos
presentes e futuros.

A alma cai de joelhos onde a solidão é enigma.